«ENTREVISTA» O PESQUISADOR AMERICANO DISSE QUE O GOVERNO GUINEENSE DEVE INVESTIR MAIS NA CULTURA


Fernando Arenas, professor da Universidade nos EAU
Está no país, pela terceira vez, o pesquisador e professor universitário nos Estados Unidos de América que trabalha na área de estudo da cultura lusófona. Fernando Arenas está no país para entrega dos livros doados para a Universidade Pública Guineense e para ajudar no resgate da cultura guineense
Acompanhe na íntegra a entrevista de Elisangila Raisa Silva dos Santos com este que também é vice-chefe do programa de estudos africanos.
RSM: Pode nos falar um pouco do seu curriculum em quatro linhas?
F.A: Eu sou Fernando Arenas, professor da Universidade nos EAU, vice-chefe do programa dos estudos africanos e desempenho a mesma função no programa do português. Trabalho na área dos estudos culturais lusófonos, trabalho sobre cinema, música popular, literatura e historia nos países da língua portuguesa e dou aulas em Português e Inglês.
RSM: Quando é que começou a se identificar com esta área?
F.A: Eu era adolescente nos anos 70, sou Americano de nascimento em Nova Iorque de pais colombianos que imigraram para lá nos anos 60. Mas depois fomos para a Colômbia e foi lá onde comecei a ouvir a rádio em onda curta e foi lá que descobri o português e apreendi esta língua praticamente de ouvido. Só que não imaginava que o Português tornar-se-ia o ganha-pão muitos anos mais tarde (depois do meu doutoramento). Gosto muito de línguas e, ultimamente, eu apreendo o crioulo da Guiné-Bissau e de Praia (Cabo-Verde).
RSM: Como é que define o seu trabalho?
F.A: Eu tenho um livro que foi publicado em 2011 e com título em Inglês (sobre os países africanos da lusofonia depois da independência) e aí trabalho com a produção cultural, nomeadamente, a cinematografia musical e também literária e também faço mas também uma história das relações transatlânticas; entre África, Portugal e Brasil. Tendo um projecto paralelo que incide directamente sobre a Guiné-Bissau que é sobre a obra de Sana Hada (escritor guineense), no meu livro tenho um capítulo inteiro dedicado ao cinema da África lusófono onde destaco o trabalho de Flora Gomes (cineasta guineense). Pensei que Sana não era conhecido e isso seria injusto, e neste momento focalizo os meus esforços para desenvolver a minha pesquisa sobre a obra e a vida deste escritor guineense.
RSM: Como vês a cultura guineense?
F.A: Eu vejo a cultura guineense como sendo multidimensional, obviamente, onde a literatura tem uma parcela mas que compartilhada com outras expressões culturais de muito peso e o cinema sendo um deles mas também a música popular e aí junta-se, por exemplo, a literatura com a música. Quando pensamos no José Carlos Schwarz e o tipo de trabalhos que os artistas nacionais estão a fazer, tais como, José Manel, Eneida Marta, Karina Gomes e muitos outros e sem falar dos míticos Super Mama Djombo. Aí é onde se junta a palavra poética e a música. Li hoje um poema de José Carlos intitulado “Iabre Porta” (abra a porta), que é um poema belíssimo que trata sobre quando a porta é aberta.
RSM: Na Guiné-Bissau não temos salas de teatro, ambientes de promoções de cultura, refiro, a música, literaturas, arte e enfim, até porque também o governo disponibiliza pouco fundos para a cultura. Como é que vês esta situação?
F.A: Acho que a produção cultural precisa de financiamento e hoje em dia muitos modelos que estão a surgir de financiamento são misto e também de iniciativa privada, Eu acho que para os produtores artísticos nas diversas áreas é fundamental ter este apoio, porque se você sujeita a produção cultural exclusivamente as leis do mercado, ficam muito mais difícil para os artistas sobreviverem. Acho que o investimento em todas as áreas da cultura.
RSM: Qual o seu conselho para os iniciantes nesta área?
F.A: A realidade em muitas partes do mundo é que os artistas têm um trabalho a tempo inteiro ou imparcial para o ganha-pão. E nas suas horas vagas, eles fazem as suas produções artísticas e culturais. O ideal é que houvesse bolsas para que os artistas pudessem concorrer e poderem ter, por exemplo, um ano sem ter que trabalhar numa área que não tem nada a ver com o seu a fazer artístico e isso iria contribuir muito para a produtividade daqueles artistas.
RSM: para si o que é a arte?
F.A: A arte é uma forma de transfigurar o real e de transfigurar o mundo e de representá-lo de uma maneira mais simbólica e que muita das vezes não fala directamente a mente mas também fala ao coração e as vezes aos dois e implica um relacionamento entre o raciocínio e também os afectos
RSM: Qual é o seu interesse em relação ao estudo da cultura africana e principalmente da cultura lusófona?
F.A: Eu trabalho nos EAU na área do estudo lusófono e nós somos uma minoria em relação a outras línguas (Inglesa e espanhola) então este interesse que tenho pelo mundo lusófono também é um desafio, luta e compromisso a nível político, cultural e histórico e por dar ao mundo alargado a riqueza e da diversidade de todos os países da língua portuguesa. Aquilo que é incrível é que mesmo a Guiné-Bissau em si tem uma diversidade gigantesca de cultura, de língua e de manifestações culturais e imaginem quando juntamos isso a todos os países lusófonos teremos um universo quase infinito de culturas. Portanto eu sinto uma dedicação e um amor por estas culturas e para nós que somos académicos estes trabalhos que fazemos é uma vocação para vida inteira.
RSM: Tendo em conta o seu trabalho, qual é a relação entre as culturas Lusófonas?
F.A: Eu acho que ainda não há suficiente conhecimento mútuo entre si, porque temos um desequilíbrio muito grande nas dimensões das várias componentes do mundo lusófono. Já entre os Países Africanos da Língua Oficial Portuguesa, parece que é uma circulação pontual de produção musical muito mais; literária um pouco menos e cinema muito menos. Ainda faltam mais mecanismo e canais de distribuição e de difusão desta produção entre os PALOP e para a África toda e portanto acho que para isso tem muitos impedimentos que são de ordem política, económica e regional para a circulação de produtos culturais que ultrapassem as barreiras das línguas oficiais (quer Portuguesa, Inglesa e francesa).
RSM: Agora vamos falar de Russel Hamilton, um americano crítico pioneiro das literaturas africanas da expressão Portuguesa e que faleceu em Fevereiro último e que agora os seus livros foram doados para Universidade Pública guineense. Nos seus livros, eles falou da Guiné-Bissau?
F.A: Sim, ele falou. É preciso pensar no momento que ele desenvolveu as suas pesquisas que foi nos anos 60 e 70; no auge e no calor da luta de libertação. No caso específico da Guiné não havia um corpo de literatura escrita formado e era mais incipiente e só depois da independência é que começaram a surgir publicações mais sistemáticas. Agora existem antologia de jovens poetas e a mantenhas para quem luta que Rassul analisou e ele considera que a partir daquele momento já podemos vislumbrar o surgimento de um sistema literário não só em língua portuguesa mas também em língua crioula na Guiné-Bissau. Ele (Hamilton) acha que a razão pelo facto de esta literatura ter surgido tardiamente em relação a outros países do PALOP foi o nível de atraso por parte das autoridades coloniais em criar infra-estrutura de educação na Guiné-Bissau, tendo em conta que o primeiro colégio e liceu foram criados só em 1949 e isto, de certo modo, retardou o surgimento de uma produção literária e escrita na Guiné.
RSM: Também li que no período da guerra colonial ele (Hamilton) também queria vir a Guiné-Bissau para concluir a sua pesquisa mas foi impedido pelos colonizadores. Fala-nos desta experiencia.
F.A: a Guiné-Bissau em particular ele veio por quatro (4) vezes, mas na primeira etapa da sua pesquisa que foi entre 1970 a 71 ele ganhou uma bolsa de Gulbenkian e foi em plena guerra de libertação e o governo português não o permitiu para vir aqui a Guiné e em contra partida deram autorização apar visitar Angola, Moçambique e Cabo-Verde. É muito interessante ver neste caso um académico a estudar sobre literatura e é confrontado sobre a realidade histórica e política do momento e portanto, o seu trabalho foi realizado no calor destes eventos todos e isso é muito interessante. Ele veio a Guiné-Bissau já na pôs independência e voltou várias vezes, principalmente nos ano 1990.
RSM: Vamos voltar a falar mais um pouco do seu trabalho. Como é que surgiu a ideia para a Guiné-Bissau?
F.A: Esta viagem tem várias vertentes. A primeira é para doar os livros de Hamilton a Universidade Pública Guineense (UAC). A segunda é manter contactos com os intelectuais guineenses sobre a cultura nacional, sobre a política e também para conhecer um pouco a cultura. Esta é a terceira vez que venho a Guiné e espero voltar mais.
RSM: Esta é a sua terceira vez aqui na Guiné-Bissau e manteve encontros com escritores guineenses e na semana passada também teve uma visita às ilhas e algumas regiões do país para ajudar a resgatar a cultura guineense. Depois de toda esta ronda, o que nos pode dizer sobre a cultura guineense?
F.A: Eu acho que tem de haver um compromisso contundente por parte das autoridades, do governo e das entidades privadas de promover e de fortalecer a cultura e de alimentar a cultura. Ela (cultura) por si só não consegue sobreviver, ela precisa de ser acarinhada. Se posso passar uma mensagem que considero ser não só para a Guiné-Bissau mas para todos os países do mundo é que a produção cultural é a alma do povo e é o levado que vai passar para geração vindouras e é preciso pensar nisso porque a cultura por sem apoios não vai conseguir vincar, crescer e florescer.
Por: (Entrevista e Imagem) Elisangila Raisa Silva dos Santos/Conosaba

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