O setor de Pitche, região de Gabú no Leste da Guiné-Bissau, está fortemente ameaçada pela língua francesa, visto que faz fronteiras com os dois países da expressão francesa que exercem uma enorme influência linguística naquele setor e que igualmente é considerado o terceiro maior sector da província leste do país. Pitche situa-se a 11 (onze) quilómetros da República vizinha da Guiné-Conacri e, de outro lado dista a 30 (trinta) quilómetros do Senegal.
Prova disso é a predominância da língua oficial dos dois países na sociedade pitchense. Desde a independência a esta parte, ou seja, há 43 (quarenta e trés) anos que este setor não tem o 9º ano de escolaridade nas suas escolas, obrigando os jovens a saírem para ir estudar na cidade de Gabú, sede regional. Alguns até preferem Bafatá ou a capital Bissau para prosseguir os estudos.
Pitche dispõe de uma escola do Ensino Básico Unificado (EBU) que tem até o 7º ano de escolaridade, sendo um setor com uma população estimada em 45.594 (quarenta cinco mil quinhentos noventa e quatro) habitantes segundo o censo de 2009, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). A fraca intervenção do Estado guineense no setor do ensino tornou fértil o espaço para a expansão do francês, dada a situação geográfica do sector bem como a própria influência da imigração dos comerciantes daqueles países.
“É necessário e urgente que Pitche tenha um liceu completo para as pessoas estudarem com vista a facilitar a população do terceiro maior setor da província leste do país, a seguir de Gabú e Bafatá, respetivamente”, nota o Administrador de Pitche, Iaia Cassamá, que completa seus dois anos de administração nesta localidade.
Para Cassamá, o índice do desenvolvimento humano do setor que dirige está muito baixo. Na sua visão, a deslocação de um jovem para estudar numa outra localidade tem os impactos negativos para o setor, tendo em conta que se um adolescente for estudar para Gabú pode entrar nos vícios que não tinha em Pitche, onde vive junto dos pais e familiares.
A administração local já interpelou o ministro da educação neste sentido, apresentando-lhe os problemas, assim como as condições infraestruturais e recursos humanos existentes no setor.
Para preservar a identidade linguística guineense, o administrador de Pitche decidiu criar parcerias, uma delas com a organização não-governamental portuguesa – Viver Sem Fronteiras que ajudou a equipar uma biblioteca que funciona nas instalações do Comité do Estado (sede do setor). Os estudantes podem desfrutar de livros com diferentes conteúdos académicos.
Viver sem Fronteiras oferece também ao setor de Pitche materiais hospitalares e roupas usadas para as crianças vulneráveis do setor.
“A biblioteca vem na sequência de oferecer as pessoas as condições para aprenderem a falar e a escrever a língua portuguesa, tendo em conta que o francês do mercado ou de negócio está a ganhar terreno a cada dia que passa. Se não tomarmos cuidado, daqui a trinta anos vai falar a língua portuguesa e ninguém saberá responder”, explica.
PITCHE – UM SETOR VULNERÁVEL ÀS EPIDEMIAS
No que refere a situação sanitária, Cassamá considera o setor de Pitche como sendo a vítima número um (01) no caso das doenças contagiosas dos países vizinhos, dando o exemplo da epidemia de Ébola que assolou a Guiné-Conacri. Para isso, exorta às autoridades nacionais a prestarem mais atenção ao setor de Pitche pelas suas particularidades.
Depois de quarenta e trés (43) anos da independência nacional, o setor de Pitche com uma população de 45.594 habitantes, não dispõe de um hospital. Tem apenas um pequeno centro de saúde com 3 (três) camas, sem capacidade de internamento de doentes.
Os populares de Pitche almejam ver construído o mais rápido possível um hospital no setor, que segundo eles, ultrapassou há muito tempo a categoria de centro de saúde pelo seu número de habitantes. Também as demandas são enormes no centro de saúde local, como testemunhou a nossa equipa de reportagem.
Pitche dista a trinta quilómetros de Gabú que muitas vezes serve de alternativa para muitos doentes que procuram o centro de saúde local. A ligação entre as duas localidades não é nada fácil, dada à má condição da estrada. Segundo informações recolhidas no local, o percurso até Gabú pode durar até cinco a seis horas.
Relativamente à seção de Buruntuma a 67 quilómetros da cidade de Gabú, a situação é ainda bem pior, sobretudo no concernente às vias rodoviárias que ligam a referida secção à cidade de Gabú, onde fica o hospital regional. A seção de Canquelefa fica a 60 quilómetros de Gabú, tudo isso de acordo com o administrado do sector de Pitche, espelha a necessidade de terem um hospital de maior capacidade naquele sector e construído de raiz, porque “de Pitche para Buruntuma são 37 quilómetros e para Canquelefa outros 30 quilómetros. Ambas as estradas estão em péssimas condições para um trânsito adequado”.
Sem acesso aos serviços básicos como é o caso das estradas, os produtos das populações desta zona continuarão bloqueados e consequentemente ficarão danificados nas mãos dos produtores. O sinal de asfaltagem que as pessoas podem constatar, quando se deslocam à cidade de Pitche, remonta há muitos anos a esta parte e até então não foi objeto da prioridade dos sucessivos governos da Guiné-Bissau.
INFRAESTRUTURAS COLONIAIS EM RUINA EM PITCHE
Tal como acontece em quase todas as cidades do país, o setor de Pitche não foge a regra do jogo fabricado pelos governantes nacionais. Existem muitas infraestruturas deixadas pelas autoridades coloniais portugueses, mas que não mereceram uma especial atenção da parte do Estado e agora estão numa total ruina e abandono.
Os edifícios em causa podiam servir de departamentos e serviços estatais colocados em Pitche, se forem objetos de uma política de reabilitação. O aquartelamento militar de Pitche está num abandono total, fato que levou os poucos soldados que ali estão a procurarem um cantinho ao lado do mesmo sítio para instalarem os seus serviços em condições desumanas, como constatou a equipa de reportagem do jornal O Democrata.
As antigas instalações da administração colonial também estão em ruinas, obrigando a corporação policial a mudar-se e a arrendar uma casa onde funciona atualmente.
PITCHE – UM CANAL DE ENTRADA ILEGAL DE ESTRANGEIROS NO PAÍS
Pitche é setor situado entre duas fronteiras, com a Guiné-Conacri e com o Senegal. Existem vias legais para entrar no país, mas contam-se inúmeras vias ilegais que os cidadãos estrangeiros usam para penetrar no país de uma forma desorganizada. Este fato foi confirmado pelo próprio administrador, quando questionado pelos repórteres sobre o nível de segurança do setor.
Neste sentido, o administrador local disse ter pensado que Pitche tinha que ser um dos setores prioritários para a instalação dos candeeiros solares plantados em diferentes vilas da Guiné-Bissau. Na opinião de Cassamá, a electrificação e iluminação podia elevar um pouco o nível de segurança nesta zona.
O administrador revelou que já solicitaram os candeeiros solares, mas até a altura da realização desta reportagem o setor não tinha beneficiado do referido projeto da União Económica e Monetária Oeste Africana (UEMOA).
“Queríamos que implantassem as iluminações solares nas linhas fronteiriças com vista a ajudar um pouco no controlo de pessoas que entram e saem do país, mas não foi o caso até hoje”, conta Iaia Cassamá.
Pitche conta com um número reduzido de efetivos das forças da defesa e segurança para fazer face à onda de entradas de estrangeiros nas nossas fronteiras no leste do país, sobretudo neste período da comercialização da castanha de cajú.
“Se 100 pessoas entram pela via legal, faz de conta que mais de mil entraram pela via ilegal. Aqui há vários caminhos espalhados por estas matas. Até há caminhos que dão acesso direto à cidade de Gabú”, lamenta Cassamá.
O exemplo das vias de acesso ao território guineense é a localidade fronteiriça de Porto Quatche, onde existe um pequeno braço de rio, que separa a Guiné-Bissau da Guiné-Conacri, mas é uma zona vulnerável, porque o posto de controlo da Guarda Nacional não tem uma vista para o porto onde as pessoas atravessam. O fato foi constatado pela equipa de reportagem que assistiu à chegada de um grupo de pessoas vindo da Guiné-Conacri numa canoa à remos, com uma bicicleta e uma motorizada. O grupo em causa dirigiu-se ao posto de segurança para as devidas formalidades.
Mas existem muitas possibilidades para entradas ilegais na zona de Porto Quatche, devido a sua extensão. Isso foi reiterado por Iaia Cassamá, que confessou aos repórteres que os vizinhos da Guiné-Conacri conhecem melhor as matas de Pitche do que eles, acrescentando que até de madrugada entram no território guineense com suas motorizadas.
Para minimizar a entrada ilegal no país, o jovem administrador aponta a colaboração da população como a melhor estratégia para combater esse mal, sustentando que só com as denúncias das pessoas é que as forças da defesa e segurança terão melhores condições de interceptar os imigrantes clandestinos.
Além da colaboração da população que pediu para ajudar o Estado a controlar o território, assegurou que o próprio Estado deve assumir a sua responsabilidade no controlo do território nacional, aumentando os dispositivos de segurança na zona, homens e equipamentos, para poderem fazer o seu trabalho em prol do bem-estar do país.
A esquadra da POP de Pitche não dispõe de nenhuma viatura para a execução das suas tarefas, fato que o administrador local considera de preocupante numa área vulnerável, exortando uma intervenção do governo com vista a minimizar as dificuldades das forças da defesa e segurança do setor.
“Tudo de mal que poderá chegar a Bissau, passará pelas fronteiras, se as fronteiras não consolidarem o nível de segurança. O setor de Pitche poderá ser o ponto de passagem de coisas que todos nós não desejamos”, alerta Cassamá.
MAIORIA DE POPULAÇÃO DE SECTOR EXERCE ACTIVIDADES AGRÍCOLAS
Setenta e cinco (75) por cento da população de Pitche são camponeses, fato que reflete na grande produção do setor no domínio agrícola, mas como o país é característico, ou seja, na maioria dos casos só produzem na época da chuva e nos últimos anos tem chovido pouco.
Sobre a redução da chuva, o responsável da administração local disse que as primeiras vítimas são os setores mais próximos das zonas secas, como acontece com Pitche. “Se andares nas matas de Pitche, percebes logo da ameaça eminente da seca que se aproxima a cada dia. Os locais onde havia água, atualmente não têm nada”.
Em 2015, o setor de Pitche foi vítima de uma inundação, devido a chuva intensa, e afetou gravemente as culturas. Segundo o administrador, a colheita do ano passado [2016] não foi das melhores, por culpa da insuficiência de água, deixando a população setorial cada vez mais vulnerável à fome.
Para Cassamá, a dinâmica da natureza tem como culpados os maus comportamentos dos homens face a natureza, causando a falta de chuva. Por vezes chove demasiadamente, tudo isso complica a vida aos camponeses que precisam de água de uma forma equilibrada para obterem uma boa produção e consequentemente boa colheita.
HOMENS E ANIMAIS DEPARAM-SE COM DIFICULDADES DE ÁGUA EM PITCHE
Considerado como sendo um setor de produção de gado bovino, se não o número um (01) a nível nacional, Pitche depara-se com a falta de água para o consumo humano, assim como para os animais, sobretudo os bovinos.
“Acho que de todos os setores, Pitche é aquele que precisa de muita água, porque é o número um (01) na produção animal no país e com muita população. Tanto os animais como as pessoas precisam deste líquido precioso para sobreviver. A situação de água continua a dar uma dor de cabeça aos criadores de bovinos desta localidade”, conta.
No setor de Pitche, os criadores podem possuir mil a dois mil cabeças de gado bovino cada, além de carneiros e cabras que possuem em muitos casos também acima de mil a dois mil cabeças, tudo isso implica a necessidade de haver muita água na zona.
A dificuldade de água em Pitche nota-se na sede setorial onde as pessoas recorrem aos poços tradicionais para obterem este líquido precioso.
É normal encontrar, nas matas de Pitche, alguns animais deitados desidratados e sem forças para se movimentar devido a falta de água, alguns até morrem nestas circunstâncias, revelou o administrador.
Não obstante alguns furos de água potável existentes no setor construidos graças aos parceiros do desenvolvimento do país, como é o caso da UEMOA e outros furos construídos pelo governo, Pitche precisa ainda de muitos furos de água potável, assim como de bebedouros para os animais.
Nos furos abertos no setor, pode se ver 200 (duzentas) pessoas a espera da sua vez para apanhar água numa única torneira, em vez de ser 40 (quarenta) pessoas por torneira. Iaia Cassamá considera que há ainda muito por fazer no setor de água em Pitche. “Água constitui uma dor de cabeça em todas tabancas do setor de Pitche”.
AFINIDADE CULTURAL OBSTACULIZA A SEGURANÇA EM PITCHE
Ainda no capítulo de segurança, o setor de Pitche tem menos de 60 (sessenta) agentes das forças da defesa e segurança, mesmo contando com todas as estruturas: serviços de migração e fronteiras, Guarda Nacional e militares.
A população de Pitche não denuncia atos que infringem as leis do país, como é o caso de entradas ilegais nas fronteiras nacionais e as forças da defesa e segurança, sem meios para fazer patrulha nos caminhos de entrada clandestina dos cidadãos estrangeiros, sobretudo os da Guiné-Conacri, nada podem fazer.
Por outro lado, a afinidade cultural que a população local tem com os cidadãos da Guiné-Conacri, porque falam a mesma língua o fula, eleva ainda mais a cumplicidade entre os cidadãos de ambos os países e torna difícil aos agentes da segurança descobrirem quem é cidadão guineense (Guiné-Bissau) e quem não é.
Quando fala um fula da Guiné-Conacri, se não estivermos atentos a sua forma de falar, torna-se difícil a identificação da sua origem pelo sotaque. Mesmo assim, Cassamá acredita que se a população colaborasse, o controlo pelas forças de segurança tornar-se-ia fácil.
Pitche tem uma economia diversificada. A agricultura aparece em primeiro lugar, seguida da produção animal. O comércio surge na terceira posição. Quase todas as famílias pitchenses tem seus espaços para a prática da agricultura que é a fonte de rendimento e de sustento familiar.
Por: Alcene Sidibé/Sene Camará
Fotos: SC
Março de 2017