O músico internacional da Guiné-Bissau, Manecas Costa, disse em entrevista ao jornal O Democrata que o seu maior sonho é ver o seu país natal organizar um Festival Internacional que poderá ser denominado “Festival José Carlos Schwarz”. Também manifestou a vontade e o desejo de gravar um disco infantil no país com crianças guineenses. Explicou ainda que o atraso da colocação no mercado do seu novo disco deve-se à desistência de um grupo de seguidores que queriam apoiá-lo, mas que mudaram de ideias e já não apoiam o trabalho.
O músico informou que há outro grupo de pessoas que está a tratar e bem do assunto. Revelou que o montante em falta para finalizar o novo álbum é estimado em 35.000€. Aproveitou o microfone do jornalista do semanário “O Democrata” para apelar às rádios do país para que passem mais músicas nacionais, ao invés de músicas estrageiras cujas percentagens nas diferentes rádios superam muitas vezes as da música nacional.
O Democrata (OD): O senhor é Produtor, guitarrista (baixo, solo, ritmo) cantor e intérprete. Faz-nos um pequeno resumo do seu percurso musical.
Manecas Costa (MC): Enquanto músico internacional da Guiné-Bissau, o meu percurso é longo. Faltam dois anos para atingir os meus 40 anos de carreira. Eu comecei muito cedo neste país. Aos nove anos já ombreava com os mais velhos num bom sentido, apreciando aquilo que os velhos faziam e imitava-os.
Foi a minha vida desde miúdo fazer a música e acabei por ganhar muita admiração do povo da Guiné-Bissau. É preciso dizer isso, porque sou aquilo que sou hoje graças ao povo da Guiné-Bissau e o devo também à minha família.
A minha carreira tem sido uma carreira normal. Tenho quatro discos. Participei em vários discos, produzi vários artistas da Guiné-Bissau. Tentei no máximo dar o meu melhor para a música da Guiné-Bissau e vender uma imagem positiva do nosso país. Acho que é extremamente importante. Temos que tocar e tentarmos não falar mal, mas sim enaltecer aquilo que o país pode nos dar. Nas minhas músicas tento fazer isso passando para os mais novos esse mesmo espírito.
Obviamente, produzi vários artistas da nova geração, nesse caso produzi o cantor que está actualmente em destaque, o Jovem Binham, uma colaboração bonita. Eu acho que uma mão lava a outra, e acho que é por aí que as coisas têm que passar.
Ao longo da minha carreira envolvi-me com várias pessoas, umas mais velhas como José Carlos Schwarz. Segui os “Cobiana Djazz”, “Mamadjombo” e N’ kassa Kobra. Depois o meu irmão e eu fundamos o grupo “África Livre”. Esse grupo fez com que o Manecas fosse hoje aquilo que é. O grupo África Livre foi uma academia para jovens, por onde passou muita gente e deu também muita alegria ao povo da Guiné-Bissau.
O grupo África Livre é um grupo que me deu tudo aquilo que aprendi e tenho na música. Acho que é uma forma justa e bonita de homenagear o grupo e os colegas deste místico agrupamento e dar uma força enorme aos colegas, porque há uma luz no fundo do túnel. É possível ver África Livre com um disco reeditado, talvez um de uns tempos atrás. Seria um marco histórico para mim, para o meu irmão e para as pessoas que sempre olharam para nós como gente que faz parte da sociedade da Guiné-Bissau.
Portanto, resumindo a minha carreira é enorme, pois tive várias facetas, ganhei festivais, fui embaixador da boa-vontade da UNICEF na Guiné-Bissau, ganhei vários prémios. Fui nomeado a nível do teatro, também fui actor. Faço teatro em Espanha. Nos primeiros anos que me convidaram para fazer parte do elenco de uma peça trabalhei no duro e logo no ano seguinte tive uma nomeação. Acho que mesmo não tendo ganhado, apenas o facto de ter sido nomeado foi um prémio para a Guiné-Bissau. Nunca disse isso, mas acho que é preciso dizê-lo: quando um artista que não é actor, mas que de repente se torna, no espaço de um ano, actor e é nomeado no domínio do teatro, acho que a música da Guiné-Bissau fica a ganhar, o país fica a ser conhecido.
É preciso que a música da Guiné-Bissau saia de um lugar menos positivo e que vá junto ao público. Não apenas a música tradicional, mas também a música do mundo, como música de qualidade, porque temos qualidades no nosso país. Temos músicos, temos artistas e temos pessoas que querem naturalmente dar o seu melhor, mas isso pode acontecer apenas com o trabalho e trabalho de casa bem feito.
OD: Do conjunto dos teus discos, qual deles é que projetou Manecas Costa Internacionalmente? E como isso aconteceu?
MC: O disco que me projectou enormemente foi o “Fundu di Matu”. O tema musical “Fundu di Matu” fez com que a BBC viesse ter comigo. As duas músicas “Fundu di Matu” e “Armons di Terra” são dois temas musicais que fazem parte da coletânea internacional, ou seja essas duas musicais abriram-me as portas a nível mundial, graças a Deus. Estamos a falar dos anos 1997/1998. Depois de o disco “Fundu di Matu” ter sido lançado em 1999, nunca mais parei.
Em várias situações a BBC, a produtora que gravou o disco, pesquisou, procurou, seguiu-me, mas ninguém sabia dos meus contactos. Descobriu-me em Portugal, falamos, houve um namoro, profissionalmente falando. Apresentaram-me a intenção de trabalharmos juntos. Ensaiaram vários cenários. Convidaram-me para ir à Londres para fazer a primeira parte da Orquestra Senegalesa “Baobab”.
Fui e fiz a primeira parte da Orquestra “Baobab”, mas não tinha a ideia que era um cenário montado para que o Manecas assinasse um contrato com a BBC. Fiz o meu “Show”. Um grande “show”. Cantei bem, dancei bem, fiz o espetáculo a meu gosto. Quando sai do palco, vi um batalhão de jornalistas a tentar falar comigo e perguntei o que foi que fiz? Não fazia ideia, mas a minha produtora a rir disse-me que a minha hora chegara, que a hora da Guiné-Bissau chegara. Fiquei muito contente e emocionado.
Perante aquela situação, pedi a minha produtora para me explicar melhor o porquê de ter dito que chegara a minha hora. Ela respondeu-me: “vais assinar o teu contrato e vais tornares-te artista internacional da Guiné-Bissau. A BBC vai projectar-te em todo mundo. O crioulo que tu cantas será ouvido em todo mundo e a tua imagem, o teu desempenho, o teu perfil como músico, como guitarrista, como compositor, intérprete, como actor, seja o que for, a partir de hoje vais ter um estatuto e todo mundo te respeitará”. Quem é que não gosta de ouvir isso? Todos nós gostamos…
Faltam-me dois anos para fazer 40 anos na música, ou seja, eu comecei aos nove anos de idade. A primeira vez que apareci neste país foi em 1976, numa manifestação cultural fora do normal. Era miúdo na altura e não tinha forças nem para segurar uma guitarra, e muito menos para poder usar o cinto deste instrumento. Colocavam-me uma caixa para poder equilibrar o peso. Isso aconteceu na história da música da Guiné-Bissau. Não quer dizer que sou o único, mas pelo que sei da nossa música, acho que ninguém tocou com a minha idade aqui no país. Aparecer ao público em grande e com destaque, acho que ainda não aconteceu no país. Pode ter acontecido, mas acho que ainda este record só me pertence a mim.
Portanto, quando apareci aos nove anos e até hoje ainda não parei. Fiz desta profissão e desta vontade a minha vida e é o que está a acontecer. Por isso mesmo, não me canso de agradecer ao povo da Guiné-Bissau, não me canso de agradecer ao meu pai por tudo o que me ensinou. Porque se sou homem é porque estudei cá, aprendi cá, fiz cá amigos, fui namorado cá, namorei também algumas pessoas e tenho amigos, tenho familiares, tenho pessoas que acreditam na minha forma de estar e na minha vida.
Por outro lado, achei que é extremamente importante falar da importância que a minha família tem, os meus pais, porque eu era miúdo. O meu pai tinha de me orientar, mas nunca existiu da parte dos meus pais um sinal de “Não”, de não me apoiarem. Acho que os meus pais sabiam que em casa havia uma estrela, ou seja, alguém que poderia sonhar com este país, e tive o apoio do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos, da minha família em geral, dos vizinhos, porque era muito importante a vizinhança na altura para dar aquela força, sabe.
Acho que o disco e o contrato assinado com a BBC foram muito importantes. Viajámos para Bissau porque disse que o disco tinha que ser gravado cá na Guiné-Bissau. Por acaso foi neste hotel (hotel Lobato), um dos hotéis no centro da capital Bissau. Gosto deste espaço, pois é um espaço que me dá a máxima tranquilidade, claro que não é a melhor do país.
A BBC veio comigo, vieram com material para gravar o disco intitulado “Paraíso de Gumbé” deslocaram um dos estúdios móveis para Bissau, foi um virar de página histórico para a música da Guiné-Bissau. Passei a ser o primeiro artista da Guiné e se calhar a trazer um estúdio móvel para o seu país com um batalhão de gigantes entre os produtores, “camera men”, fotógrafos, engenheiros de sons para estarmos cá a produzir o disco, imagens de vídeo que deram muita alegria ao nome da Guiné-Bissau. Acho que na altura, quando estivemos cá, fizemos duas vezes directas para BBC World, o que custa muito dinheiro.
Quando se fez o directo da cidade de Cacheu e fomos a casa onde nascemos, a minha irmã e eu, pois somos gémeos, embora a minha irmã já não esteja entre nós, foi emocionante. Cacheu é um lugar histórico, estivemos lá um dia e a BBC fez questão de conhecer a casa que me viu nascer. Tudo isto foi divulgado ao mais alto nível. Divulgamos a cidade de Cacheu e alguns espaços de Bissau.
Acho que foi missão cumprida: um filho que volta à casa seguido de hóspedes, ou seja, de estrangeiros e que vão até a sua casa e ele, o filho, sempre a querer impressioná-los para que fiquem com uma boa imagem do seu país. Isso aconteceu. Lanço um apelo para que visitem a minha página de imprensa no facebook para poderem ter a ideia do porquê de ser um artista internacional. Não exijo o título, nem digo categoricamente que sou, mas se sou artista internacional é porque estou em vários países do mundo. Fui várias vezes criticado pela positiva em vários jornais internacionais. Fui capa de uma revista internacional de música que projectou muito o meu nome chamada “Froots”. É uma revista vendida em todo mundo, deu fama à Guiné-Bissau e deu a conhecer a minha cara a todo mundo, acho que foi um marco histórico.
OD: De que é que se inspira o Manecas Costa para cantar?
MC: As minhas inspirações vêm do nosso país – a Guiné-Bissau, vem do nosso crioulo, do nosso sumo, do nosso limão, da nossa água, da flor, das mulheres e dos homens também, obviamente, das crianças e este sol maravilhoso que temos, a nossa chuva tudo isso canta-se. Acho que a minha inspiração tem a ver com aquilo que sempre sonhei ver na Guiné, ver a nossa sociedade crescer enquanto colectividade, ver o nosso país ser uma Nação promissora e acreditar também na juventude, no ensino, acreditar que há males que vêm por bem.
Enquanto sonhadores podíamos também alcançar os nossos objectivos. Na minha inspiração eu canto aquilo em que sempre acreditei. Voltando atrás, por exemplo, fui embaixador de Boa Vontade do UNICEF na Guiné-Bissau, tinha 20 anos na altura. Cantei muito a mulher, problemas de saúde, vacinação, explicando a importância que a vacina tem ou deve ter nas mulheres e crianças. Expliquei muitas vezes a importância de ter uma rádio em casa ou de haver energia em casa. Com um megafone, andei de porta em porta a explicar o calendário da vacinação e a importância que aquilo tem para a saúde. Acho que acaba por ser algo especial o que me aconteceu, porque um jovem de 20 anos ter essa preocupação, enquanto artista ou no lugar de um cidadão não é para todos.
OD: Quantos álbuns já editou no mercado ao longo dos seus 38 anos de carreira musical?
MC: Tenho quatro discos no mercado. Tenho “Mundo di Fémia”, tenho “Fundu di Matu”, tenho “Paraíso di Gumbé” e tenho um álbum em parceria com o espanhol Narf que se chama “Aló Irmão”. Portanto, tenho estes quatro álbuns que sempre me transmitiram alguma felicidade, alegria e conquistei muita gente, conquistei muitos países. Estive em festivais internacionais, graças a Deus.
Cantei em crioulo da Guiné e fiz muita gente dançar, fiz muita gente pensar na Guiné-Bissau, fiz muita gente respeitar o crioulo da Guiné-Bissau. Fiz com que a música do nosso país fosse falada ao mais alto nível e com qualidade. Tentei sempre puxar os meus colegas também, todos eles, Justino Delgado, Iva e Iche, Dulce Neves, Eneida Marta, Sambala Kanuté, Rui Sangara, Estevão Djibson, Zé Manel. Porque se fazes um trabalho com qualidade o colega que está ao lado também vai querer fazer a mesma coisa. Acho que é por isso que nós puxamos muito uns aos outros.
Acho que a música da Guiné-Bissau respira, neste momento, um ar próprio. Não temos nada a provar ninguém. Já percebemos isso, de que temos grandes senhores da música, temos grandes senhores da poesia, temos grandes senhores no mundo da arte. Do que precisamos neste momento é ter um pouco de sorte e ver o país com um grupo empresarial e o Governo atrás dos artistas para apoiá-los.
Quem está no mundo a brilhar com o nome do seu país, a mostrar a sua bandeira, a mostrar a sua música, a mostrar a sua “guinendade”, a espalhar o crioulo da Guiné-Bissau e valorizá-lo, tem que se arranjar a forma de apoiá-lo. Por vezes o apoio não é apenas dar dinheiro. Há muitas formas de apoio, embora o dinheiro faça muita diferença.
OD: Além do projecto “Aló Irmão” com o Narf, em quantas colectâneas ou outros projectos é que Manecas já participou, seja eles nacionais ou internacionais?
MC: Perdi a conta. Acho que dizendo a verdade, já participei em várias centenas de discos, quase todos os dias participo em discos. Toquei muita música com angolanos, mas as pessoas não sabem que estou lá a tocar e dizerem, por exemplo, “olha o Manecas está aqui a tocar, baixo, guitarra”, porque neste país não há tradição de ler a ficha técnica. Também a nível nacional existem centenas de discos até perdi a conta.
A minha participação, a minha colaboração com os artistas não se resume apenas em trabalhos com artistas nacionais, mas também ela alarga-se aos artistas internacionais. Por exemplo, vou sempre gravar a Londres. Estive duas vezes em colaboração com o grupo chamado “Tama”, onde estava o Djanuno Dabó. Formamos uma colaboração perfeita, fizemos uma coisa bonita na casa do Peter Gabriel, um músico mundial, britânico que mora na Inglaterra e tem um espaço fora de normal que se chama “Real World”.
Quem vai ao “Real World” é porque esteve quase no “Céu”. Eu estive lá duas vezes. Fui seleccionado duas vezes como “Fidju di Guiné-Bissau”. Como filho da Guiné-Bissau é um orgulho para o nosso país. Fui lá, gravei e encontrei muitas pessoas com os quais tornamo-nos amigos. Pessoas do Mali, do Senegal, do Burkina Faso, do Gana, da Gâmbia, da Serra Leoa, gente que está lá a lutar através das suas músicas. Em tudo isso, tenho a minha participação ou a minha colaboração. Em tudo aquilo que participo, sinto-me não só orgulhoso, mas também sinto que é um caminho onde tento dar o meu melhor. Se consigo, é uma missão cumprida, para tal é preciso fazer um bom trabalho de casa.
OD: Qual é o disco melhor sucedido do Manecas Costa? E porquê?
MC: O disco “Fundu di Matu” projectou o Manecas Costa. Mas o disco melhor sucedido de Manecas Costa foi o álbum “Paraíso di Gumbé”. Disco que gravei com a BBC. Como já disse, a BBC esteve cá em Bissau. Foi um disco que teve os temas como a “N’tonia”, “Ermons di Terra”, “Pertu di Bó”, “Sókari”, “Nha Mamé”, “Rapaz Bonitu”. Tem coisas fortes deste país, e acaba por ser um marco histórico no país. O “Paraíso di Gumbé” é o disco mais caro na história da música da Guiné-Bissau é preciso dizer isso.
OD: Porquê do nome “Paraíso di Gumbé”?
MC: “Paraíso di Gumbé” é um paraíso para nós, porque o estilo gumbé é onde transmitimos a nossa alegria, dançamos. Gumbé é o carnaval, gumbé é alegria do povo da Guiné-Bissau. Gumbé é um ritmo que transmite força, energia do povo da Guiné-Bissau. É um ritmo de que não me canso de falar, porque está presente em todas as etnias da Guiné-Bissau.
Em outras palavras, é um ritmo que passa a nossa verdadeira energia, enquanto cidadãos do mundo. Também havia um espaço aqui em Bissau que se chamava Paraíso di Gumbé. Eu sempre liguei esse nome a algo especial. É um nome de que sempre gostei, enquanto miúdo, enquanto baixista do grupo “África Livre”. Nós tocávamos neste espaço. Por isso este espaço ficou na minha mente. Serve igualmente para valorizar aquilo que os mais velhos fizeram ontem, por exemplo, o José Carlos Schwartz, Kobiana Djazz, Aliu Bari, Jorge Cabral, Tchico Caruca, Serifo Banora, Estevao Soares, Herculano Soares, Djon Mon Seca, Tunu de Kobiana Djazz, Mamadu Bá de Kobiana Djazz, Rui Deyves.
Há todo um passado que eu vivi com estes mais velhos, o disco “Paraíso di Gumbé acaba por ser uma forma de homenagear toda essa gente, porque quem escreve “Paraíso di Gumbé” ou quem canta como “Rapaz Bunitu” um ritmo de “Broska”, quem canta temas como “Mininus”, não só quer realçar o nome das crianças, mas também tem a ver com a preocupação da parte social do artista, assim como a preocupação com as mulheres, cantando flor, o amor e algumas situações que fazem parte da nossa vida, obviamente.
Gosto também de cantar a minha família, por exemplo, o tema “Nha Mamé”, um tema que dediquei à minha mãe, um tema que gosto de tocar em toda parte por onde canto, como aconteceu com o outro tema “N’tonia”. N’tonia foi das músicas mais bem tocadas no mundo, passa em toda a parte, no avião, faz parte das músicas do bordo, por exemplo, nos voos Londres – Shangai, Londres – Macau, nos supermercados internacionais, tanto em Londres, Estados Unidos da América, Japão.
Um colega diz que viu um show meu, quando estava no hotel com colegas e no zapping (mudança de canais de televisão) de repente apareci lá num canal a tocar. Disse-me “olha Manecas tu não imaginas como fiquei”. Foi na Correia de Sul, um país que não tem nada a ver connosco, mas consome aquilo que é qualidade da música da Guiné-Bissau. Trata-se do atleta guineense Holder Ocante da Silva. Ele disse que chorou, dizendo aos colegas que era um músico do seu país que estava a tocar na televisão. Toda a gente começou a saltar e puseram-se a gritar o nome da Guiné-Bissau. Por isso é que os nossos trabalhos devem ser apresentados com qualidade. Existem provas, documentários, jornais, revistas, vídeos que falam do que vos estou a falar aqui. Portanto, em minha opinião é importante manter o nível.
Eu sou um artista, mas tenho os meus limites. Ainda não sou rico, mas também não passo fome, sonhei sempre um dia ajudar muita gente neste país. Eu sei que tenho um monte de seguidores neste país. Gostaria que houvesse mais Manecas Costa aqui na Guiné-Bissau. Que houvesse mais pessoas com a minha idade a tocar e manter esse nível. Eu sei que daqui a 30, 40 anos já serei vovó e não vou conseguir fazer aquilo que faço hoje, porque faz parte da lei de vida. Mas antes de isso acontecer, tenho que fazer o meu trabalho de casa. Um dia estarei cá a viver, cá em Bissau e trarei para o nosso país pessoas que querem a minha música e pegar no meu projecto e lavarem-no para o mundo.
OD: O que é que os produtores (gravadores) procuram num artista?
MC: Os produtores tentam ajudar os artistas. Eu por exemplo produzi grandes discos. Tive sorte de produzir os “Netos de Gumbé” – Iva e Iche o disco “Si Canoa Ca N’Kadja”. Foi um disco de que tenho muitas saudades. Fiz a produção, arranjos, e escolhi o melhor caminho do disco para eles.
Produzi o disco da “Diva” Dulce Neves “Nha Distino”, produzi o disco “Katoré” do Tino Trimon. Participei, enquanto arranjador, no disco do Justino Delgado, do Rui Sangara, do Atanásio, da Eneida e muitos outros discos nacionais.
Acho que um produtor procura sempre dar a mão ao cantor ou artista, projectá-lo. Aproveitá-lo, enquanto cantor e artista e juntar o potencial do próprio produtor, criar uma química para que isso seja um sucesso. A única forma de um produtor também se sentir valorizado é dar o máximo dele para que o artista ganhe fama, proteção, projeção, ganhe dinheiro e venda discos. E para que o produtor possa também tirar alguns dividendos daquilo que é o sucesso do artista que é a mão dele, enquanto produtor do disco. Produzir um disco é exactamente dar orientação para que o artista possa ter sucesso a partir do dia que o disco sair para o mercado.
OD: Como é que avalia o momento actual da música moderna guineense?
MC: Acho que estamos num caminho certo, a prova disso foi o recente festival “Sagres” que constitui um marco histórico enorme na Guiné-Bissau e para a população do nosso país. Há muitos anos que não se via uma coisa do género, nem sei precisar o número de pessoas que estiveram no Estádio Nacional “24 de Setembro” quando cantei. Mas pelo que percebi deviam lá estar muita gente, umas 5 ou 10 mil no estádio a consumir a música da Guiné-Bissau. Aquilo que aconteceu no sábado são sinais claros que demostram que já estamos preparados para enfrentar novos desafios.
Nós, os artistas da Guiné-Bissau, temos que ter orgulho da música que produzimos, ou seja, temos um público fiel e é preciso dizer isso, que não só consome a nossa música, mas como a dança. E exige de nós a muita qualidade. O festival “Sagres” é um sinal claro de que os artistas da Guiné-Bissau merecem admiração e carinho do povo guineense e do próprio Governo, porque as pessoas ficaram lá horas a horas a saltarem connosco, a dançarem connosco, a divertirem-se.
Houve um exemplo enorme de civismo da população guineense. Não vi nenhuma luta durante o nosso show. É importante nesse tipo de festival que haja aquele amor à música, à nossa pátria, aos artistas, aos fãs para que os artistas sintam uma aproximação. Eu dei autógrafos naquele dia. “My God”!! Já perdi a conta. Foi nas mãos, no papel, na camisola, tirando fotografias com as pessoas. É isso que nós queremos, é isso que se pretende.
Foi um festival que teve um grande sucesso. Penso que temos que acreditar que o caminho é este e criarmos a união entre todos os artistas da Guiné-Bissau, pensando na partilha e uma boa convivência. Todos saíram a ganhar, porque este festival foi sinónimo de sucesso e que a próxima edição vai arrastar mais gente. Porque é que eu digo isso? Porque a primeira edição foi não só sucesso, mas acabou por ser também uma forma de o povo da Guiné-Bissau homenagear os seus artistas. Foi uma homenagem forte aos artistas da Guiné-Bissau. O segundo dia foi marcado apenas pela música da Guiné-Bissau, aquilo soou forte, doce e foi algo para a qual não tenho explicação. Ver toda gente contente, alegre e não vi ninguém a protestar, mas sim todo o mundo pedia mais. Então isso é sinónimo de sucesso, ainda isso demostra que estamos num caminho certo.
A música da Guiné-Bissau precisa dessa frescura, desse apoio, aquele palco, aquela luz que havia no estádio, o som também. Estava ali um som que chega ao pessoal e bate no coração do povo. Vai ao encontro daquilo que cria expectativa ao longo da nossa carreira e de os nossos fãs sentirem que estamos ali a cantar tudo para eles. O público sentiu que “tudo aquilo que toquei e cantei me tocou”, dá para vibrar, dançar, saltar e para cantar com os músicos é isso que queremos. Ou seja a música da Guiné-Bissau precisa de apoio.
O primeiro apoio é a media nacional a divulgar, nas rádios, nos jornais, na televisão, nas revistas. É esse também o papel da Comunicação Social. Ela deve desempenhar o papel de divulgador da música na sociedade, deve contribuir para que os músicos se sintam apoiados e para que sintam que os seus trabalhos não caiem no esquecimento. Vendo nos tempos que correm os media a poiarem os artistas e a apoiar a música da Guiné-Bissau é encorajador.
O segundo apoio, as rádios devem tocar mais a música nacional, ou seja, tudo que é nacional é bom. Mas tocar 80 por cento de música estrangeira e 20 por cento de música nacional, não concordo com isso. Faço apelo para que as rádios passem mais músicas nacionais e que tentem enaltecer mais músicas nacionais, pesquisando mais sobre os nossos artistas para que naturalmente estes possam sentir-se mais apoiados.
O terceiro apoio tem a ver com os empresários, criando linhas de crédito em dinheiro para que os músicos, por exemplo, possam editar os seus trabalhos. Esses créditos serão reembolsados mais tarde com o trabalho feito. Isso deveria ser a missão dos operadores económicos. Tal poderá servir de outro caminho para que a própria Secretaria de Estado da Cultura possa ajudar futuramente os artistas que têm alguma expressão, aqueles que arrastam o público para os espectáculos. Tendo em conta que quem consome paga, ou seja quem pedir dinheiro emprestado tem de pagar e quem dá dinheiro emprestado tem de recuperar o seu investimento. Tudo isso é um trabalho de futuro.
Também já ouvi por aí falarem da possibilidade de se construir no futuro um Palácio da Cultura. Se isso acontecer, não será apenas algo que vai beneficiar todos nós, mas também acabará por ser uma forma para que todo o espólio do nosso passado e o que aconteceu durante anos e anos na nossa carreira de artistas poderá ser concentrado no Palácio da Cultura. Os primeiros discos, os primeiros livros e muito mais coisas da nossa cultura. Tudo isso acabará por ser também uma maneira da própria população começar a ver o artista de outra maneira.
Quero em meu nome e em nome de todos os artistas da Guiné-Bissau que participaram no festival agradecer essa produção pelo carinho e a vontade de incentivar os músicos da Guiné. E porque não ter um palco maior na segunda edição, um som maior, ambicionar sempre pelo maior, pelo positivo?! Acho que merecemos. Durante esta fase, temos projetos, o Justino e eu, que chamamos de “JUMA”, porque nós entendemos que é altura de fazer algo de especial para os nossos fãs. Juntar o útil e ao agradável, nesse caso dois nomes sonantes da música mundial do seu país que querem estar juntos. Querem casar-se profissionalmente para emocionar muita gente. Se isso acontecer será com o trabalho feito, trabalho de casa, sabedoria e harmonia.
Essa união tem a ver com tudo aquilo que a música moderna da Guiné-Bissau respira neste momento. Temos sonhos, como no meu caso comecei a gravar e parei, mas vou retomar outra vez e o disco deve estar pronto dentro em breve, espero que os meus fãs possam ter essa qualidade que vem ai em pouco tempo.
OD: Como vê a evolução da música guineense, em relação à música dos PALOP?
MC: A música da Guiné-Bissau está ao mais alto nível. Há muito tempo. Desde sempre, sou da opinião de que não devemos permitir que sejamos influenciados por aquilo que vem de fora. É bom que os artistas consumam aquilo que vem de fora e beber dele, mas que trabalhem naquilo que têm cá. Falei sempre da nossa água, do nosso limão, das nossas frutas, da nossa comida e do nosso povo, da nossa gastronomia, dos lazeres que a gente tem cá que são aspetos muito bons da nossa cultura. No lugar de estar a pensar que outros são melhores e nós os piores, temos de fazer o nosso trabalho de casa bem. Temos de criar a nossa forma de estar na música.
OD: O que faz mais o Manecas para além de cantar?
MC: De momento faço apenas a música, mas claro que um dia gostaria de ter um negócio cá no meu país. Graças a Deus, sou um músico muito solicitado. Vivo da música. Praticamente faço estúdio por mês. Estou sempre em estúdios a gravar, mas não só com os músicos da Guiné mas também com artistas de outros países. Dá para viver.
OD: Porque decidiu viver em Portugal?
MC: Por uma questão de língua, é um país que nos facilita. A questão do nosso passado fez também com que Portugal fosse opção na minha emigração. Porque muitos portugueses estiveram cá, a língua que estudei é portuguesa. É uma influência bonita e boa. Foi também o nosso colonizador. Tudo isso influenciou a minha opção não só como emigrante, mas também como o país onde posso lutar para um dia ser músico internacional e ser reconhecido.
Costumo dizer isso, Portugal foi o trampolim na minha carreira, porque foi em Portugal onde gravei dois dos meus discos, nomeadamente “Mundu di Fémia” e “Fundu di Matu”. Os outros dois álbuns – “Paraíso di Gumbé” e “Aló Irmão” foram gravados aqui na Guiné, em Londres e em Espanha.
Tenho várias razões para estar em Portugal, a minha mãe, o meu pai, a minha irmã gémea foram todos sepultados em Portugal, isso demonstra que tenho também uma ligação espiritual com Portugal.
Casei-me em Portugal. A minha vida está em Portugal, tenho amigos em Portugal, os meus filhos nasceram em Portugal e Portugal acaba por ser a minha segunda casa. Sei que a minha emigração foi uma partida que deixou muita saudade. Decidi emigrar depois de ter tentado várias vezes gravar cá na Guiné, mas sem sucesso, não consegui. Achei que para gravar tinha de sair, emigrar. Apercebi-me que tinha que ter aquela carta de visita, aquele “Play”, aquele disco. Pensava: “tu! como podes ser um artista se não tens um disco, qual é a tua prova? Tinha que ter uma prova como artista e tinha de estar no mercado e ter música, quer se goste dela ou não. Foi uma luta, de bater a porta, seguir e fazer amizades com muita gente.
OD: Existe uma diferença entre cantor e músico? Quem é considerado músico para si?
MC: Músico é aquele que tem aquele sentimento de acompanhar, de tocar, de partilhar o palco com o cantor de que gosta. Eu sou músico e cantor. Por exemplo, gosto de estar em palco com alguns cantores, como o caso do Justino Delgado, Dulce Neves, Rui Sangara. Como aconteceu recentemente toquei com o Justino Delgado no festival “Sagres”. Foi uma colaboração muito bonita. Ele é um excelente cantor. Quando chegou a hora dele brilhar, sou seu músico. Fiquei atrás dele, porque sei que ele precisava daquela mão.
Ele tem uma coisa. E eu duas. Então eu posso partilhar com ele aquilo que tenho, todos nós saímos a ganhar. Portanto, a diferença que está aqui, é que um músico é um suporte de um cantor. O músico é uma forma do próprio cantor sentir que há uma protecção de excelência que vai dar-lhe um apoio, que vai acompanha-lo bem. O músico faz o cantor sentir que está determinado em que a música saia bem.
OD: Há informações que indicam que o seu novo álbum foi bloqueado pelo seu produtor, porque tem que pagar uma soma avaliada em 60 mil Euros. Quer fazer um comentário sobre isso?
MC: Houve várias promessas, mas temos que admitir uma coisa. Por mais que a gente não queira, mas havendo um grupo de seguidores que te queiram apoiar e de repente mudam de ideias, ficas pendurado. Mas as coisas estão a ser ultrapassadas, porque existem outras pessoas interessadas. Vai ver o que acontecerá, o disco está parado ainda. Estamos numa fase de negociações e espero dar brevemente o melhor aos meus fãs, por que o disco foi gravado com carinho e paramos porque houve várias promessas que não se concretizaram.
Mas não podemos desistir, porque a luta é assim. É seguir sempre em frente com as qualidades humanas. A música está depositada e vem aí de certeza absoluta. Claro que existem coisas que, às vezes, nos deixam tristes, mas não podemos ficar tristes, porque quando uma pessoa diz que nos vai apoiar e de repente diz que só o pode fazer assim, que fazer… Acho que temos que ter a flexibilidade de dar volta a situação. Isto está a acontecer e tenho pessoas que estão no terreno a trabalhar nesse sentido. O montante real que está em causa e por pagar à produção do disco é de 30 a 35 mil Euros.
OD: Tem algum projecto na forja?
MC: O meu sonho é ver a Guiné-Bissau criar Um Festival internacional “José Carlos Schwartz”. Tive a oportunidade de conhecer este homem e acho que ele merece esta homenagem da parte de todos os guineenses. Também tenho um projeto de fazer um disco com músicas exclusivamente infantis, uma coisa que ninguém pensa aqui na Guiné-Bissau. Estes são os meus sonhos. Se calhar não devia revelar isso para que ninguém me retirasse a ideia, mas isto é um sonho.
Um outro sonho que tenho, é de trazer músicos estrangeiros para a Guiné-Bissau, como o Youssou Ndour, Salif Keita, Paulo Flores, ou seja, trazer artistas de renome internacional para que o povo da Guiné-Bissau comece a habituar-se a ver os grandes homens da música, sem ilusões. Também criar um matrimónio entre os músicos da Guiné e os músicos internacionais, como por exemplo aqueles que participaram no festival “Sagres”, sentarem a mesma mesa com outros artistas e aprender com eles.
Espero que o meu projecto com Justino Delgado “JUMA” venha a ter apoio, tanto para gravarmos um disco, assim como para trazê-lo para a Guiné-Bissau. Já fizemos o lançamento em Portugal. O projecto não se resume apenas ao Justino e Manecas. Há mais gente envolvida. Queremos trazer toda a gente do projeto aqui para tocarem em Bissau. Mostrar aos nossos fãs e ao povo da Guiné-Bissau que é possível juntar dois grandes artistas de renome internacional, dois artistas sonantes deste país num palco, numa noite, numa tarde ou num dia espectacular para pararmos mesmo o país. Isso é bom. Para isso aconteça é necessário um trabalho de casa. Apoios empresariais, das instituições bancárias etc.