Ator de comédia Lino Bedan: “QUERO SER O MAIOR COMEDIANTE DE ÁFRICA OCIDENTAL”


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O comediante e ator Lino Bedan afirmou em entrevista ao nosso semanário que o seu maior desejo é tornar-se no maior actor comediante da África Ocidental. O comediante reconhece as dificuldades que tem pela frente, mas confia no seu talento e por isso, pediu o apoio das autoridades nacionais a fim de poder realizar o seu sonho.
“Tenho qualidades muito maiores que as dos atores e comediantes da sub-região cujos trabalhos costumamos ver. É o caso de Michel Gohou da Costa de Marfim, bem como de alguns atores senegaleses, guineenses de conacri e gambianos. Se houver meios, estarei em condições de fazer melhor trabalho que me tornará no maior comediante da sub-região”, assinalou o ator.
Lino Bedan explicou ainda na entrevista que nasceu normal como qualquer pessoa e que veio a ter a deficiência física mais tarde, por causa de uma injecção de vacina. Avançou ainda que esteve doente de paludismo e a mãe levou-o ao médico que lhe deu a injecção na veia, que acabou por paralisá-lo.
O DEMOCRATA (D): O senhor é comediante e ator de cinema, conhecido ao nível nacional. Quem é na realidade Lino Bedan, nasceu em Bissau ou veio do interior do país para tentar a sorte na capital?
LINO BEDAN (LB): Quero aproveitar a entrevista para esclarecer alguns aspectos, sobretudo do que se fala da minha vida e donde vim. Sou natural de sector de Safim, concretamente de uma aldeia que se chama de Ponta Adolfo Ramos (N´Tus). Foi lá que o comandante Domingos Ramos nasceu. Nasci na aldeia de N´Tus e vivíamos nas zonas de bolanha porque, como se sabe, o nosso grupo étnico (Balanta) gosta de ficar na zona litoral para aproveitar as bolanhas.
Cresci ali com os meus pais. Foi lá que fiz todo o ritual que se deve fazer na fase da juventude, nomeadamente a pastagem de gado com os meus colegas nas matas da nossa tabanca. O meu nome de tabanca é Bisanhá N´Tambu. Era assim que os meus pais me chamavam e cá na cidade as pessoas me conhecem por Lino Bedan.

D: Nasceu com a deficiência ou veio a adquiri-la mais tarde?
LB: Nasci normal sem nenhuma deficiência física. O que aconteceu foi que aos dois anos de idade adoeci e a minha mãe levou-me ao centro de saúde para consultas médicas. Tinha paludismo muito alto, de acordo com a explicação da minha mãe. O médico entendeu que devia dar-me uma injecção e deu-me a injecção na veia. De volta para casa apanhamos uma forte chuvada acabei por apanhar uma infecção.
Foi assim que acabei por ficar paralisado de uma perna e tornei-me num deficiente. A minha mãe percebeu que a minha perna estava paralisada, porque comecei a ter a dificuldade em caminhar. Ela decidiu amamentar-me de novo até aos quatro anos de idade, infelizmente não consegui mais a total recuperação.

D: Qual foi a razão pela qual deixou a sua aldeia natal para a capital?
LB: Como eu tinha dificuldades a caminhar bem como a fazer muitos trabalhos devido a minha deficiência na perna, o meu pai decidiu enviar-me para a capital, a fim de ficar com o meu primo irmão na altura militar para estudar. Foi em 1973. Vim para a cidade de Bissau com um pano atado ao pescoço. Nem sequer tinha vestido uns calções, foi apenas o pano e os pés descalços.
Éramos três rapazes em casa do meu primo. Dois irmãos do meu primo e eu. Passei muitas coisas ali. Momentos bons e outros amargos. Esses momentos marcaram-me até hoje. Jamais os esquecerei. Não desejo aos meus inimigos o que passei naquela casa.
O meu primo militar que estava a cuidar de nós fora transferido para o quartel de Cumeré. Fomos todos obrigados a mudar para Cumeré. Foi lá que iniciei os estudos. O actual Secretário de Estado das Comunidades, Idelfrides Fernandes, e mais outras pessoas cujos nomes já não me lembro, foram colegas de turma.
Mais tarde o meu irmão mudou-se para capital (Bissau). Continuei os meus estudos na escola 1° de Maio (no bairro de São Vicente Paulo). Foi nessa escola que comecei a praticar o teatro. Não me sentia complexo apesar da minha deficiência, e isso levou com que os meus professores apostassem em mim para récitas de poesias nos diferentes eventos. Era “porreiro” para nós na altura, ser chamado para recitar poemas. Eu adorava recitar o poema do Agnelo Regala intitulado “Camara Amílcar Cabral”. Sentia muito bem e à vontade a recitar poemas, gesticulando ao mesmo tempo.

D: Como é que entrou no mundo do teatro?
LB: Foi na escola 1° de Maio onde comecei a fazer teatro. Os meus professores, os que conheciam o meu talento, não hesitaram em escolher-me para ser o protagonista de uma peça teatral, onde fiz o papel de um comandante militar. A peça era muito interessante. Retratava uma história em que um grupo de meninos estavam a tocar o tambor muito próximo do local onde o comandante estava descansar.
Era um barulho enorme e o comandante resolveu mandar um dos seus soldados com a seguinte mensagem: Vá dizer-lhes que “parem lá com isso pá”. Este chega e diz: comandante deu uma ordem aos soldados: “parem lá com isso pá”. Os meninos não pararam. Recomeçaram a tocar e a cantar: “parem lá com isso pá”… “parem lá com isso pá”. O soldado que o comandante mandara começou a dançar. De soldado em soldado, o próprio comandante (eu) acabou para deslocar-se até lá e acabou a dançar também. A partir dali ganhei certa reputação no seio dos meus colegas e dos mais experientes, que começaram a convidar-me para tomar parte em peças teatrais.
Quando passei para o ciclo, mudei para a Escola 3° Congresso em 1976. Ali continuei a fazer peças teatrais, mas também tocava o tambor muito bem. Fui excelente aluno na escola, aliás eu tinha que me esforçar nos estudos para ajudar os meus colegas de turma nas provas e como contrapartida davam-me pães, mancarra e mais algumas comidas. Para dizer a verdade fui tratado muito mal na casa do meu primo e as vezes não comia. Se demorasse a chegar a casa perdia o almoço.
Ia à escola descalço, porque eu não tinha nada. Os meus colegas vestiam-se bem. O meu professor de Matemática, António Djaló, a dada altura comprou-me um par de calçado plástico que se chamava “krintin”. O professor gostava tanto de mim, porque eu era muito bom em Matemática.
Os professores organizaram os alunos para a prática de peças teatrais e escolheram os melhores de cada turma. Constituímos um bom grupo de dança e de teatro que teve grande sucesso, por isso inscrevemo-nos no concurso do desfile do carnaval. Participamos e vencemos. Infelizmente não me recordo do ano. A minha participação nas peças teatrais teve como consequência a reprovação no meu segundo ano do ciclo, porque deixei de estudar com frequência.
Consegui batalhar no ano seguinte para depois entrar no liceu. Estudei no Liceu Nacional Kwame N´krumah, mas com muitas dificuldades. Custou muito. Ajudava o meu irmão na venda de vinho de palma para ajudar no sustento da casa. Também vendia aquela bolacha que se chamava de “bolacha meletchó”. Trabalhava com o Cabum e mais outras pessoas. Fazíamos façanhas que divertiam os clientes que acabavam por comprar as nossas bolachas. A seguir criamos um grupo que denominamos de “Nha amanha iabri um bias” e mais tarde criamos o grupo “Fidjus di Balana”, portanto isso tudo foi em 1976.
Já em 1980 entrei num grupo que se chamava de “Chamas de Revolução”. Foi este grupo que me projectou para um nível mais alto. Tínhamos um instrutor da nacionalidade guineense de Conacri que não brincava no trabalho. Não tolerava nada nem no momento de ensaios. Uma vez, estávamos a ensaiar uma peça. Fiz o papel de uma criança que andava a procura da sua mãe que fora buscar água no poço.
Andei pelo caminho do poço a cantar no dialécto mandinga, a procura da “minha mãe” e como os meus colegas estavam a ver-me e alguns riram-se, acabei também por rir. O nosso instrutor ficou tão mal comigo ao ponto de bater-me nas costas. A partir dali comecei a encarrar o trabalho com toda a seriedade. Mandou-me repetir a peça e consegui interpretá-la muito bem, cantando e chorando como uma criança desesperada a procura da mãe.
Foi a primeira vez que chorei na interpretação de uma peça teatral. A partir dali aprendi o que se diz diafragma. Um ator consegue, através do “diafragma”, transmitir a mensagem ao receptor, ou seja, ao seu público. O ator deve fazer com que o público viva a emoção da peça, fazendo como se fosse uma realidade. Pode gritar, cantar e até chorar se for preciso. Foi através deste grupo que comecei a trabalhar seriamente como ator comediante apresentando peças teatrais. Em outras palavras, posso afirmar que foi graças ao grupo “Chamas de Revolução” que me lancei no mundo da comédia.

D: Chegou de beneficiar de alguma formação na área de teatro a nível interno ou externo?
LB: Sim beneficiei de uma formação sobre técnicas de teatro no Burquina Faso, graças ao Toni Tcheka. Reconheço que foi em Burquina Faso que consegui aprender muitas coisas sobre técnicas do teatro. Infelizmente não me recordo do ano em que decorreu essa formação e os nomes de alguns colegas com quem me formei, porque a maioria deles já se encontra no estrangeiro.
Certa vez, uns colegas que estiveram a ver as aulas de ensaio de grupos sul-africanos ficaram com medo e a maioria começou a chorar. Isso deixou-me com um medo tremendo, se conseguiriamos fazer diferença pela positiva. Resolvi regressar para o hotel juntamente com todos os colegas do nosso grupo, para preparar a nossa peça.
O grupo sul-africano apresentou uma peça com façanhas muito semelhantes aos gestos feitos pelos balantas quando velam, choram ou dançam por ocasião da morte ou de um funeral de um parente próximo. Tínhamos algo semelhante a aquilo e resolvemos mudar a nossa peça. Comecei a trabalhar uma peça com o Luís Morgado que também é um grande ator. A peça era “Turbo de Mon Patron”.
A nossa peça conseguiu destacar-se como uma das melhores apresentações durante a formação. A organização tomou a iniciativa de fazer um quadro de fotografias das caras mais destacadas ao longo da formação. Sentimo-nos muito orgulhosos do nosso trabalho. A formação correu muito bem, como também conseguimos aproveitar bem os ensinamentos dos nossos instrutores durante quatro semanas. Os trabalhos decorriam de manhã e a tarde.
Era uma formação intensiva com grandes especialistas na área que não brincavam no trabalho. Infelizmente não permitiram-nos mostrar ao povo guineense o nosso trabalho na televisão nacional da Guiné-Bissau. E ficamos com os diplomas e medalhas que recebemos nas nossas casas, acho que todos já se estragaram neste momento.
A nível interno beneficiei de uma formação de reciclagem na área da técnica de teatro. Na altura estava na cidade de Buba, sul do país, a ministrar uma formação a um grupo de jovens daquele sector na área da comédia. É um trabalho que eu estava a fazer em colaboração com a organização “AMIC”. Entretanto recebi uma chamada telefónica de um dos responsáveis da cultura para me convidar a tomar parte numa formação de reciclagem sobre técnicas de teatro em Bissau.
Beneficiei da formação de género três vezes no país. Todos os formadores que estiveram no país deixaram recomendações às nossas autoridades dizendo-lhes que eu, Lino Bidan, era o melhor ator comediante da Guiné-Bissau. E ao mesmo tempo exortavam as autoridades para que me apoiassem com uma formação séria e com meios necessários para a produção de peças teatrais.

D: O senhor é um comediante com uma deficiência no pé, mas consegue fazer o seu trabalho de comédia sem nenhuma vergonha. Como é que conseguiu inserir-se na sociedade sem complexo e o que faz com que o seu nome esteja em todo o lado?
LB: Não há nenhum segredo sobre isso. Sinto-me uma pessoa normal como qualquer pessoa, porque nasci normal sem problemas de deficiência. Apenas tenho esse problema no pé, mas isso não me impede de fazer o meu trabalho, sobretudo nesta área e por isso não acho que devo complexar-me. Digo-vos o meu sonho e o que exactamente pretendo ou desejo atingir na minha área.
O meu sonho é tornar-me no maior ator comediante da África Ocidental, porque tenho talento e a técnica para conquistar este patamar. E a única coisa que me falta e que pode impedir-me de realizar este sonho são os meios ou as condições necessárias para fazer o meu trabalho. Se eu tivesse os meios como os atores da nossa sub-região, garanto-vos que dentro em breve tornar-me-ia no melhor comediante da nossa costa ocidental e ao mesmo tempo uma das referências ao nível do nosso continente.
Não é que estou a minimizar os trabalhos dos meus colegas da sub-região, mas garanto-vos que sou o melhor. Vi os trabalhos de comediantes cabo-verdianos, senegaleses, guineenses de Conacri, da Gâmbia, do Mali, da Costa de Marfim, sobretudo do Michel Gohou que é o mais destacado. Reconheço que são bons tecnicamente, mas reafirmo nesta entrevista que eu, Lino Bidan sou o melhor. Se houver meios necessários para fazer o trabalho em pouco tempo, ninguém me igualará com estes comediantes.

D: Vimos os trabalhos de comediante de Costa de Marfim, Michel Gohou e sabemos que vivem noutas realidades sócio-culturais e que provavelmente beneficiam de apoios. O que é que se pode fazer para o Lino, ou seja, para os actores comediantes do país chegarem ao nível de Gohou?
LB: Quando se nasce no seio de uma família pobre somos obrigados a viver naquele ambiente de pobreza, dado que somos obrigados a dividir o bocadinho do bolo que temos. Não tenho culpa de estar a viver na Guiné-Bissau que é um país onde a cultura não é uma prioridade. E a meu ver a única coisa que as autoridades podem fazer é pensar na cultura e tirá-la do último plano.
A cultura é o meio que temos para projectar a imagem do nosso país, por isso merece todo o carinho e apoio das autoridades através de um plano bem definido. Na verdade é preciso apoiar os homens da cultura em diferentes vertentes, porque são embaixadores da imagem do país. É urgente o executivo comece a pensar num projecto ambicioso para apoiar os atores da comédia, porque existem grandes talentos no nosso país.
Voltando àquela pergunta sobre como é que consegui ultrapassar o complexo de ser deficiente. Sinto-me como uma pessoa normal e acho que todos os deficientes devem sentir a mesma coisa. Eu quero afirmar aqui que o meu desejo é ser uma referência para os deficientes, para que não sintam complexos nenhuns. Porque basta verem o Lino que é o deficiente de pé, a fazer peças teatrais sem vergonha nenhuma.
Vejamos o músico Dembo Djassi que sentia complexos até de participar em eventos públicos. Apesar de ser cantor, sentia complexos devido a sua estrutura física. Consegui fazer o Dembo Djassi participar numa comédia, e ele conseguiu desempenhar um bom papel. Ele já não sente muitos complexos de se aproximar das pessoas.
Lembram-se da publicidade que fiz com o músico Zeras Bunca Sanhá, sobre a vacina de poliomilite? Zeras também era um deficiente tímido e digo mesmo complexado. Numa das passagens da publicidade, eu dizia assim: “meu primo você tem problema de dois amortecedores e eu tenho apenas um problema, portanto estarei sempre à frente”. O homem não conseguia responder-me, porque sentia vergonha, mas insisti com ele até que ultrapassou aquele complexo.
Quero dizer com estes dois exemplos que o facto de sermos deficientes não pode impedir-nos de fazer o nosso trabalho e o mais importante é que devemos esforçarmo-nos para podermos ter uma formação e assim podermos exigir direitos iguais.

D: A peça teatral apresentada na rádio nacional sob a sua coordenação com alguns actores, tais como Cabum, Agente N’ Bunde, Catcho Modja. Tem a ideia de quantas peças teatrais já produziu?
LB: São muitas peças teatrais. Lembro-me que comecei os trabalhos de produção de peças em 1989 na Rádio Nacional. Cabum fora convidado para produzir o programa, mas resolveu chamar-me.
Passei a produzir o programa. Seriei-o como uma telenovela, a fim de motivar os ouvintes em casa para que tenham vontade de acompanhar a edição seguinte. Falavamos de diferentes temas da sociedade de forma a sensibilizar a população sobre os cuidados que poderiam ter sobre um determinado assunto. Produzi muitas peças teatrais e na verdade não consigo recordar-me do número de peças produzidas.

D: Uma das suas peças teatrais transmitidas na Televisão Nacional, na qual interpretou o pepel de um menino que cresceu na casa da família (mininu di criason) e com todas as dificuldades enfrentadas, transformou-se num grande homem na família. Esta peça retrata o passado de Lino ou baseou-se noutro facto real?
LB: Lembro muito bem desta peça. “Mininu de Criason ku Fidju di Casa”. A história da peça retrata o meu passado. Sei que muitas pessoas viveram ou sentiram aquilo que eu senti, quando vivia em casa de familiares. Passei muito mal na casa do meu primo. Ele e a esposa diferenciavam-me dos seus filhos. A mulher diferenciava-me da sua família mais próxima. Mandavam-me ir buscar lenha na mata para cozinhar, todos os dias devia levantar-me muito cedo para ir buscar restos de comida no lixo (iagu di porku) para os suinos. A seguir tinha de preparar-me para ir à escola às oito horas da manhã. Muitas vezes chegava atrasado à escola. Uma vez tínhamos uma prova e atrasei-me bastante a chegar e quase perdi o exame. Se eu fosse filho deles é claro que não iam mandar-me buscar restos de comida para porcos, sabendo que ia à escola de manhã.
Inspirei-me no meu passado para produzir aquela peça teatral. Felizmente foi muito bem interpretada e as pessoas gostaram bem do trabalho. Isto fez-nos sentir bem enquanto atores.

D: Saiu de teatro radiofónico para o mundo da sétima arte (cinema). Como é que entrou para o mundo do cinema?
LB: É verdade que eu fazia teatro radiofónico e nunca pensei em filmes de comédia. Comecei a ver esse género de filmes produzidos por alguns autores da sub-região e percebi que eu podia fazer a mesma coisa, ou melhor. A partir dali comecei a pensar na produção de filmes de comédia e a minha primeira participação em comédia na televisão, foi aquando da produção da publicidade do “sumo lopi”.
Bebi o sumo e a seguir deixei a seguinte frase em crioulo: Lopi i pika. Esta frase ganhou muita força na nossa sociedade, mas confesso que cometi um erro na frase. Queria dizer que o sumo é saboroso, mas acabei por dizer que é picante. Dizer que um sumo é picante! Uma comida preparada com limão e “piripiri” é que se pode considerar de picante, mas sumo não é picante, mas sim saboroso.

D: Quantas produções cinematográficas produziu até hoje e com que meios?
LB: No total até hoje produzi apenas sete filmes de comédia. Alguns tiveram patrocínio e outros foram com os meus próprios meios. O primeiro filme que produzi contou com o apoio de uma organização denominada de “Radda Barnne” que entrou com alguma “coisa” para patrocinar o filme, mas não conseguiu liquidar totalmente o orçamento para a produção de filme.
As pessoas queriam comparar-me a alguns humoristas da praça de Bissau, decidi então produzir aquele filme em que fui roubar um fogão (fugaredu). Mostrei às pessoas que não podem comparar-me aos humoristas e que sou o melhor e continuarei como o melhor comediante da Guiné-Bissau. Aquele filme tem tudo para fazer diferença e mostrar que é um trabalho extremamente profissional.
Algumas pessoas queriam comparar-me com o comunicador (humorista radiofónico) Bipa que apresentava um programa de humor na estação emissora, Rádio Bombolom FM. O filme rodou muito bem no país e no estrangeiro através dos nossos conterrâneos que gostaram e o levaram para Portugal e outros países da Europa.

D: Como vê os filmes da comédia produzida pelos jovens comediantes?
LB: Vamos começar com o trabalho do meu rapaz, Barudju. O filme tem pouca qualidade técnica e isso pode ser notado apenas por um profissional da área. Aquele filme não tem um protagonista e não só, como também fez um trabalho que não está muito bem interligado. O que é que o astrólogo (murro) tem a ver com o ladrão de porco? Não é nada de mal, mas falta muita coisa naquele filme.
O mesmo acontece com a produção de filme “Clara di Sabura”, mas quando fui falar com os produtores de filme reconheceram logo, dado que consegui apontar-lhes as falhas.
Vou contar-vos uma coisa sobre o grupo “Esta é a nossa Pátria Amada”. A ideia do cenário da peça teatral na Alemanha foi minha, mas infelizmente tiraram-me de fora no momento da partida para a Alemanha. Alegaram que não sabia dançar. Foi muito triste; muita pena mesmo…

D: Essa é a razão que levou à retirada do seu nome da comitiva?
LB: Não sei explicar isso. Não fiz o teste, porque havia uma mulher alemã encarregada de fazer os testes às pessoas. Ela disse-me que não era preciso fazer o teste. Fui o primeiro a ser seleccionado e recebi também primeiro passaporte com o visto, mas fui o primeiro a ser eliminado no momento do embarque.

D: Porque é que retiraram o seu nome?
LB: Creio que o Bighatéba sabe e certamente poderá responder a essa questão. Disseram que não sabia dançar, mas eu preparei as pessoas com três estilos ou formas diferentes. Preparamos a dança, a canção e a comédia que poderíamos apresentar muito bem.

D: Qual é a vida real de um autor comediante na Guiné-Bissau, sobretudo a vida de Lino Bidan?
LB: Confesso-vos aqui que eu não tenho nada, mas nada mesmo. Moro numa casa de família há mais de 20 anos. Imaginem! Se pagasse o arrendamento da casa! Claro que teria sido expulso há muito tempo, porque não tenho dinheiro para pagar o arrendamento mensalmente. Tenho apenas um televisor para acompanhar o mundo, um conjunto de sofá e um congelador. Posso carregar os meus pertences em caso de mudança. Não preciso esperar por um camião ou pegar um táxi, porque não são muitos. Sou pai de quatro filhos, vivo com dois e outros estão na casa das suas mães. Divorciamo-nos há muito tempo.
Falo-vos do meu colega Luís Morgado que é um grande ator. Foi despejado da casa onde morava e acabou por perder os bens, porque não tinha dinheiro para pagar o arrendamento de muitos meses. Agora vive em São Paulo. Quando foi chamado para receber o prémio da gala, acabou por dormir na praça, porque não podia voltar àquela hora para o seu bairro.

D: Que comentário fez sobre a gala de distinção de personalidades mais destacadas do país em diferentes sectores…
LB: Não… Acho que o tempo irá esclarecer tudo isso um dia. Se não houver o prémio para o maior comediante guineense, Lino Bidan. Acho que quem de direito terá que responder por isso um dia. Não me convidaram nem sequer para participar no evento. Simplesmente resolvi ficar na minha casa.
Fico mais à vontade a trabalhar para o meu povo que consome o meu trabalho, mas o certo é que continuarei a fazer o meu trabalho com ou sem ajuda. Não vou desanimar-me por isso, porque sei que um dia vou vencer e tornar-me-ei no melhor ator comediante da África Ocidental.

D: O que é que o Estado faz exactamente para apoiar os actores no domínio da cultura?
LB: Não conto com o Estado da Guiné-Bissau há muito tempo no que se refere ao apoio aos homens da cultura. Há um provérbio que diz assim: Quando o filho está cansado recorre ao pai para pedir socorro. Infelizmente isso não acontece no nosso país e aqui cada qual luta para a sua sobrevivência.
O Estado da Guiné-Bissau apenas se lembra das pessoas quando precisa delas para um determinado trabalho. Se houver um evento grande sobre um determinado assunto e então entram em contacto comigo: “Lino se faz favor vai fazer teatro para nós, sobre o tema tal”. Depois dão apenas uma coisinha de nada e às vezes pagam com refeições e táxi.


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