REPÚBLICA DA GUINÉ-BISSAU
Assembleia Nacional Popular
Gabinete do Presidente
FEVEREIRO 2017
Despacho que decide sobre o Recurso do GRUPO PARLAMENTAR do PRS ou de Grupo de 4 Deputados à Deliberação n.º 14/2017 da Comissão Permanente/ANP/02/2017
Deu entrada no Gabinete de Sua Excelência Senhor Presidente da ANP, no dia 23 do mês de Fevereiro do corrente ano, um recurso sobre a Deliberação n.º 14/2017 da Comissão Permanente/ANP/02/2017, relativo ao não agendamento do único ponto da proposta de agenda, o Programa do Governo, na Ordem do dia da Sessão Plenária Ordinária, de fevereiro, do III ano da IX Legislatura, submetida a esse órgão pelo Presidente da ANP, nos termos do artigo 48.º, al. c) conjugados com o art.º 63.º, n.º 1 do Regimento deste Órgão de Soberania.
A Recorrente ou os Recorrentes consideram que a Deliberação da Comissão Permanente objecto do recurso é inconstitucional, ilegal e inexistente, alegando, em síntese, o seguinte:
Que a Comissão Permanente da ANP reuniu-se e deliberou numa altura em que não podia praticar actos. 2. Que a Comissão Permanente só podia funcionar nos intervalos entre as Sessões Plenárias ou em caso de dissolução do Parlamento ou nas situações de estado de sítio. 3. Que não se pode considerar que a Comissão Permanente se reuniu e praticou validamente actos no intervalo entre as sessões parlamentares quando a Plenária não se reúne regularmente em sessões ordinárias. 4. Que o legislador instituiu procedimento especial para apreciação de Programa do Governo e que nesse âmbito a convocação da sessão é feita directamente pelo Presidente da ANP sem interferências da Comissão Permanente. 5 Que não há violação nenhuma do Acordo de Conacri, por ser subsidiária, no que concerne
aos procedimentos conducentes à apresentação do Programa do Governo.
Perante o recurso e os seus fundamentos acima expostos em síntese, cumpre ao Presidente da ANP tecer as seguintes considerações e decisão:
QUESTÕES PRÉVIAS
A legitimidade da Recorrente
Importa, antes, aferir da legitimidade da ora recorrente para interpor o presente recurso.
Com efeito, fica uma dúvida, que é a de se saber quem efectivamente recorreu. Se foi a Bancada Parlamentar do PRS ou se foram o grupo de Deputados subscritores do recurso.
Pois, a nota de remessa do requerimento contendo as alegações do recurso está assinado pela Bancada e a nota introdutória da motivação do recurso diz-se que é a Bancada Parlamentar do PRS que recorre, mas no fim o recurso é assinado por apenas 4 Deputados, incluindo membros da Comissão Permanente que estiveram presente na tomada da decisão ora recorrida.
Se se admitir que a recorrente é a Bancada Parlamentar do PRS, importa então saber se têm ou não legitimidade para o efeito. O Programa do Governo é o principal instrumento de governação, elaborado pelo Governo e submetido ao Parlamento para a sua aprovação (art.º 138.º do Regimento). Daí decorre que sendo matéria de exclusiva iniciativa do Governo, só a ele cabe direito de recorrer de eventual rejeição do seu agendamento. A Função de fiscalização é uma atribuição constitucional conferido ao Parlamento para exercer controlo político sobre o executivo, pelo que não pode os membros do parlamento, por mais que defendem e sustentam o governo fazer a vez do governo em matéria de competência exclusiva deste.
Por outro lado, não se encontrando na lei disposição que estabelece o direito ou o poder de recorrer das deliberações da Comissão Permanente que chumbam a proposta da ordem do dia apresentada pelo Presidente, não se vê a legitimidade do governo muito menos de uma Bancada Parlamentar recorrer dessa decisão.
Se a Comissão Permanente tivesse acolhido a proposta de ordem do dia apresentada pelo Presidente, certamente que não se diria que este órgão não tinha competências para intervir na fixação da ordem do dia das sessões plenárias de discussão e votação de programa do governo, como aliás, aconteceu até a presente deliberação.
Mas se se admitir que o recorrente não é a Bancada Parlamentar do PRS, mas, sim, os deputados subscritores do recurso, importa então saber se este recurso é ou não admissível. Isto é, se os deputados subscritores podiam ou não recorrer.
Com efeito, a Lei, o Regimento da ANP, em sede de recursos (artigo 84.°) admite a possibilidade dos deputados recorrerem das decisões do Presidente e da Mesa.
Mas esses recursos são sobre as decisões do Presidente ou da Mesa proferidas durante as sessões plenárias ou sobre despachos que admitem ou rejeitam requerimentos de Deputados (art.º 24.º do Regimento). E em relação à Comissão Permanente, só se admite recurso sobre as suas deliberações que fixem a ordem do dia. Pois, estabelece o n.º 2 do artigo 63.° do mesmo diploma que das deliberações da Comissão Permanente que fixem a ordem do dia cabe recurso para o Plenário (da ANP), que fixa em definitivo a ordem do dia. O recurso é apreciado na sessão plenária convocada com base na mesma ordem do dia fixada pela Deliberação da Comissão Permanente de que se recorre.
Portanto, a pertinência ou não da fixação da ordem do dia das sessões plenárias cabe à Comissão Permanente, e na falta de uma ordem do dia, porque a Comissão Permanente deliberou pela sua não fixação, chumbando a proposta de ordem do dia apresentada pelo Presidente, não há lugar para recurso. Só haveria lugar a recurso se a Comissão Permanente tivesse fixado uma ordem do dia.
Ainda que, por mera hipótese, se admitisse o recurso nestas circunstâncias, ele teria que ser apreciado pelo Plenário, que por seu turno, deve ser convocado mediante uma “Ordem do Dia” à fixar pela Comissão Permanente.
Contudo, é bom registar que o Regimento não prevê a situação de convocatória de sessão plenária exclusivamente para apreciação e decisão de recursos, pelo que o presente recurso teria que aguardar pela próxima sessão, com agenda normal do parlamento. Tanto mais é que, o não agendamento do Programa do Governo foi devidamente fundamentado, restando ao Governo com a decisão, superar o problema pela via negocial ou eliminar os males identificados no Programa e solicitar o novo agendamento.
Admissibilidade do recurso
Outrossim, importa descortinar se a matéria sindicada no requerimento admite ou não recurso. No requerimento, atacou-se a regularidade da reunião da Comissão Permanente, com o fundamento de que não se conseguiu provar que ela ocorreu no intervalo das sessões, uma vez que para aquilatar esse facto seria necessário convocar as 4 sessões anuais previstas no Regimento, o que, segundo requerimento, não aconteceu neste caso. A legalidade ou não das reuniões de um órgão não consta do regimento que sejam matérias atacáveis em sede de recurso e muito menos por quem não tem interesse direto na matéria vertida.
Contanto é que decorre das reuniões dos órgãos a verificação dos requisitos ou pressupostos da sua regularidade, pelos seus membros, antes do início de cada reunião, por isso, assistimos a situação de verificação de quórum, da tempestividade da reunião, da verificação da competência do órgão sobre as matérias em que irá debruçar, etc.
Alias, pelos factos que são públicos e notórios a posição defendida pelo recorrente não colhe, porquanto, é sabido que a Bancada Parlamentar do PRS esteve devidamente representada na Comissão Permanente, com todos os seus representantes, que tomaram parte activa na reunião daquele órgão, e participaram no processo de votação que chumbou a proposta da ordem do dia apresentada. Em nenhum momento foi colocada em causa a regularidade da sua convocação e muito menos a sua realização. Não se vê como pode negar a intervenção da Comissão Permanente na Fixação da ordem do dia das sessões parlamentares, só porque a votação não lhe foi favorável. Isso é um verdadeiro venire contra factum proprium, que é uma das formas de violação do princípio da boa-fé.
Convém esclarecer o espirito a norma do n. 1 e 2 do art.º 56.º do Regimento. Ao contrário do defendido pelos recorrentes, não existe nenhuma obrigatoriedade subjacente a este artigo, o legislador apenas previu os períodos em que, havendo matérias, deve decorrer as sessões ordinárias da ANP. Tanto é que apenas refere no n.º 2, que as sessões plenárias, ao serem convocados têm início nos meses de Novembro, Fevereiro, Maio e Junho. Trata-se de períodos em que as sessões ordinárias têm lugar quando estiverem reunidas todas as condições para o efeito. Com o exposto fica claro que não estando reunidas as condições para convocar uma sessão não há como efetua-la.
O intervalo das sessões significa o espaço temporal entre uma sessão e outra, posto que, o espaço entre a última sessão e a próxima é considerado intervalo, não importa a extensão do tempo entre as sessões. Talvez porque entre a última sessão ordinária ocorrida na ANP e àquela que virá haja um intervalo muito longo, por isso, se enveredou por interpretação como esta sufragada pelos recorrentes. Em conclusão, o intervalo entre as sessões é o período que decorre de uma sessão e outra e as 4 sessões previstas não são obrigatórias a suas convocações, são apenas indicativas, na medida em que dependem da verificação de certas condições prévias.
QUESTÕES DE FUNDO SOBRE AS ALEGAÇÕES DO RECURSO
A alegada impossibilidade de a Comissão Permanente praticar validamente actos
Alegam os recorrentes que a Comissão Permanente da ANP não podia funcionar e praticar validamente actos porque não se estava no intervalo entre as sessões, na medida em que o Plenário não está a funcionar em sessões ordinárias.
Não acolhe esta alegação.
Com efeito, a Comissão Permanente da ANP, de acordo com os art.º 95.º n.º3 CRGB e 48.º de Regimento, é um órgão com competências próprias, e a fixação da ordem do dia das sessões é uma das competências próprias deste órgão. Os intervalos das sessões, os períodos em que a ANP se encontra dissolvida e as situações de estado de sítio são momentos em que o plenário
não pode reunir-se, e a lei estabeleceu que nesses momentos a Comissão Permanente assuma as competências do Plenário. Portanto, a Comissão Permanente, nessas situações, é a substituta legal do Plenário, acumulando as competências proporias com as daquele.
E sendo a fixação da ordem do dia uma competência própria da Comissão Permanente, a par com a de preparação das sessões plenárias, sem as quais o Plenário fica desprovido de matérias para se reunir, não precisava de as exercer no intervalo entre as sessões, ou no momento em que a Assembleia estivesse dissolvida ou no momento do estado de sítio. Tal é que antes de cada sessão há sempre e continuará haver sessões da Comissão Permanente, a não ser que haja uma revisão do Regimento, para não só fixar a agenda como para preparar a sessão.
Alegada existência de um procedimento especial de convocação de sessão plenária para apresentação, discussão e votação do programa do governo
O envolvimento dos órgãos da ANP na fixação das sessões plenárias por parte do Presidente da NAP tem como único e exclusivo objectivo assegurar o cumprimento da Constituição da República e do Regimento da ANP.
E os recorrentes, quando alegam que as Comissão Permanente não intervêm na fixação da ordem do dia das sessões plenárias de apresentação, discussão e votação do programa do governo fazem uma interpretação isolada dos artigos 138.°, 139.° e 140.° do Regimento da ANP, por isso, chegam a uma conclusão errada em como o Presidente da ANP pode convocar directamente as sessões plenárias Assembleia Nacional Popular sem respeitar outras estruturas intervenientes no processo conducente a essa convocação.
Mas, se esforçassem um pouco fazendo uma interpretação sistemática, como ensina a hermenêutica jurídica, chegariam à conclusão de que o Presidente só convoca qualquer sessão depois de tiver sido estabelecida a respectiva ordem do dia. E nenhuma ordem do dia é levada para a Plenária da ANP sem que tenha sido previamente estabelecida pela Mesa, como reza a alínea a) do n.° 1 do artigo 30.° do Regimento. Antes, porém, nenhum diploma é digno de ser retido para agendamento sem ter o aval da Comissão Especializada Permanente competente em razão da matéria, no tangente, entre outras, da
sua conformidade com a Constituição art.º 101.º do Regimento. Comprida essa exigência regimental, impõe, de seguida, a convocação da Conferência dos representantes dos Grupos Parlamentares, conforme estatui alínea c) do n.° 1 do artigo 19.° do Regimento. Passo seguinte, depois de serem ouvidos os líderes dos Grupos Parlamentares, é a vez da Comissão Permanente, a luz da alínea d) do n.° 3 do artigo 95.° da Constituição, conjugado com a alínea c) e h) do artigo 48.° do Regimento da ANP fixar, por votação, a “Ordem do Dia”.
Deste modo, de forma alguma pode este órgão ser subalternizado por qualquer outro órgão da ANP. Se não for exercida esta competência da Comissão Permanente, não pode, de maneira nenhuma, o Presidente da ANP convocar uma sessão, a não ser para juntar os deputados para uma amena cavaqueira.
Sendo um órgão incontornável na aprovação da agenda das sessões plenárias, não há como imputar responsabilidade ao Presidente da ANP no bloqueio vigente na ANP. Pois, não tem competências de fixar, em definitivo, a ordem do dia que deve ser levada para as sessões plenárias da ANP, e sem uma ordem do dia aprovada pela Comissão Permanente, não pode ser convocada nenhuma sessão, ainda que nas situações em que a lei impõe a obrigatoriedade da sua convocação. Pois, o Presidente não tem competências de convocar automaticamente nenhuma sessão, seja ela ordinária ou extraordinária, obrigatória ou facultativa, sem passar pelos órgãos internos atrás referidos para se pronunciarem ou aprovarem a ordem do dia.
Portanto, é erróneo dizer, como é a tese dos recorrentes, que, nos termos dos artigos 138.°, 139.° e 140.°, ambos do Regimento, poderia o Presidente convocar directamente a sessão. Pois, o n.° 1 do artigo 63.° do mesmo Regimento é peremptório em dizer que a “Ordem do Dia” é fixada pela Comissão Permanente sob proposta do Presidente,...”. No mesmo sentido, vai a alínea c do n.° 1 do artigo 24.° do Regimento, que estabelece que o Presidente só pode submeter ao Plenário da ANP uma Ordem do Dia aprovada previamente pela Comissão Permanente.
Deste modo, obrigar o Presidente da ANP a convocar a sessão (extraordinária), como pretendem os recorrentes, é coisa que não pode haver, porque a acontecer sê-lo-á em violação da Constituição da República e do Regimento da ANP.
Aliás, importa salientar que o Presidente da ANP é, a luz do n.° 1 do artigo 93.° da Constituição da República, conjugado com a alínea o) do n.º 1 do artigo 24.° do Regimento da ANP, o garante do cumprimento destes instrumentos jurídicos. E recorda-se, ainda, que estatui o n.° 2 do artigo 8.° da Constituição que “a validade das leis e dos demais actos de Estado e do Poder Local depende da sua conformidade com a Constituição”. Assim sendo, por força dos dispositivos acima referenciados, o Presidente da ANP só tem que os cumprir. E é o que está a fazer, pelo que da omissão de um dever de convocar directamente as sessões plenárias não se pode falar.
DECISÃO
Atendendo ao acima exposto e as disposições da Constituição da República da Guiné-Bissau e do Regimento da ANP igualmente citadas,
Tendo em conta que a Comissão Permanente tem competências para fixar a ordem do dia das sessões plenárias; e
Considerando que em nenhuma parte da lei está estabelecida a possibilidade de recurso sobre as deliberações da comissão permanente que não tenham fixado a ordem do dia das sessões plenárias,
Considerando que a requerente ou os requerentes não têm legitimidade para recorrer da matéria em questão e porque o próprio objecto atacado não admite recurso.
Indefiro liminarmente o recurso interposto pela Bancada Parlamentar do PRS/4 deputados.
Bissau, 03 de março de 2017.
O Presidente da Assembleia Nacional Popular
Eng.º Cipriano Cassamá
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