Opinião: ÁFRICA INAUGURA UMA NOVA ERA DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

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A Europa vem contando o seu passado de intolerância religiosa desde as mais antigas civilizações. Uma história que muitos europeus não gostam de relembrar devido à amargura e traumas cicatrizadas nas suas memórias coletivas. Mas, talvez de todas as intolerâncias ocorridas nesta época, a que teria ganho mais notoriedade terá sido o assassinato de Jean Calas em 1762 na cidade de Toulouse, sul da França, narrado pelo famoso filósofo Voltaire, no seu trabalho intitulado “tratado sobre intolerância”.
O catolicismo era “lei” nesses dias em França. Entretanto, o protestantismo vinha crescendo, pois Jean Calas era protestante e, apesar do frenetismo religioso que pairava sobre ele, era um homem calmo e trabalhador. Tinha muitos filhos, entre eles havia um que tinha abjurado ao catolicismo e outro filho chamado Marc Antoine, homem de letras que não tinha conseguido entrar para o comércio como os irmãos, pois não jazia e nem conseguia exercer a advocacia porque não obetve a licença junto de Administração da Igreja Católica. Insatisfeito com esta situação, Marc Antoine contou ao amigo Lavaisse que iria suicidar-se e tinha descrito tudo na sua carta de suicídio.
Marc Antoine e toda família estavam a mesa com o amigo Lavaisse que tinha vindo de Bordéus, interior de França. Após o almoço a família retirou-se da sala de jantar e dirigiu-se para a sala de visitas, com exceção de Marc Antoine que tinha saído para executar seu plano de suicídio sozinho e o fez. Passados alguns momentos os pais voltaram para acompanhar o amigo Lavaisse e viram-no pendurado numa corda – terá sido enforcado e estava morto.
Desesperado, o pai sai em busca de socorro. A mãe, a empregada que era da confissão católica e cuidara de Antoine e de seus irmãos, e o amigo entraram em desespero. Detalhe, Antoine não apresentava resistência corporal, os cabelos estavam bem penteados e a roupa estava bem dobrada em cima do balcão. Aos gritos dos pais, irmãos, amigo, empregada e toda a vizinhança saiu a rua e cercou a casa dos Calas.
Começou-se a ouvir baixinho de que ele iria abjurar ao catolicismo, por isso o estrangularam. O protestantismo permite isso. Outros diziam que, como os pais eram protestantes, só poderiam ter sido eles mesmos quem mataram o Antoine, pois para eles “mais valia um filho morto do que convertido ao catolicismo.”
Assim, as especulações foram ganhando espaço numa sociedade intolerante que havia levado a cada falso (espaços para onde se levam pessoas para o enforcamento), quatro mil cidadãos declarado heréticos. O juiz acabou caindo no alarido do povo e ordenou a prisão do Calas, do amigo e da empregada que, também era da confissão católica e servia há mais de 30 anos naquela família.
O juiz, sem o domínio dos fatos, mas, acreditando nos dizeres do povoado de Toulouse, sentenciou Jean Calas ao enforcamento. Certamente esperava que ele suplicasse a jurisprudência Católica. Algo que este não fez. Assim, Calas foi levado a cada falso e, mesmo insistindo na sua inocência, não foi absolvido e foi enforcado. Desta forma, a França assistia mais um brutal assassinato causado pela intolerância.
Por que um homem que mantinha uma empregada que confessa a religião católica há mais de 30 anos mataria um filho só por este desejar abjurar ao catolicismo? Como foi citado anteriormente, Jean Calas, apesar de religioso, era um homem calmo e, ainda por cima, tinha outro filho, Louis, que também havia abjurado ao catolicismo.

Tempos depois os juízes aperceberam-se que haviam mandado ao cada falso um homem de família inocente. Isso só lhes custou arrependimento. Nada mais. Esta é apenas uma das muitas histórias que assombram o passado da Europa. Aliás, o passado da humanidade em geral.
A Sérvia conheceu a intolerância religiosa entre muçulmanos e cristãos; Portugal, de Afonso Henriques, havia expulsado os mouros; a Espanha, os Judeus; a Itália (Roma), os cristãos e vários outros solos europeus não fugiram à regra. Não entrarei no caso do Oriente Médio e da Ásia, sob pena de não conseguir terminar o texto.

Enquanto tudo isto ocorria no Ocidente, a África vinha sendo castrada pela Europa, o que não lhes deu a chance de se organizar e de formar uma consciência nacional. Porém, recentemente diante dos factos, dá para concluir que estaríamos a assistir a vez de o desenvolvimento estar em perigo devido ao impacto das religiões “infiltradas” no âmago dos africanos e no centro do seu continente.
A África é um dos mais pobres continentes do mundo e atrasado economicamente, de acordo com os critérios pré-estabelecidos pelas organizações internacionais especializadas. Não obstante, pessoas morrerem de fome, de várias epidemias , de guerras resultantes de conflitos étnicos, políticos, agora vem se caminhando vertiginosamente para aquilo que é um dos fenômenos que até então mais dizimou e vem dizimando vidas, na história de humanidade: as guerras religiosas entre homens que até ontem eram unidos e coesos entre si, apesar das diferenças culturais existentes, no caso de África.
O continente africano hoje está sendo celeiro das religiões “antónimos” e “rivais” que em algumas zonas geográficas não promovem a cultura do diálogo entre si, sobretudo o catolicismo e o islamismo, e agora, juntou-se o protestantismo reacionário. Infelizmente, consta-se que a mensagem forte que germina a intolerância religiosa é a “quem não está connosco é contra nós”. Completamente oposta ao que devia ser os designos da religião. Faltam hospitais, infraestruturas escolares e creches, no entanto, a cada dia vem aumentando o número de infraestructuras religiosas (igrejas, templos e mesquitas). Nos nossos dias, em África mata-se em nome de Jesus e Alá. Estaria a África pronta para uma guerra religiosa? O continente vem se fragmentando religiosamente, a guerra vem se avizinhando mas, vos garanto com o meu modesto olhar, que se acontecer uma guerra desta índole, suplantará todos os recordes ocorridos até então em África.
Estas religiões não são totalmente estranhas aos africanos. Embora, desde os primórdios da campanha de converter os africanos às confissões monoteístas, nota-se um autêntico autoritarismo pela recusa de incorporar os ricos valores culturais nos ritos e civilizações destas religiões modernas. Tanto a Bíblia quanto Al corão foram usados para instrumentalizar e dominar este continente, sobretudo a África negra, séculos atrás, basta lermos Elikia M´bokolo no seu trabalho “África Negra”, que não entrarei em detalhes agora.
Hoje uma boa parte de África regista no seio das suas comunidades guerras e atrocidades em nome das religiões vindas de “fora”. Essas perseguições tem ganho uma proporção de extrema violência. Desde 2013 na Nigeria, os Boko Haram vêm aterrorizando e dizimando vidas e mais vidas através de sequestros, roubos, extermínios e ataques suicidas. É bom ressaltar que o caso da Nigeria vem se tornando crônico a medida que estes ganham mais espaço territorial e político. Atualmente, a “Igreja Universal de reino de Deus” vem procurando dominar boa parte de África e pregando suas doutrinas anticulturais, ignorando e humilhando qualquer tipo de religião oposta a ela.
Por último, o que dizer do último ataque do dia 4 de Abril à Universidade queniana que matou 147 estudantes. Não me refiro aos fundamentalistas cristãos ou Jihadistas, mas sim aos jovens universitários. Podemos fazer um cálculo probabilístico de quantos quadros perdeu o nosso continente. O que motivou Shebab a tocar uma atrocidade destas? Podemos perguntar, seria Deus? Porque logo a Universidade? Tristeza é a palavra que descreve a situação em África fundamentalista na esteira da intolerância entre irmãos.
Tudo isto vem acontecendo no momento que a OUA (Organização de União Africana) vai completar mais um ano, daria uma boa reflexão se os líderes africanos não carregassem superstições étnicos e pseudoreligiões dentro deles.
A questão religiosa é o problema que mais ameaça o fim da possibilidade de uma unidade africana. Mas curiosamente não está em voga nas agendas dos governos do continente. Os representantes africanos foram solidarizar-se com a França e as vítimas de “Charlie Hebdo”, concordo e acho bonito o nível de solidariedade com o velho continente. No entanto não houve uma mobilização referente às meninas sequestradas pelo Boko Haram, aos Baga na Nigéria, aos muçulmanos espancados brutalmente na República Centro Africana e nem agora aos 148 no Quénia. Precisamos ler novamente Frantz Fanon? “Os condenados da terra”.
A escritora ruandesa Mukasagana, sobrevivente do genocídio de Rwanda em 1994, perguntou em um dos seus artigos o seguinte: Depois de terem sido “reféns de guerra fria” e de terem passado por sangrentas “guerras tribais”, estarão os africanos condenados a morrer e matar em nome de Jesus ou de Alá?
O proselitismo agressivo e intolerante vem suplantando o bom senso na África, as seitas vem suplantando o bom senso religioso. As religiões neocristãos estão invadindo como nunca o interior da África. Só para ter uma ideia simples, segundo a Revista África 21 na sua edição de nº48 abril de 2014, em 1910, o cristão da África oscilava entre nove milhões e representavam cerca de 1,4% da cristandade. Um século mais tarde eram mais de 500 milhões ao Sul do Saara, ou seja, mais de metade da população, e 23,6% dos 2500 milhões de seguidores de Cristo católicos, protestantes ou ortodoxos recenseados no mundo. A Nigeria com 80,5 milhões de cristãos, a RDC (61,1) e a Etiópia (56,6) figuram na lista dos Top Ten das nações com maior números de cristãos.
Já no Sul do Saara, a realidade é outra. Local onde os muçulmanos ganham uma força cada vez, a religião Islâmica é a que mais tem crescido no Continente com seus 45% contra os 40% dos cristãos, sem contar os “fundamentalistas e jihadistas islâmicos” segundo dados de World Book Enciclopédia.

Já na África lusófona, a igreja criada pelo brasileiro “Bispo Edir Macedo” em 1977, tem sido a porta de entrada do neocristianismo, com seus templos de fé e cultos financeiros. Por ser à África o menos próspero dos continentes, então tem tudo a ver com o “evangelho da prosperidade”.
Mas, sem deixar o foco, é chegada a hora dos governos africanos de um modo geral, se mobilizarem em torno deste fenômeno que se avizinha em passos largos. Garanto-vos que a África não tem estrutura para abarcar uma guerra entre as religiões freneticamente intolerantes como as que tem hoje. Vivenciamos já uma experiência nada satisfatória na República Centro Africana entre milícias cristãs e os Seleka, e não sabemos se amanhã a Nigéria acordará num Jihad ou, numa fila de inquisição.

Entretanto, a questão não é de ignorar, pois o continente vem ficando cada vez mais polvorizado como nunca. Fome, doenças incuráveis, desnutrição, mortalidade infantil, conflitos tribais ou étnicos, não-desenvolvimento, etc. Basta misturar isto a profunda intolerância entre religiões para assistirmos o fim do Continente Africano e da sua história melancólica.
Lanço aqui um desafio ao governo guineense, no sentido de reunir todas as sinergias possíveis e aplicáveis para estancar qualquer tipo de aviltamento e exaltação religiosa exacerbada dentro dos 36.126 quilómetros quadrados do país, como forma de manter uma boa convivência entre as religiões e homens da Fé. Lembrando que, na Guiné Bissau, as “nossas religiões” são distantes e diferentes mas, nós nos confluímos culturalmente desde os primórdios da Guiné (Helder Vaz).
Mas, de modo geral, infelizmente o Continente Africano está indo de mal a pior, uma situação nada agradável para um continente que já passou por quase tudo. África, que futuro lhe reserva junto da fé antagônica?
Como de habitual, quero terminar este texto com uma frase que julgo expressar melhor a tolerância de modo geral.
“Não concordo com o que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la”. (Voltaire ).

 
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Tamilton Gomes Teixeira
Graduado em Ciências Humanas
Especializando em Sociologia.


UNILAB – Brasil

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