EXCLUSIVO DC: DSP - Análise das causas da situação política prevalecente e os caminhos para a saída da actual crise

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Introdução

O presente memorando é elaborado com o intuito de elucidar os parceiros internacionais, particularmente a missão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sobre as causas da situação política prevalecente na Guiné-Bissau, na perspectiva do PAIGC, partido histórico e libertador, e a visão deste para a sua resolução completa e definitiva. Há entretanto de reconhecer que os vários ciclos de crise e conflitos internos já vêm de há muito, precedem à própria independência do país, pelo que a compreensão da actual carece de algum conhecimento histórico e a contextualização do momento político que se vive.

Pequena Resenha Histórica / Contextualização

A Guiné-Bissau é um pequeno país, hoje com cerca de 2 milhões de habitantes, que conquistou a sua independência através de uma guerra de libertação que durou onze anos (1963 a 1974), conduzido pelo PAIGC sob a liderança do carismático líder Amílcar Cabral. Este intelectual e visionário africano, filho de pais cabo-verdianos mas nascido na Guiné, foi capaz de conceber e estruturar em simultâneo, através do PAIGC, as independências da Guiné e de Cabo Verde, para além de ter passagens por Angola e ligações ao MPLA, uma visão pan-africanista e o conceito global de alianças e afirmação internacional.

Cabral foi um homem à frente da sua época, com ideias muito claras sobre como atingir os objectivos fixados. Mas, apesar de muito admirado pelos companheiros da luta, há registos que alegam ter tido de enfrentar muitas incompreensões, nomeadamente de cabo-verdianos que o consideravam mais empenhado no processo de luta na Guiné e pelos guineenses que entendiam que dava primazia aos seus “conterrâneos” cabo-verdianos. Esta situação levaria a que o seu assassinato a 20 de Janeiro de 1963 (meses antes da proclamação da independência), fosse formal e politicamente responsabilizado ao Regime Colonial Português que ele combatia, mas materialmente atribuído aos camaradas do próprio PAIGC. Começava aqui a longa história de indisciplinas internas feitas de traições, intrigas, desconfianças, golpes e complôs.

Para citar somente alguns casos:

Nino Vieira, o lendário Comandante, quem proclamou a independência do país e que liderou o primeiro golpe de estado a 14 de Novembro de 1980, foi assassinado em 2009 de forma bárbara e atroz;

Desde então, contam-se às dezenas, os momentos de tensão, ruptura política ou conflito interno que levaram a execuções, assassinatos e a uma quase guerra civil em 1998.

Ultrapassado esse período e após o curto mandato, turbulento e desestruturado do Presidente Koumba Yalá (também terminado num golpe de estado), os guineenses se diziam prontos a virar a página e começar uma nova história, feita de paz e tranquilidade, até porque, argumentam, os velhos da luta já estavam deixando espaço aos mais novos. 

Contudo, outros fenómenos, novos e até aqui estranhos à realidade guineense marcavam a sua aparição no cenário social e político na Guiné-Bissau, obviamente com novos actores e com outros mecanismos de estruturação: o crime organizado, a lavagem de capital, o tráfico de influências e o narcotráfico. Começa o processo de renovação das intrigas internas, o compl e a montagem sistemática de golpes para controlar o partido e através do partido aceder a posições de influência que permitam proteger o negócio obscuro e o crime organizado.
O
actual Presidente do Partido, no seu manifesto político em preparação do VIII Congresso do partido apresentara uma importante tese, baseada nos ensinamentos de Amílcar Cabral (a Ideologia da Unidade e Luta) sobre a importância de esclarecer e “limpar” o jogo político para daí emergir os fundamentos de uma verdadeira administração.

VIII Congresso do PAIGC

O VIII Congresso, realizado em Cacheu, acontecera num ambiente já de elevada tensão, após um golpe de estado que afastara tanto o Presidente do partido (então Primeiro Ministro e Candidato a Presidente da República) como dois dos Vice-Presidentes, um dos quais, exercendo então as funções de Presidente da República de transição. O Congresso de Cacheu, como passou a ser designado, colocou frente a frente, um projecto de salvação do partido e resgate da sua linha ideológica, revistando os seus fundamentos e princípios, e uma intenção desesperada de controlo da direcção do partido para daí se voltar a assaltar o Estado e manter o status quo.

Apresentaram-se inicialmente oito candidatos à liderança do partido mas, com o debate das propostas e a discussão das estratégias, já no decorrer do Congresso, ficaram reduzidas a 3, com 5 ex-candidatos, incluindo o actual Presidente da República a renunciarem a sua apresentação para se alinharem com a candidatura que seria então eleita, a do DSP, actual Presidente do Partido. 

Regressado a Bissau, após o conclave de Cacheu que durou doze dias, o PAIGC transpirava frescura e irradiava a esperança de todo um povo. Tinha todavia uma forte oposição das então autoridades da transição, com o próprio Presidente da Transição à cabeça dessa oposição (oriundo do PAIGC, dissidente por ter apoiado o golpe de estado contra o seu próprio partido e também apoiado a ala que perdera o Congresso) e o governo, maioritariamente formado por membros do maior partido da oposição, o PRS de Koumba Yalá, mesmo que já sob nova liderança.

Foi assim que todos os prazos foram reduzidos para a apresentação das candidaturas à Presidência da República e às eleições legislativas, obrigando o partido (cuja sede se situa na maior praça da capital e no ponto de concentração de todas as manifestações) a trabalhar durante o carnaval, muitas vezes madrugada adentro para conseguir cumprir os requisitos legais e políticos a tempo de participar dos pleitos eleitorais. 

Apesar de toda esta contrariedade e todos os obstáculos que se colocaram à sua frente, o PAIGC ganhou as eleições legislativas com maioria absoluta (57 dos 102 lugares da sua Assembleia Nacional Popular) e elegeu o seu candidato a Presidente da República. O povo tinha finalmente renovado a sua confiança histórica no PAIGC e parecia finalmente reunirem-se as condições objectivas para o de facto prometido virar de páginas e uma nova fase na vida do país e do seu povo.

O Presidente

O Presidente eleito tinha tido o apoio do PAIGC e presumivelmente pertencia aos quadros do partido, tendo feito campanha com o slogan de “garantir a estabilidade governativa e assegurar o mandato do governo”, algo nunca antes registado. Ora, logo após a proclamação dos resultados que o confirmavam como Presidente da República, começaram a surgir sinais perturbadores: numa reunião organizada no partido para agradecer às demais formações políticas que o apoiaram na segunda volta, o PR fez a primeira demonstração de força, literalmente, ao bater com o punho na mesa e prometer que iria requisitar todos os dossiers de exploração dos recursos naturais, para o seu controlo.

Esse gesto, prontamente minimizado pela Direcção do partido estabeleceu um novo marco no posicionamento do PR eleito; mais de uma dúzia de viagens ao estrangeiro antes da tomada de posse, o que implicava a incapacidade para empossar o governo. Viagens nas quais se faz acompanhar por elementos do partido não designados pela direcção e durante as quais começa a discutir e a assumir compromissos ligados à governação; no discurso de investidura, afirma não ser responsável pela formação desse governo por não ter participado na escolha dos seus membros; críticas ao governo logo no primeiro trimestre do exercício.

Num momento em que toda a população expressava confiança e reconhecimento sobretudo pelos salários a serem pagos a tempo e com recuperação dos atrasados, pela energia eléctrica pela primeira vez assegurada em permanência, pelas aulas que iriam chegar ao fim, pelas medidas para salvar o ano agrícola, pela prevenção da Cólera e logo de seguida do Ébola e, sobretudo pela aprovação unânime do Programa do Governo e do Orçamento Geral do Estado na Assembleia Nacional Popular, o Presidente afirma ser pouco ou quase nada e diz que “a unanimidade mata a democracia”.

Estes elementos fizeram o partido despertar para a realidade de que “este Presidente da República não é do partido e nunca foi. Serviu-se simplesmente do partido para atingir os seus objectivos pessoais e os do seu grupo”. Mas, como é que um homem que não é do partido chega ao ponto de ser escolhido como candidato do partido ao mais alto cargo da magistratura? Como pôde ter escapado a todos os controlos, a todos os filtros do partido? Questiona-se de dentro e de fora.

Muitos elementos concorrem para a explicação dessa situação, o maior dos quais a fragilidade que o PAIGC vivia após o golpe de Estado de 12 de Abril de 2012. Recorde-se que uma das culpas apontadas a Carlos Gomes Júnior era a de ter-se imposto como candidato presidencial sem dar hipóteses aos demais. Essa situação, levou então às dissidências e ao surgimento de 2 candidatos independentes oriundos do PAIGC. Para evitar essa situação e dado o exíguo do tempo que havia para se tomar tal decisão, o procedimento mais fácil e que assegurava alguma transparência era colocar urnas e deixar que o Comité Central escolhesse.

Mas nesse processo de escolha, outro factor foi determinante, a rejeição da candidatura do próprio Carlos Gomes Júnior que se apresentou a partir do seu exilo em Portugal. O Comité Central estimou que não haveria condições de assegurar o seu regresso em segurança e participação nas eleições, situação que foi prontamente aproveitada pelo José Mário Vaz para instrumentalizar o Carlos Gomes Júnior contra a nova liderança do partido e pedir o seu apoio.

Mas que razões pode ter o presidente para se opor desta forma ao partido ao qual formalmente pertence?

Importa recordar que, para justificar a sua decisão de demissão do governo a 12 de Agosto passado, o Presidente da República enumerou entre outros os seguintes elementos: incapacidade de cooperar com o Presidente do partido; a Corrupção e o Nepotismo. Ora o Presidente do Partido evocou a necessidade de provar a sua inocência e preservar o seu bom nome, pelo que, perante tamanha gravidade das acusações solicitou ao partido que indicasse um substituto para as funções governativas mas que instruísse através da sua bancada parlamentar a abertura de um inquérito e a realização de auditorias aos fundos e contas públicas. Estes requisitos foram logo observados e hoje já existe um relatório da Comissão de Inquérito e em curso o processo de auditoria às contas públicas. Desses instrumentos já são conhecidos muitas evidências que dão conta do envolvimento do Presidente da República em vários actos de desvio de fundos públicos e participação criminosa de vária natureza sendo que as acusações eram uma forma de encobrimento, pois quando questionado pela Comissão sobre as acusações proferidas, respondeu por escrito que não se lembrava de as ter feito e posteriormente que não reconhecia a competência da Comissão para esse propósito.

Hoje se sabe que o Presidente beneficiou da deriva que o partido enfrentava, para comprar a sua chegada ao Congresso e, apesar de formalmente assinar a aliança que apoiou a actual direcção, na verdade o seu aliado era o opositor com quem tem vínculos e compromissos muito profundos, ao ponto de hoje estar e se assumir como refém desse grupo. 

O Presidente da República vem agora repetir o mesmo quadro já anteriormente protagonizado pelos mesmos actores (hoje designados por “os 15” - correspondendo aos 15 deputados do partido que votaram contra o programa do mesmo) durante o mandato de Malam Bacai Sanhá (Presidente da República), em oposição à governação de Carlos Gomes Júnior (Primeiro-ministro). Trata-se com efeito de pessoas que escolheram o golpe e a intriga política, através de argumentos de cariz religiosa, regional e étnica, para se manterem sempre à tona e tirar dessa situação o melhor proveito. Pessoas que não se identificam nem com os princípios do partido nem com os objectivos supremos da nação mas que por tanto o repetir, assumem que os seus interesses devem ser colocados por cima dos interesses colectivos e os da nação.

Guiné-Bissau: da independência pelo partido único à abertura democrática 

O Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, fundado em Setembro de 1956 por Amílcar Cabral e outros 5 seus companheiros, desenvolveu uma luta exemplar, tanto na mobilização popular e pela bravura da guerra de libertação, como no capítulo diplomático como ainda e sobretudo pela ideologia política que estabeleceu como fundamento da sua acção. Meses antes da proclamação unilateral da independência da Guiné-Bissau, Amílcar Cabral falou nas Nações Unidas apresentando o quadro da luta como sendo a de um país com parte do seu território ocupado por potencias estrangeiras, o que levaria a uma missão do Conselho de Segurança a visitar o território libertado e constatado a capacidade organizativa que o PAIGC havia podido desenvolver. O evento da independência, proclamado nas matas do Boé mesmo já acontecendo sem a presença do líder, prometia o surgimento de uma nação próspera e desenvolvida e os primeiros anos da independência, sobretudo após o 25 de Abril e o reconhecimento de Portugal, foram anos intensos de cooperação internacional e importantes programas de desenvolvimento.

A nova administração, convencida da firmeza do projecto ideológico até aqui estabelecido estava completamente focalizada na industrialização do país (esse era o conceito e definição de desenvolvimento) levando ao surgimento de importantes projectos como o Complexo Industrial de Cumeré, a fábrica de montagem de Citroen (Nghaye), Várias fábricas de transformação de produtos agrícolas, uma companhia de transportes aéreos que cobria também as ilhas de Cabo Verde, uma empresa de navegação marítima, etc, etc… Esta visão do desenvolvimento certamente negligenciou a componente humana e ignorou as profundas rupturas e disfunções sociais ainda prevalecentes e que os anos da guerra de libertação só agravaram. Foi assim que a 14 de Novembro, o país foi surpreendido com um movimento das forças armadas baptizado como “Movimento Reajustador” e que introduzia no mapa político nacional a figura do golpe de estado. Camaradas de trincheira viram-se de repente confrontados com a necessidade de escolher entre a coerência aos princípios da unidade Guiné - Cabo verde e a adesão à nova filosofia definida como a defesa dos direitos nacionais dos guineenses, capitaneada pelo mais lendário dos nacionais da luta. Esta contradição e a dificuldade da escolha que se impunha alimentou durante muito tempo esse projecto e camuflou a profundidade da ruptura social que estava acontecendo no país. A necessidade de defender as conquistas revolucionárias justificava mais prisões, mais assassinatos, mais divisões, tanto no seio do Estado, como sobretudo, dentro do próprio partido.

Em 1989, resultado da já intensa pressão das Instituições de Bretton Woods, no processo de implementação das reformas económicas estruturais, sentiu-se a necessidade de se acompanhar de reformas políticas, o que levaria à queda do artigo 4º da Constituição e a abertura ao surgimento de outras forças políticas. Se noutras realidades esta abertura significou sobretudo vencer a resistência dos defensores do partido único desejosos de conservar o controlo absoluto do poder, aqui ainda se acrescia à necessidade de combinar a “despolitização das forças armadas” e a “desmilitarização do PAIGC”. Ou seja, após 33 anos de existência, o partido tinha de afastar quem quisesse continuar a carreira militar, ao mesmo tempo que as Forças Armadas, 26 anos depois, não deviam admitir actividades político partidárias. Hoje, quando ouvimos a discussão em realidades que nos são muito familiares sobre a necessidade de abolição das células do partido nos locais de trabalho, damos conta da celeridade com que esses assuntos foram tratados no nosso contexto, certamente com implicações ainda por discernir completamente. Foi a altura em que surgiu o fenómeno “Koumba Yalá” e o PRS (Partido da Renovação Social) que, se apercebendo da contradição que o PAIGC tinha de enfrentar, e o impacto que essas medidas teriam na etnia balanta (estimado em cerca de 80% dos efectivos militares) vai se posicionar para receber todos os militares recém afastados da vida política, assim como os políticos que ainda queriam ter alguma cobertura militar. Mais um factor de ruptura social estava criado a acrescer aos demais.

Em 1998 irrompe um conflito armado que acaba opondo os exércitos do Senegal e da Guiné-Conacry, solicitados por Nino Vieira, ao essencial do exército guineense, no rescaldo do qual (1999) este é derrotado e escolhe partir para Portugal em exílio. Koumba Yalá sobe ao poder mas no fim de 3 anos de exercício é deposto por um golpe de estado considerado sui-generis porque alegadamente perpetrado por seus apoiantes que assim se antecipam ao verdadeiro golpe em preparação pela insustentabilidade do regime que estabelecera. E desde então, tem sido isso, golpes e contragolpes até 2012 altura em que se depôs o Presidente de Transição Raimundo Pereira e o seu Primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, ambos ainda em exílio em Portugal.

PAIGC

A história do PAIGC se confunde em muitos aspectos com a da Guiné-Bissau devido às mais que muitas intersecções e coincidências nos autores e nas épocas. De partido libertador a promotor da abertura democrática, líder da oposição e de volta ao poder, o PAIGC passou por muitas transformações mas mantém-se em grande medida o indicador principal da situação política e social no país.

É reconhecido pela qualidade da luta que desenvolveu para a independência, mantendo uma larga vantagem na preferência dos guineenses mas, como todo o movimento libertador, também facilmente responsabilizado por tudo o de menos positivo que aconteça ao país. A configuração sociológica do PAIGC é uma perfeita miscelânea de culturas, religiões, pertenças étnicas e sobretudo agora de gerações o que explicará certamente que o processo de reforma e rejuvenescimento tenha de ser conduzido com cuidados e muita paciência.

O reverso desta medalha é o facto de atrair a adesão de muita gente com o exclusivo interesse de utilizar o partido para o acesso ao poder não se identificando verdadeiramente com os seus princípios e nem sempre disponíveis a respeitar a disciplina interna e as regras instituídas.

Qual a Crise

Em Julho de 2015, após um ano de convivência difícil entre o Governo e o Presidente da República, este anuncia a existência de uma crise profunda que impedia o normal funcionamento das instituições não vendo outra solução possível que não fosse a demissão do governo. Comunidade Internacional, Sociedade Civil, todos os partidos com assento parlamentar (num primeiro momento, antes do afastamento do PRS) afirmaram não concordar com essa avaliação do Senhor Presidente da República e alertaram para o risco do Presidente acabar de facto criando a crise que estava anunciando. Nenhuma diligência logrou demover o Senhor Presidente da República do seu propósito e a 12 de Agosto, após uma comunicação feita ao país através da qual se justificava pela existência de corrupção generalizada e pelo nepotismo, o Presidente da República decretou a queda do governo. 

Seguiram-se divergências sobre a modalidade de nomeação do novo executivo até que o Presidente decidiu por sua iniciativa escolher um militante do PAIGC e dar posse ao seu governo. Essa nomeação foi contestada pelo PAIGC e o Supremo Tribunal de Justiça que na Guiné faz a vez de Tribunal Constitucional aprova um acórdão dá por inconstitucional a decisão do Presidente da República. 

O mesmo acórdão esclarece que tendo sido o PAIGC o vencedor das eleições legislativas, só o PAIGC, em observância dos seus estatutos incumbia a formação do governo e o exercício da governação. A interpretação tácita desse pronunciamento é indiscutivelmente o facto de que retornava ao Presidente do PAIGC o direito de chefiar o governo. 

Seguiram-se contactos com representantes da CEDEAO e um mediador desta autoridade regional até uma Cimeira desta organização em Dakar, acabando por resultar num compromisso que se pode resumir nos pontos seguintes: 1) O Presidente do PAIGC aceita abdicar de se apresentar ao cargo de Primeiro-ministro, mas indica o substituto em observância dos Estatutos do PAIGC; 2) o Presidente aceita sem reservas a nova designação e a composição do executivo; 3) estabelece-se um pacto de estabilidade para assegurar a tranquilidade para o resto do mandato.

A primeira disposição foi logo cumprida mas as duas restantes ficaram comprometidas pois o Presidente não aceitou até ao presente a confirmação (nomeação) dos Ministros designados para a Administração Interna e para os Recursos Naturais, e ainda ser desnecessário pacto de estabilidade pois o assunto já estava ultrapassado. 

Todo o mundo percebeu na mesma altura que o Presidente, tendo ficado sem argumentos para manter o impasse estava a procura de novo mecanismo para bloqueio. Consegue mobilizar o PRS para o seu projecto e então associa os 15 deputados do PAIGC e provoca a rejeição do programa do governo na ANP na primeira votação a 23 de Dezembro. Todavia, o PAIGC toma as medidas necessárias para a expulsão dos militantes rebeldes e pede a sua substituição na ANP, prontamente aceite pela Comissão Permanente. Começa aqui mais uma batalha jurídica que deverá terminar de novo no Supremo Tribunal de Justiça com o esclarecimento sobre o direito aos mandatos. 

Nisto, se apercebendo da fragilidade dos seus argumentos, pois contrariamente a Portugal, aqui o Regimento da ANP foi expressamente alterada para eliminar a possibilidade de se ter deputados independentes, para além de outros dispositivos constitucionais e regimentais, o Presidente da República enceta outro caminho, desta vez falando de diálogo e compromisso propondo ignorar toda a decisão judicial, sempre reclamando a necessidade de salvaguardar o direito o interesse dos 15 que arrastou (ou ambos se arrastaram) e os do PRS que se transformou na sua grande alavanca política. E eis a situação que mantém o país parado e em risco de mais uma deriva e colapso político, porque um homem e o conjunto da sua cobiça e compromissos quer ficar com tudo contra o interesse de todos.

Qual a saída ?

A actual direcção do PAIGC tem sido muito flexível e disponível ao diálogo mas há regras e dispositivos estatutários que não pode violar, sob pena de poder provocar alguma implosão interna de consequências imprevisíveis para o partido e para todo o país. A expulsão dos 15 ex-militantes foi decidida pelo órgão jurisdicional do partido (O Conselho Nacional de Jurisdição) um órgão independente que só presta contas ao Congresso. Apesar disso, esta decisão judicial foi submetida à avaliação política do Comité Central que expressou a sua aprovação através de 288 votos a favor contra uma abstenção dentre os 289 presentes. 

Perante esta situação e a determinação em reconhecer a competência das instituições e respeitar as leis, o PAIGC só consegue ver a seguinte saída para a presente crise:

Todas as partes em contenda assumirem o respeito do veredicto saído dos Tribunais, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça quanto aos mandatos;
Respeitar a separação dos poderes e não interferir no funcionamento da Assembleia Nacional Popular, reconstituída em função do veredicto descrito no ponto anterior;

Reconhecer o direito que assiste ao PAIGC, enquanto vencedor das eleições legislativas (com maioria absoluta) a formar o governo e a criar as condições de governabilidade;

Exortar contudo aos partidos políticos a estabelecerem um acordo ou um pacto para o apaziguamento das tensões e criação de um clima de paz e estabilidade para o resto da legislatura e para se avançar com as reformas políticas necessárias, tais como a Constituição da República e a Lei Eleitoral. Nesta senda, encorajar o PAIGC a voltar ao formato inclusivo que teve o mérito e a coragem de promover no início da legislatura e que permitiu tão importantes ganhos ao país;

Criar um mecanismo de regulação das diferenças de interpretação das leis fundamentais e a criação de consensos políticos alargados, a favor da paz e da reconciliação nacional.

Eis os elementos que se afiguram relevantes para a compreensão da actual situação da Guiné-Bissau e as pistas para se encontrar uma solução consistente e funcional. Qualquer tentativa de forçar outra lógica e modalidade de solução, sobretudo branqueando a legalidade e a competência das instituições é contraproducente e irrealista pois premeia a infracção e fragiliza todo o edifício, politico democrático assim como o jurídico e constitucional.

Bissau, 26 de Fevereiro de 2016

O Presidente do PAIGC
Domingos S. Pereira


A Contra-Proposta do PAIGC à proposta do presidente da República


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CONTRA-PROPOSTA DO PAIGC

ACORDO POLÍTICO DE INCIDÊNCIA PARLAMENTAR PARA A ESTABILIDADE GOVERNATIVA

PREÂMBULO


Tomando em consideração os constantes apelos nacionais, apelos esses insistida e largamente corroborados pela Comunidade Internacional, no sentido de ser privilegiado o diálogo político e institucional como a melhor via para prevenir e resolver as constantes crises, nomeadamente a que conduziu a queda do I Governo Constitucional, e a actual no âmbito de apresentação, discussão e aprovação, pela Assembleia Nacional Popular, do Programa do II Governo Constitucional da IX Legislatura;

Manifestando a firme convicção de que qualquer iniciativa de diálogo político deve visar, fundamentalmente, o fortalecimento das Instituições da República e dos mecanismos de resolução de conflitos internos, particularmente os do Poder Judicial;

Reconhecendo o dever constitucional dos diferentes órgãos de soberania em garantir o respeito pelo cumprimento das normas de convivência democrática, e que nenhuma iniciativa de diálogo pode substituir-se à aplicação da Constituição e das Leis da República;

Tendo em conta que, não obstante os resultados eleitorais, em que são atribuídos mandatos aos Partidos Políticos, é recomendável a constituição de um Governo inclusivo, que integre elementos das formações políticas, com e sem assento na ANP, assim como figuras da sociedade civil guineense, como são os casos do I e II Governos Constitucionais do PAIGC;

Considerando os resultados obtidos durante um ano de governação do primeiro executivo de inclusão, com forte incidência parlamentar, em que se registaram sucessos consideráveis na implementação dos diferentes Programas aprovados na Assembleia Nacional Popular;

Reconhecendo a necessidade de ultrapassar a actual situação na instituição parlamentar, através da criação de condições políticas e jurídicas para a saída da crise, viabilizando assim o normal funcionamento da Assembleia Nacional Popular, em nome da paz social e dos superiores interesses da Nação;

Tendo em conta as diferentes contribuições, conselhos e propostas apresentados no quadro da auscultação às forças vivas da Nação, partidos políticos com e sem assento parlamentar, Organizações da Sociedade Civil e as reuniões com as partes envolvidas na crise instalada na Assembleia Nacional Popular;

Em boa fé, os signatários, os titulares de órgãos de soberania e os partidos políticos representados na ANP, decidem estabelecer e reciprocamente aceitar o presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa nos termos seguintes:

Artigo 1º
Objectivos

O presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa visa a promoção de um clima de estabilidade político-governativa, no quadro da configuração e composição parlamentar resultante da vontade popular expressa nas últimas eleições legislativas, até ao fim da presente legislatura.

Artigo 2º
Princípios

1 – Na prossecução dos objectivos do presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa, os signatários comprometem-se a empenhar seriamente na busca permanente de consensos em torno de questões de relevante interesse nacional, em estrito respeito pela Constituição e demais Leis da República, pelos princípios da separação e interdependência dos poderes, do diálogo, da cooperação, da transparência e da lealdade, por forma a contribuir para o normal funcionamento das Instituições da República, a paz social e o reforço do Estado de Direito Democrático, capazes de oferecer maior confiança aos nossos parceiros de desenvolvimento.

2 – O presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa não tem a natureza de coligação pós-Eleitoral, mas sim a capitalização da experiência de governação inclusiva, capaz de proporcionar estabilidade política e governativa.

Artigo 3º
Fortalecimento das Instituições

1 – Em nome dos superiores interesses da Nação, os signatários comprometem-se a respeitar e fazer respeitar o princípio da separação de poderes, bem como das decisões emanadas dos diferentes órgãos de soberania, promovendo o seu fortalecimento e permitindo o seu normal funcionamento, sem interferências políticas ou de outra índole.

2 – Os signatários apelam ao reforço dos mecanismos institucionais dos diferentes órgãos de soberania, de forma a permitir a resolução célere dos conflitos que opõem os cidadãos às Instituições da República, e encorajam os cidadãos a recorrerem sempre a via judicial para reclamar o seu direito.

3 – Os partidos políticos são considerados pilares da democracia, pelo que é fundamental a consolidação e o reforço institucional da sua organização interna, o que passa pelo respeito e aplicação das normas de funcionamento, de acordo com os respectivos Estatutos, a Lei-Quadro dos partidos políticos e a Constituição da República, sem a interferência dos titulares dos órgãos de soberania.

Artigo 4º
Configuração e Medidas do Governo

1 – Encorajar o Primeiro-Ministro a prosseguir na via da política de inclusão na sua acção governativa, a fim de permitir maior estabilidade e garantir a governabilidade do País até ao fim desta legislatura.

2 – Exortar o Governo a reforçar as políticas e medidas de boa governação, previstas no seu Programa concernentes, nomeadamente, ao combate à corrupção, tráfico de influencia, crime organizado, tráfico de droga, delapidação do erário público, devastação dos recursos naturais e à impunidade em geral.

Artigo 5º
Compromissos da Legislatura

Durante o período restante da actual legislatura, os signatários comprometem-se a desenvolver esforços no sentido de:

Remover os obstáculos políticos e institucionais que impedem a criação de consensos alargados sobre questões nacionais de interesse transversal;

Respeitar escrupulosamente os compromissos internacionais assumidos pelo Governo da Guiné-Bissau com os parceiros de desenvolvimento, nomeadamente, na Mesa Redonda realizada em Bruxelas, em conformidade com a Constituição e demais Leis da República;

Implementar as reformas da Administração Pública, moralização e racionalização do funcionamento do aparelho de Estado, com destaque para a reforma do Sector da Defesa e Segurança;

Imprimir maior dinâmica aos trabalhos da Comissão Eventual de Revisão Constitucional;

Criar as melhores condições para a realização das Eleições Autárquicas, antes do fim da presente legislatura.

Artigo 6º
Acções Judiciais em Curso

Os signatários recomendam ao poder judicial o acelerar dos processos em curso nos Tribunais, relativos à actual crise, e comprometem-se a encorajar sempre a via judicial como forma de dirimir conflitos institucionais, sem prejuízo do diálogo permanente para a busca de soluções políticas consensuais entre os diferentes actores da vida pública da Nação.


Artigo 7º
Adpoção e Depósito

1 – O presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa é submetido à discussão e adopção da Assembleia Nacional Popular, não podendo, em caso algum, pôr em causa as Instituições, a Constituição e as Leis da República.

2 – O Supremo Tribunal de Justiça é o fiel depositário do presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa.

Artigo 8º
Entrada em Vigor

O presente Acordo Político de incidência parlamentar para a Estabilidade Governativa entra em vigor imediatamente após a sua assinatura pelas partes signatárias.

Feito em Bissau, aos ___ dias do mês de Fevereiro de 2016.

Os Signatários,


Em testemunho,

Encontro da SE Cooperação, Suzi Barbosa, com a SE da Cidadania e Igualdade de Portugal, Catarina Marcelino



CARTA DO DSP - político


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"Reconhecer o direito que assiste ao PAIGC, enquanto vencedor das eleições legislativas (com maioria absoluta) a formar o governo e a criar as condições de governabilidade;

Exortar contudo aos partidos políticos a estabelecerem um acordo ou um pacto para o apaziguamento das tensões e criação de um clima de paz e estabilidade para o resto da legislatura e para se avançar com as reformas políticas necessárias, tais como a Constituição da República e a Lei Eleitoral. Nesta senda, encorajar o PAIGC a voltar ao formato inclusivo que teve o mérito e a coragem de promover no início da legislatura e que permitiu tão importantes ganhos ao país
;

Criar um mecanismo de regulação das diferenças de interpretação das leis fundamentais e a criação de consensos políticos alargados, a favor da paz e da reconciliação nacional.

Eis os elementos que se afiguram relevantes para a compreensão da actual situação da Guiné-Bissau e as pistas para se encontrar uma solução consistente e funcional. Qualquer tentativa de forçar outra lógica e modalidade de solução, sobretudo branqueando a legalidade e a competência das instituições é contraproducente e irrealista pois premeia a infracção e fragiliza todo o edifício, politico democrático assim como o jurídico e constitucional.

Bissau, 26 de Fevereiro de 2016

O Presidente do PAIGC
Domingos S. Pereira
"

EXCLUSIVO DC: ANP sobre a crise, enviada ao PR JOMAV


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REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
Assembleia Nacional Popular

Gabinete do Presidente

Preâmbulo

A estabilidade político-social é um valor cuja presença na Guiné-Bissau é urgente e indispensável, daí a necessidade de ser construída e consolidada com a intervenção e empenho de todos os guineenses, cabendo neste processo especial responsabilidade aos actores políticos, aos quais são atribuídos o mandato para representarem o povo.

A crise política vivida no país desde Agosto de 2015 conduziu a sociedade a uma quase paralisia das suas instituições e criou um clima de incerteza angustiante para os cidadãos.

A busca de solução para essa deliberada e imposta crise, fez recorrer a mecanismos vários, nomeadamente a tentativa de acordos políticos, a mediação nacional e internacional e as acções judiciais cujos resultado sem alguns casos foram frustrados, em outros bem-sucedidos e os mais recentes ainda aguardam respostas. A proposta ora submetida a Assembleia Nacional Popular decorre do processo político de mediação iniciado pela Sua Excelência Presidente da República depois de a crise ter sido alargada ao parlamento.

As mediações de crises obedecem alguns princípios e critérios objectivos básicos indispensáveis para sua credibilidade e eventual sucesso, onde se destacam a identificação das partes, a delimitação do problema a solucionar e finalmente o atendimento e acomodação na solução os interesses das partes, quando se está perante direitos privados ou interesse do colectivo quando confrontados com direito público, enquadrando-se nesta última hipótese o nosso caso.

A solução só pode contemplar matérias disponíveis deixando de fora àquelas que exorbitam deste quadro. A crise que nos assola tem a natureza privada, porquanto nasceu e desenvolveu no seio de um partido politico, o PAIGC, com reflexos nas instituições públicas o que nos obriga a procurar solução no seio desta formação antes de qualquer outro exercício. O quadro global de uma estabilidade governava, esta sim é uma preocupação nacional e cujo edifício de solução tem que ser encontrado no interior, entre e no limite dos partidos com assento parlamentar, sendo este órgão onde emana o governo e dele depende a sua longevidade e estabilidade.

Desenhado este quadro de considerandos, a Assembleia Nacional Popular quer essencialmente com este documento, reafirmar a sua posição já publicamente manifestada face a esta crise e como contribuição para possível melhoria do documento que lhe foi submetido, o Draft do Acordo Político de Incidência Parlamentar, tece os seguintes comentários:

MATÉRIAS QUE A ASSEMBLEIA NACIONAL POPULAR ENTENDE INDISPONÍVEIS PARA O PRESENTE ACORDO:

A deliberação da Comissão Permanente da ANP é tomada pelo voto maioritário dos membros que compõem o órgão e uma vez adoptada esgota o poder deste órgão de se pronunciar sobre a matéria, podendo ser alterada só em sede de recurso para um outro órgão, o que implica a observância de um conjunto de pressupostos legais;

A ANP é um órgão composto por Deputados oriundos de partidos políticos, legitimados pelo povo, os acordos que se pretendem adoptar neste órgão passam essencialmente por entendimento entre os partidos nele representado;

A ANP persegue interesse público, os actos por ele praticados visam proteger esses interesses. Quando a matéria é de natureza sancionatória tem por finalidade disciplinar o órgão e afirmar a sua credibilidade junto da sociedade. Foi com este objectivo que se recorreu ao Tribunal para clarificar a correcção ou não da sua decisão que está a ser contestada por pessoas visadas por ela. Trata-se de uma acção cuja matéria é puramente de direito e que precisa ser esclarecida a sociedade, aliás, não está em causa um interesse particular da ANP, mas sim o interesse público, o que coloca as acções interpostas no Tribunal fora de matérias de disponibilidade da ANP, sendo por isso impossível de desistir delas no Tribunal;

CONSTATAÇÕES E COMENTÁRIOS AO DRAFT DE ACORDO HARMONIZADO

No Preâmbulo:

Diz-se:

… Crise política que emergiu na ANP no âmbito do processo de apresentação, discussão e aprovação do programa do II Governo Constitucional…

É do nosso entendimento de que a crise não emergiu na ANP. A verdadeira crise foi despoletada com o derrube do governo liderado pelo Presidente do PAIGC, Eng.º Domingos Simões Pereira. A crise que se instalou no país é uma crise institucional e não parlamentar.

…Concorre para a crescente tendência de judicialização de questões políticas, agrava o risco de polinização do sistema judicial, o que constitui um perigo potencialmente fatal para o nosso sistema democrático.

- Todo o sistema democrático tem como suporte a LEI. Todos os diferendos, que políticos ou não, na falta de entendimento passam necessariamente pelos tribunais. O Tribunal é o órgão vocacionado para dirimir conflitos, caso contrário não haverá necessidade da sua existência.

Por que será que todas as candidaturas são depositadas no STJ? Por que será que os estatutos dos partidos políticos são depositados no STJ?
Por que será que as listas dos candidatos à deputados são validados pelo STJ?

… No quadro da actual configuração e composição parlamentar resultante da vontade popular expressa nas últimas eleições legislativas, apenas com base numa solução política de compromissos…

O quadro da actual configuração e composição parlamentar diz-nos que o eleitorado atribuiu uma maioria absoluta ao PAIGC, com um mandato de 57 (cinquenta e sete) Deputados, o PRS com um mandato de 41 (quarenta e um) Deputados, o PCD com um mandato de 2 (dois) Deputados, o UM com um mandado de 1 (um) Deputado e o PND com um mandato de 1 (um) Deputado.

Estamos convencidos de que nesse quadro sendo política e democraticamente respeitado, não teremos crise.

… Reconhecendo a necessidade urgente de ultrapassar a actual situação de impasse na instituição parlamentar, através da criação de condições políticas para a saída da crise…

Estamos convencidos que a crise imposta a ANP será ultrapassada em tempo útil logo que os tribunais se pronunciarem sobre o diferendo, e se todos nós aceitarmos a decisão.

Por outro lado o documento peca por não dispor de informação sobre a identidade e a qualidade dos signatários, logo do alcance que se pretende atribuir ao mesmo na sua articulação com a Constituição da República e as demais leis em vigor no nosso país.

OS ARTICULADOS

Art.º 1º (Objectivos)

Temos algumas dúvidas sobre o conceito da formulação de … no quadro da atual configuração e composição parlamentar resultante da vontade popular expressa nas últimas eleições legislativas, isto é, de existir alguma dúvida sobre esse quadro que confere ao partido vencedor uma maioria absoluta traduzida em 57 mandatos. Se assim é, estamos perante uma situação confortável, que permite uma estabilidade governava, não havendo, por isso, a necessidade de assinatura de um acordo Político de incidência parlamentar.

Art.º 3º (Retorno do Status Quo ante)

Do nosso ponto de a crise institucional foi despoletada com a queda do governo liderado pelo Eng.º Domingos Simões Pereira. Sendo pacífico este nosso entendimento, seria de concluir que o “retorno ao status Quo ante” deve retroagir àquela data. Então sim voltamos tudo a estaca zero. Ou seja a revogação da Deliberação Nº 1 de 2016 da Comissão Permanente da ANP e regresso ao Estado Quo antes não pode ser dissociada de idêntica postura do órgão de soberania Presidente da República.

Do mesmo modo, o projecto apresentado ignora por completo o facto de existirem 15 novos deputados que foram solenemente empossados e que se encontram em pleno exercício de mandato. Não existe qualquer motivo para considerar que esses deputados não integram a actual configuração e composição da ANP resultante da vontade popular expressa nas últimas eleições legislativas pelo povo, pelo que não existem motivos que justifiquem o seu afastamento do processo de diálogo político que se pretende abrir.

Art.º 4º (Configuração e medidas do Governo)

Estamos perante um convite ao senhor Primeiro-Ministro a auto derrubar-se e a formar um novo governo, o habitual governo das unidades nacionais que emergem dos golpes de estado, que raras vezes funcionam porque estão sempre em jogo vários interesses obscuros, curiosamente era esse o governo liderado pelo Eng.º Domingos Simões Pereira e que acabou por ser derrubado.

Porque agora voltar ao mesmo modelo?

Art.º 5º (Compromissos da Legislatura)

Na sequência de auto-derrube do governo haveria uma adenda ao atual programa do governo em exercício, ou reconfiguração porque as matérias elencadas constituem preocupações do atual governo e até porque algumas ações já estão em curso nada de novo.
Art.º 6º (Acções judiciais em curso e novas Acções)

Um apelo a resolução dos problemas por todos os meios menos o recurso aos tribunais. Uma autêntica subalternizarão do sistema de justiça e um convite a desordem.

É nossa opinião de que a justiça está em primeiro lugar, e depois os consensos que nunca são respeitados, logo, não tem sustentabilidade.
Art.º 8º (Adopção e Deposito)

A ANP é chamada por um lado a caucionar um nado morto e ao mesmo tempo a pôr em causa a sua dignidade, enquanto órgão supremo de soberania.

Por outro é convidada a substituir o supremo Tribunal da Justiça, na medida em que os acordos rubricados pós golpes de Estado, são, habitualmente depositados no Supremo Tribunal de Justiça e não na Assembleia, salvo melhor entendimento.

Finalmente a Comissão permanente teve dificuldade em detectar no projeto, propostas que visassem a consolidação e fortalecimento da democracia e das instituições da República, incluindo os partidos políticos.

Pelas razões expostas, somos a solicitar a Vossa Excelência, o Sr. Presidente da República, que conceda aos partidos representados na ANP os espaço e o tempo que os mesmos necessitam para apreciar as diferentes soluções que podem ser apresentadas para a actual crise, soluções a serem por estes apresentadas aos diferentes órgãos de soberania, para conhecimento e devidos efeitos.

Não sendo possível uma solução de consenso, em resultado do diálogo político assim encetados, então as partes não restará outra possibilidade senão a que vier a ser declarada pelos tribunais, órgãos de soberania com competências para dirimir conflitos.

Sr. Presidente da República, por ora, estes são os comentários que a proposta, ora apresentada, merece da ANP, na expectativa que a reflexão e debate em curso possam ser aprofundados.

Sem outro assunto, queira a Vossa Excelência, Sr. Presidente da República, aceitar os pretextos da Nossa elevada consideração.

Bissau, 29 de Fevereiro 2016.

A Comissão Permanente da ANP
Deputado António Inácio Correia
Primeiro Vice-Presidente da ANP

Encontro da SE Cooperação, Suzi Barbosa, com a SE dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal



O Ministério Público, ou melhor, um certo grupo de magistrados do Ministério Público, anda com ideias pré-concebidas em maquinar e/ou orquestrar processos com vista a perseguir certos membros do Governo, especialmente o SE Transportes João Bernardo Vieira (a ser ouvido esta manhã no MP), o ministro das Finanças Geraldo Martins (já ouvido), o ministro das Obras Públicas José António e etc...

Primeiro, tentaram acusar o JBV de um crime de desobediência e aquilo não deu em nada e o referido processo foi prontamente arquivado. Agora, foram buscar o contrato com a companhia de aviação Euro Atlantic. Primeiro, perguntam se a SETC tinha no seu orçamento a previsão para aluguer da aeronave.

A resposta foi que a SETC não é uma ilha na arquitectura do Governo, por isso mesmo não tem orçamento individual se não o aquilo que lhe cabe dentro do Orçamento de Estado.

Segundo, que o Governo não podia prever o fim da ligação da TAP com Bissau Assim, o aluguer de uma aeronave não era tido como algo previsível - pois a TAP voava normalmente não fosse o embarque forçado dos sírios num avião da TAP na altura do Governo de 'transição'... Posto isto, o Governo tomou uma decisão política como forma de desencravar o país, tanto assim que beneficiou e beneficia toda a nossa população e comunidades há mais de um ano.

Além disso, o contrato terá gerado lucros no remanescente dos encargos que ia tudo para os cofres do Estado. Portanto, hoje, com base no acordo aéreo existente entre Bissau e Lisboa, a Euro Atlantic Airways voo de forma regular por conta e riscos próprios sem nenhuns encargos para o Estado da Guine-Bissau. Neste presente processo o tal grupo alega que o SETC desviou verbas do OE o que pode ter lesado as contas do Estado.


Fonte:Ditadura do Consenso

ROMÁRIO BARÓ BRILHA NA VITÓRIA DO PORTO NO NACIONAL DE JUVENIS

FIGURA DA SEMANA




Segundo Jornal O Democrata elegeu como a figura da semana o futebolista luso-guineense, Romário Baró,  que esteve na vitória dos juvenis do Futebol Clube de Porto por dois a zero (2-0), diante do Padroense Futebol Clube,  no último domingo, 21 de fevereiro, apontando o primeiro dos dois golos dos pequenos dragões, no jogo que contava para a quarta Jornada da 2 ª Fase da Série Norte do Campeonato Português de Juvenis, noticiou DN – Desporto Nacional na última segunda-feira.
De acordo com o DN, os dragões foram visitados em casa, onde venceram o Padroense FC, por duas bolas sem resposta, num jogo morno e sem grandes motivos de destaque. Valeram os golos de Romário Baró, no recomeço, e o de Afonso Sousa, perto do fim. Além do Baró,  esteve em ação no FC Porto outro guineense de nome Mamadu Lamba.
BIOGRAFIA
Romário Manuel Silva Baró nasceu no dia 25 de Janeiro de 2000, na Guiné-Bissau, e conta atualmente com dupla nacionalidade [Guineense e Portuguesa]. O médio defensivo do Futebol Clube do Porto de 16 anos de idade,  já foi internacional nas camadas de formação da seleção portuguesa, entre os Sub 15, Sub 16 e Sub 17. Esta época (2015/2016) já alinhou 80 minutos pelos juniores B do Porto.
Na temporada 2011/2012, jogou no Atlético Povoense. Na época seguinte mudou-se para o Sporting Clube de Portugal, onde permaneceu por duas épocas [2012/2013 e 2013/2014]. Romário Baró está na sua segunda temporada ao serviço dos dragões, onde chegou em 2014/2015 e na presente época está a ser uma das figuras importantes dos comandados de Bino, treinador do juvenil do FC Porto.

DULCE NEVES EXIGE RECONHECIMENTO DO ESTADO COMO “COMBATENTE” DA PROMOÇÃO DA CULTURA


Dulce Neves_musico guineense


A Embaixadora da música moderna da Guiné-Bissau, Dulce Neves, exige que o Estado guineense a reconheça como “combatente” da promoção da cultura nacional no mundo. A cantora tornou público o seu desejo durante uma entrevista à rubrica “Grande Entrevista” do semanário “O Democrata”, na qual disse ainda que merece ser tratada como Cabo Verde tratava Cesária Évora.
Lembrou ainda que na época em que começou a cantar tal não era fácil, sobretudo para uma mulher, devido ao preconceito que pairava nas cabeças das pessoas.
“Não era fácil ver uma mulher cantar na sociedade guineense naquela altura, ela era logo apelidada de todos os tipos de nomes (menos dignos). Na época éramos muitas meninas na música, tínhamos Assinatu Bari, Celeste Pires, Diana, Cadi Indjai e Mena (esposa do Atchutchi), mas infelizmente, apenas eu consegui aguentar a corrida até aqui. E as outras ficaram pelo caminho”, contou.
O DEMOCRATA (OD): São 40 anos de carreira musical. De forma sintética, explique-nos como entrou no mundo da música?
DULCE NEVES (DN): Comecei no mundo de arte e cultura em geral, quando tinha quinze anos. Iniciei num grupo teatral que se chamava ‘Afro Cid’ que pertencia a uma senhora brasileira de nome Teresa Santos. Na altura, José Carlos Schwartz e Adriano Ferreira (Atchutchi) iam sempre dar apoios à Teresa Santos nos trabalhos do grupo. Foi lá que Atchutchi me viu e convidou-me para integrar a Orquestra “Super Mama Djombo”.
Fui para “Mama Djombo” em 1976, onde comecei como um elemento da orquestra e cantava às vezes como vocalista principal em alguns temas musicais, e fazia também coros noutros temas.
OD: Já conta com quatro álbuns a solo. Quais são os nomes desses discos e qual deles a projectou mais a nível interno e internacionalmente no campo da música?
DN: Gravei quatro álbuns a solo, mas já tinha gravado muitas músicas com a Orquestra “Super Mama Djombo”, algumas inéditas até então. Como carreira a solo, tenho já quatro discos no mercado. O primeiro foi intitulado ‘Nha Distinu’ gravado em 1997 com o apoio de Santy da Rádio Pindjiguiti e sua esposa Marisa. A partir daí ‘Nha Distinu’ – (Meu Destino) passou a ser meu cartão-de-visita e ajudou-me bastante, porque quando se tem um disco, ele corre por quase todo canto do mundo.
Continuei a fazer a minha carreira a solo, porque nos anos 80 alguns elementos de “Mama Djombo” foram para o estrangeiro em busca de uma vida melhor e outros para estudar na Europa. Nesta senda da minha carreira, surgiu o meu segundo álbum ‘Balur di Mindjer’ – (Valor da Mulher), o terceiro foi ‘Mundu Rabida’ – (o Mundo Mudou) e este último disco e quarto é ‘Udjus di Mininus’ – (Olhos de Meninos) editado em 2015.
OD: Como foram os trabalhos de gravação do seu primeiro álbum ‘Nha Distinu’?
DN: Não é fácil gravar um disco no nosso mercado, porque batemos várias portas e ninguém as abre para nós. Em outros países é o Estado e os empresários que investem na área cultural, mas aqui na Guiné-Bissau nem o Estado quanto mais os empresários investem na cultura. Pontualmente se encontras alguém disponível para patrocinar um álbum, como aconteceu comigo no disco da minha estreia – ‘Nha Distinu’, quando Santiy e Marisa abriram as mãos e apostaram no meu projeto. Ariscaram o investimento, mas no final conseguiram recuperar o valor investido no álbum.
OD: Como foram os seus primeiros passos no mundo da música, num país como a Guiné-Bissau onde reina o preconceito sobre a mulher que canta naquela altura?
DN: Não foi fácil ver uma mulher cantar na sociedade guineense naquela altura, era apelidada de todos os tipos de nomes (menos dignos). Na época éramos muitas meninas na música, tínhamos Assinatu Bari, Celeste Pires, Diana, Cadi Indjai e Mena (esposa de Atchutchi), mas infelizmente, apenas eu é que consegui aguentar a corrida até aqui. E as outras ficaram pelo caminho.
OD: Qual foi o segredo da sua resistência para superar as dificuldades e preconceitos, afirmando-se como cantora na Guiné-Bissau?
DN: Acho que foi destino que Deus colocou na minha vida, por isso cheguei até aqui, mas na verdade, passei grandes dificuldades. Ser cantora na Guiné-Bissau e enfrentar os homens na cultura para chegar onde estou hoje, não é nada fácil. Ainda hoje tenho dificuldades. Imagina quando comecei a cantar. No período que ingressamos no mundo da música (eu e as colegas que não prosseguiram nesse caminho), as mulheres que cantavam eram vistas como ‘bandidas’ aos olhos da sociedade. A meu ver talvez seja um dos fatores que obrigou as outras meninas a deixarem de cantar, tendo em conta que acabaram por casar. Provavelmente os maridos não as deixaram participar nas atividades musicais.
OD: Fez parte da Orquestra Nacional “Super Mama Djombo”. Mama Djombo foi determinante na sua carreia musical?
DN: Sim, foi muito determinante na minha carreira, porque ali encontrei as pessoas que me deram as mãos logo nos meus primeiros momentos de música e ajudaram-me a entrar nesse mundo de arte onde estou hoje. Ainda bem que encontrei uma Orquestra como “Mama Djombo” onde estavam pessoas com grande experiência e visão da cultura, como Atchutchi, Zé Manel, Tchico Caruca e o resto dos elementos, onde sempre fui tratada com carinho e amor por todos. Eu era como uma irmãzinha de todos os membros do grupo”.
OD: Ainda está ligado ao grupo?
DN: Estou e não estou… porque seria difícil ocupar duas tarefas, as do grupo e a solo. Mas quando há um trabalho pontual de Mama Djombo, dou sempre a minha contribuição, por exemplo, na gravação do último álbum da Orquestra intitulado de “Ar Puro”, viajei com o grupo e estivemos um mês na Islândia para gravar o disco.
Desliguei-me mais por causa do meu trabalho musical a solo. Às vezes os calendários da Orquestra coincidem com a minha agenda individual, facto que muitas vezes impediu-me de participar em alguns concertos de Mama Djombo, principalmente nos concertos no estrangeiro, mas aqui no país, se estiver livre, participo sempre, dando a minha contribuição.
OD: Intitulou o seu último álbum de “Udjus di Mininus”, por quê desse título?
DN: “Udjus di Mininus” – (Olhos de Meninos) é mais ou menos para chamar atenção à sociedade guineense e ao Estado da Guiné-Bissau. Claro que quando falamos do Estado temos todo um conjunto de componentes dentro do próprio Estado. Falar do Estado fala-se das leis da República da Guiné-Bissau.
Sabemos e vimos o que está a passar com a nossa juventude, com os nossos filhos. Falo como uma mãe e não como cantora. Vemos àquilo que está a acontecer com os nossos filhos, quando concluem o liceu, não há bolsas de estudos para os nossos pobres jovens poderem formar-se. E vemos como as mães se sacrificam, também vemos o que há na Guiné-Bissau. Vemos o comportamento dos homens com as nossas meninas, só por terem o poder económico andam a praticar pedofilia com as nossas filhas.
OD: Como pioneira da música moderna guineense, como vê as cantoras que estão a seguir atualmente a estrada construída pela Dulce Neves?
DN: Acho que estão num bom caminho. Temos meninas que estão a cantar muito bem, mas apenas o fator apoio constitui um obstáculo para elas neste percurso. As jovens não têm apoios para cantarem, as vezes pedem-me apoio, mas a Mana Dulce também não tem a possibilidade de as ajudar. Porque até hoje não recebi apoio de ninguém.
Quero dizer às cantoras nacionais que tenham coragem e que um dia, Deus iluminará seus caminhos. E aconselho-as para terem força e coragem, porque essa nossa área não é nada fácil. Só quero aconselhá-las também para que estudem. Mesmo cantando, que estudem. E que se esforcem para se formarem a fim de conquistarem os seus futuros, porque a cultura na Guiné-Bissau não faz e não dá nada para os músicos.
Quando comecei a cantar, a minha mãe não tinha condições de me pagar uma formação, por isso não consegui formar-me. Na altura, eu vendia mancara e mandioca, também lavava e passava a ferro as roupas dos comerciantes mauritânianos, tudo para chegar onde estou hoje. Ou seja, tínhamos que fazer isso para poder estudar, porque as nossas mães não tinham meios para nos custear a universidade ou enviar-nos para estudar no estrangeiro.
Agora o mundo é outro, as meninas estão a cantar muito bem e podem continuar a fazer música, mas elegendo sempre a formação em primeiro plano, porque este caminho musical não é nada fácil na Guiné-Bissau. E ainda não é um futuro airoso para nós!
OD: Como avalia a prestação dos músicos da nova geração (rapazes e meninas)?
DN: A nova geração na sua totalidade, tanto rapazes quanto as meninas, todos estão num bom caminho e a cantar muito bem, mas o único problema é a ausência do apoio. Vamos-lhes dar força e continuar a pedir a Deus que ilumine os seus caminhos, porque esta nossa casa da cultura não é nada fácil. Mesmo nós, na época em que começamos a cantar não tínhamos apoios e não tínhamos nada.
Mas quando se fala de apoio, as pessoas pensam logo que se trata de receber dinheiro, mas na realidade não é nada disso. Falamos de condições para a prática da cultura em geral, porque noutras partes do mundo há apoios para área cultural. Por exemplo, vemos os casos da Cesária Évora, Titina e Tito Paris (ambos de Cabo Verde), Youssou N’dour e Coumba Gawlo Seck (ambos do Senegal) e outros cantores dos Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa (PALOP).
Vou falar apenas dos PALOP para não mencionar outros países do mundo. Somos combatentes da cultura, por exemplo, se formos ver as condições que os seus Estados lhes oferecem, não tem nada a ver com as nossas aqui, mas fizemos o mesmo percurso. Felizmente todos os colegas dos países africanos lusófonos nos reconheceram pelo valor que temos, infelizmente não estamos a ser reconhecidos dentro do nosso país.
Isto é, se compararmos as condições que os seus Estados lhes oferecem como espelhos dos seus países, quando voltarmos para a nossa Guiné-Bissau, a forma como somos tratados aqui não tem nada de comparável. Mas nos respeitam, porque reconhecem o nosso valor. A prova disso foram as marcas que deixamos nos palcos internacionais por onde passamos, para representar as cores nacionais. Para nós, é uma honra representar a Guiné-Bissau nos eventos internacionais. É um orgulho, porque transportamos o respeito do solo pátrio de Amílcar Cabral, porque somos o espelho da Guiné-Bissau.
Mas aqui no país, vemos os nossos colegas a andarem nas ruas sem nada. Mesmo quando estão doentes, ficam a deambular de um lado para outro, com as receitas medicas nas mãos, batendo as portas sem que ninguém os responda positivamente. É triste, somos defensores e advogados da Guiné-Bissau.
Apenas o milagre de Deus pode virar o rosto para a cultura da Guiné-Bissau. Os políticos do país só precisam da cultura ou dos músicos nas campanhas eleitorais para servirem de chamariz, porque não podem ficar sem artistas nas campanhas. Sem os músicos, as campanhas não seriam a mesma coisa. Porque é que apenas nas campanhas é que a cultura é atribuída uma importância? Até alguns não recebem os direitos do seu contrato com o partido ou candidato, mas tudo isso tem a ver com a pobreza na cultura. Porque se tivessemos condições e se a lei dos direitos de autor estivesse a funcionar, teríamos o mínimo que é nosso, e não estariamos nos palcos dos políticos nas campanhas eleitorais, porque os artistas são apartidários.
Isso tudo tem a ver com a pobreza e os artistas têm necessidades. É normal apoderarem-se de nós e fazer aquilo que lhes apetece. Ainda temos de ir cantar por eles e quando cantamos, tendo em conta a pequena e complicada sociedade guineense, o outro lado leva a mal. Não percebem que nós também temos as nossas necessidades e fomos a procura do nosso pão, e que nem sempre encontramo-lo a cem por cento. Se conseguirmos 25 por cento já é muito.
É preciso fazer um enorme trabalho na cultura da Guiné-Bissau, porque até agora, não podemos ter um ministério da Cultura como Cabo Verde, Senegal e outros países, contamos apenas com uma secretaria de Estado. Isto constitui um dos fatores que nos deixa pequenos perante os nossos colegas, quando saímos para representar a Guiné-Bissau. Somos uma Secretaria de Estado.
Lá fora não dão grande importância quando se trata da Secretaria do Estado e até somos desprezados, mas se for um ministério, somos vistos com outros olhos. Mas se tivessemos um ministro da cultura capaz, ele levaria a nossa cultura além-fronteiras.
OD: O que deve ser feito para a promoção e valorização da cultura guineense, na sua visão?
DN: Primeira coisa que devem fazer é construir um Palácio de Cultura para nós. No Orçamento Geral do Estado, o bolo da cultura serve apenas para pagar os salários dos funcionários da secretária e direção da cultura. Se existir um palácio da cultura, precisamos de um estúdio de gravação, uma loja com equipamentos músicais como havia nos tempos passados, mas agora não temos nada.
Porque, quando se fala da cultura, fala-se da literatura e do jornalismo, porque os jornalistas estão na mesma situação connosco. Não é justo ficarem a dar condições apenas aos políticos e não aos jornalistas e artistas. É complicado. São os artistas e os jornalistas que levam as mensagens para o exterior. Nós é que entramos em muitos problemas. Já assistimos a morte de muitos jornalistas no mundo, tudo em prol da defesa de uma causa justa, lutando para levar as informações ao público. Sem os jornalistas nós não somos nada e o país também não é nada.
As pessoas que pirateam os nossos CDs são indivíduos que têm melhores condições que nós e passam por nós em carros de botão fino na Praça de Bissau. E têm boas casas no Senegal, por que é que não podemos ter também casas semelhantes cá?
Lembro-me uma vez, quando o Camarada Presidente João Bernardo Vieira “Nino” disse-me assim: “camarada Dulce, vamos dar-te o mesmo estatuto que a Cesária Évora recebeu do Estado cabo-verdiano. Tens direito a uma casa, um carro e um salário mensal por parte do Estado da Guiné-Bissau”. O processo até começara a andar, mas depois de acontecer aquilo que aconteceu…nada mais.
O único dirigente que tentou reconhecer a cantora Dulce Neves como combatente da cultura foi o defunto Presidente Koumba Yalá, que tirou um Decreto Presidencial, que me conferiu o título da Embaixadora da Música Moderna Guineense, do qual recebi um Passaporte Diplomatico. Mas agora se o referido passaporte caducar, a sua renovação custar-me-á mais do que trazer um macaco da floresta para casa.
Eu como, uma combatente da cultura, pelo menos devia receber um reconhecimento, a semelhança da Cesária Évora, que em Cabo Verde tem uma pensão vitalícia, hoje os seus filhos recebem seu salário. Este não é um pedido, mas sim um direito que tenho, porque lutei por esta terra. Quer queiramos ou não, ao falarmos da história da Guiné-Bissau, não podemos deixar de mencionar o nome da Dulce Neves, na área da cultura.
OD: Considera-se uma combatente para a promoção da cultura guineense a nível interno e externo?
DN: Mesmo que não me reconheçam como tal… Eu sou a combatente da cultura guineense, porque lutei para a sua promoção a nível interno e externo. O povo guineense reconconhece-me como combatente da cultura e a nova geração de cantores também consideram-me como a combatente e acima de tudo, consideram-me alguém que deu o seu esforço para a promoção da imagem do país pelo mundo fora.
OD: Fala-se muito hoje de “Direito de Autor” e qual deveria ser o papel dos músicos para defender os seus direitos, na sua opinião?
DN: Infelizmente os músicos não podem fazer nada, se o Estado não tomar medidas necessárias para acabar com a pirataria dos discos, de forma a salvar o “Direito de Autor”. E mesmo se queremos levar a avante alguma iniciativa é impossível, sem um apoio e a determinação do Estado, através das suas estruturas competentes para o efeito.
Se houvesse um Palácio da Cultura no país, estariam alí montadas as estruturas com o apoio do Estado, podia-se criar um gabinete para defender os “Direito de Autor”. A meu ver, esse assunto é da inteira competência do Estado, porque nós artistas, mesmo querendo, não estaríamos em condições para prosseguir.
Lembro que um gabinete de Sociedade de Autores funciona aqui no centro da cidade, onde está o meu irmão Guilherme Sá Filipe. A verdade é que ele também está muito limitado, por isso não consegue fazer nada e, sobretudo, para lutar contra a pirataria de discos ou outras publicações no âmbito da defesa dos direitos de autores. Para sermos coerentes neste assunto, a única entidade com a competência de institucional do “Direito de Autor” na Guiné-Bissau é o Estado e a responsabilidade é dele neste sentido.
OD: O país já leva 43 anos da independência. Da independência a esta parte, será que houve progresso ou retrocesso no sector da cultura…
DN: Nada… Não houve nenhum progresso desde o período da independência e até hoje. Talvez se houver o milagre de “DEUS”, a situação pode mudar amanhã ou depois de manhã. Nenhum governante conseguiu fazer alguma coisa para desenvolver o sector da cultura. Aliás, eles falam de projecto para desenvolver o sector da cultura apenas no período da campanha eleitoral.
Neste período é que se aproximam dos músicos para servi-los durante a campanha. Eu garanto-vos aqui, se não fosse por causa das tremendas dificuldades que os músicos enfrentam, iria sugerir aos meus colegas que no período da campanha eleitoral, que sentassemos nas nossas casas sem tocar para nenhum político, mesmo que tenhamos que morrer de fome…
É chegada a hora de levantarmo-nos para reclamar pelos nossos respeito e valor, porque se não o fizermos, ninguém o fará por nós. Temos que nos unir agora na luta para a defesa do nosso prestígio e dos nossos direitos.
O Estado deve trabalhar na criação de condições para que os músicos possam exercer as suas actividades. Temos de organizar um grande concerto ao vivo com equipamentos de son de grande qualidade, bem como abrir um Estúdio de Gravação. O governo deste país mandou alugar um palco e com os respectivos instrumentos a partir do Senegal. O dinheiro foi parar aos cofres do tesouro público senegalês, portanto para nós isso não é admissível.
Imaginem só. Pagam os materiais alugados ao Senegal, no valor de 15 milhões de FCFA por dia de uso. Os artistas convidados para tocar são pagos ao montante de 50 mil Francos CFA. Isso é muito triste, mas em tudo isso alega que estão a promover a cultura. Será que o Estado da Guiné-Bissau não pode comprar equipamentos como aqueles ou de muito superior qualidade?
OD: O material que está a referir foi alugado pelo Governo da Guiné-Bissau?
DN: Sim foi o Governo… mas para além dele quem mais podia alugar aquele material, não são os artistas e muito menos vocês jornalistas.
OD: Falar da cantora Dulce Neves é como falar de Aicha Koné da Costa de Marfim, Munik Seca, tantas outras vozes da sub-região que marcaram a década 80 e 90. Como é que a Dulce Neves está representada a nível da nossa sub-região, ou seja, a nível internacional?
DN: Sou reconhecida muito bem a nível da nossa sub-região, do nosso continente e a nível mundial. Não foi por o acaso que na comemoração de 39 anos da minha carreira musical a Aicha Koné aceitou o meu convite sem hesitar. Da mesma forma a angolana Patrícia Faria, que naquela altura tinha sofrido um acidente, mas mesmo assim veio até Bissau, e tomaram parte no evento e sem pedir nenhum franco.
Isso demostra aos guineenses o valor e o reconhecimento da Dulce Neves no mundo fora. E Vivian N’Dour viria, mas o evento coincidiu com o lançamento do seu disco, razão pela qual não tomou parte. Ela queria muito vir e a cantora, Yondo Sister que viria também, mas na última hora não conseguiu juntar-se a nós.
Aicha Koné veio tocar comigo, na minha festa de comemoração de 39 anos da carreira musical. Ela terminou a tocar e na madrugada do dia seguinte apanhou o voo de regresso, porque tinha um concerto marcado em Paris (França) para o dia seguinte. Se eu não tivesse valor ou reconhecimento no mundo, as as pessoas não deixariam os seus afazeres para vir até Bissau sem cobrar um único franco.
Eu ergo a bandeira do país para exibir no mundo fora, através das minhas canções. O valor que tenho no mundo fora confesso que não sinto isso no meu próprio país, ou seja, ninguém reconhece Dulce Neves na Guiné-Bissau. A meu ver, devia ser ao contrário. É aqui que as pessoas deveriam reconhecer-nos e valorizar-nos pelos trabalhos que fazemos para a promoção da cultura guineense.
OD: São muita experiência e andanças no mundo da cultura. A senhora tem algum projecto na manga ao curto e médio prazo, na área cultural?
DN: Sim, estou a preparar um projecto. Como se diz no nosso bom crioulo: quem não tem lagrimas, que comece a chorar muito cedo…Quero ainda falar aqui de um projecto muito bonito que tenho em mente, mas infelizmente não tenho ainda condições para o executar.
O projecto é destinado às crianças de rua. Vamos trabalhar para apoiar as crianças guineenses que estão na rua. Estou a falar assim, porque é bom saber que na nossa terra não temos crianças de rua, mas sim as crianças que são postas na rua. Gosto muito de trabalhar com as crianças, por isso nas minhas músicas desenvolvo temas sociais.
Também tenho outra iniciativa de trabalhar exclusivamente com “Mulheres Solteiras”. Tenho esse projecto e já estou a escrever sobre isso. O meu sonho é fazer uma fundação que será denominada de “Fundação Dulce Neves” e com o intuito de trabalhar na defesa e promoção dos direitos das crianças e das mulheres. Espero, que com a ajuda de “DEUS” todo o poderoso, concretizar os meus sonhos o mais rápido possível.
Relativamente ao projecto que tenho a curto prazo, é bom informar que estou a preparar os vídeos deste último álbum “Udjus di Mininus”. Depois da produção do vídeo clips, iniciarei o ‘tour’ pelo mundo fora no âmbito de apresentação e promoção deste novo disco. Já estou a receber solicitações de diferentes partes do mundo através dos nossos emigrantes, nomeadamente os de Boston (Estados Unidos de América), França, Alemanha, Inglaterra, Portugal e Luxemburgo.
Primeiramente estou a pensar fazer um “tournée” a nível do país. Estou a pensar passar por todas as regiões. Não quero que tudo fique apenas aqui no centro, porque sei que Dulce Neves tem os seus fãs a nível de todo o país.
OD: Como a primeira voz feminina que conseguiu erguer-se no mundo da música guineense, acha que há uma voz feminina da nova geração que se identifica com a Dulce Neves e de quem se trata?
DN: Todas elas identificam-se com a Dulce Neves, porque cantam como eu. De todas elas, admiro a forma de estar da MC Lide. Eu vi-a no palco a cantar e uma vez fui ao mercado de Titininha e ela estava sentada junto da mãe e ajudá-la a vender peixe.
Isso é um exemplo muito bonito, portanto isso marcou-me muito. Não é porque se canta é que não se pode vender peixe ou ajudar a mãe. Cantamos uma música no meu novo disco, portanto gosto muito dela e, sobretudo da sua forma de estar. Essa menina faz-me lembrar quando comecei a dar os primeiros passos na música. Era sempre no período da tarde. Vendia mancarra e mandioca para a minha mãe nos becos de Cupilum.
As meninas todas estão de parabéns porque estão a andar na estrada construída pela mana Dulce e com grande suor, porque não podem imaginar tudo aquilo que eu ouvi e os nomes que a chamavam, quando estava a construir esse caminho para as meninas que agora cantam.
OD: Além da música  o que é que a senhora faz?
DN: Além da música eu trabalho, mas isso também não é assim um trabalho. Estou a dar a minha contribuição numa agência de microcrédito. Prático o desporto e gosto de navegar na internet nos tempos livres.
OD: A senhora foi detida e torturada durante o golpe de 12 de Abril de 2012, pelos militares. É verdade e, porquê?
DN: Sim é verdade. Eu fui detida por militares que me levaram para o Estado-Maior, onde me torturaram e puseram-me numa cela em que se encontravam 16 homens e eu era a única mulher. Nessa cela que fazíamos tudo. Infelizmente até agora não sei o porquê da minha detenção. Não insultei ninguém e não sei porquê é que fizeram isso comigo.
Deixo tudo com “DEUS” todo o poderoso para fazer a justiça. Não tenho forças e nem poder para fazer nada, mas sei que tenho “DEUS” e acredito na justiça divina.
OD: Dulce é militante do PAIGC?
DN: Sim, eu sou membro do Comité Central do PAIGC…
OD: A senhora é considerada cadoguista. Confirmas?
DN: Sim. Eu defendo que sou apoiante e admirador de Carlos Gomes Júnior, portanto sou cadoguista a cem por cento…
OD: Será que é fácil conciliar ser artista e um dirigente político?
DN: Sim, porque eu sei separar as coisas. Sei comportar-me como artista e como político, portanto não exagero.

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