TONY TCHEKA: O RESPIGADOR DO PATRIMÓNIO ARTÍSTICA DA GUINÉ-BISSAU



Tony Tcheka (António Soares Lopes Júnior), natural de Bissau, nascido em Dezembro de 1951, é considerado um dos grandes nomes de referência literária da Guiné-Bissau. Actualmente à frente do programa da UE de apoio aos actores não estatais, o PAANE - «Nô Pintcha Pa Dizinvolvimentu», o poeta e jornalista esteve à conversa com o Diário Digital, que visitou o país durante duas semanas. Ao longo desta estada, foram várias as oportunidades para falar com Tcheka, um activista que não poupa esforços para denunciar os «crimes de lesa-pátria» contra a sua cultura, nem tampouco as atrocidades que ainda hoje são praticadas pela sociedade guineense.
Tcheka, embora tenha viajado pelos quatro cantos do mundo na qualidade de correspondente e analista, acaba sempre por regressar ao seu país-natal. A viver no centro de Bissau, assistiu recorrentemente a todo o aparato militar, à repressão, ao vaivém das ambulâncias, os corpos. Tudo isso ficou cravado na sua memória.
Mas voltando atrás, o poeta teve o fortúnio de ter uma mãe muito conhecedora da cultura guineense e um pai que tinha uma biblioteca em casa e uma grande colecção de vinis. Tony Tcheka foi educado a ler desde muito cedo, e teve a liberdade de poder escolher o que lia.
«Comecei a viajar pelo mundo através dos livros, através de autores brasileiros, italianos, espanhóis», contou ao Diário Digital. E assim abriram-se horizontes e tomou consciência das injustiças. Como recuperador da esparsa produção literária guineense, está a tentar incentivar os mais jovens a interessarem-se pela literatura e, sobretudo, a escrever. E um dos conselhos que mais propaga é que «quem quer escrever deve ler muito».
Devido às décadas de instabilidade política, o legado artístico do país foi sendo paulatinamente dizimado. As manifestações artísticas começam agora, aos poucos, a recrudescer, mas tanto se perdeu que se adivinham muitos anos de trabalho para recuperar todo o espólio que caiu no esquecimento.
Neste âmbito, Tony Tcheka contextualiza que foi convidado pelo primeiro presidente da República da Guiné-Bissau, Luís Cabral, irmão do falecido Amílcar Cabral – que fundou, em 1956, o PAIGC -, a ajudar a recuperar a produção literária, perdida, principalmente após o golpe de Estado de 1998 e 1999, quando o país mergulhou numa sangrenta guerra civil.
O poeta fez referência ao angolano Mário Pinto de Andrade (1928-1990), grande incentivador e divulgador da literatura africana de língua oficial portuguesa. Conhecedor e amante da Guiné-Bissau, onde inclusive viveu, Mário de Andrade fez o levantamento dos poemas até então publicados e reuniu-os numa pequena antologia poética, «Mantenhas para quem luta!» (1977), o primeiro livro a registar o «Massacre de Pidjiguiti», que começou com uma greve de estivadores e marinheiros do porto de Bissau que reivindicavam aumentos salariais. A acção foi violentemente reprimida pelas autoridades coloniais, registando-se mais de 50 mortos e uma centena de feridos. Ficou para a história como um dos grandes momentos da luta de libertação do país.
Durante a permanência na Guiné-Bissau, o jornal apercebeu-se que já começam a haver alguns jovens a ter a possibilidade de viajar para o estrangeiro ao abrigo de protocolos e bolsas, permitindo-lhes adquirir habilitações e abrir horizontes. É que, em boa verdade, encontrar livros no país não é de todo fácil. As bibliotecas que existiam nos tempos colonias foram completamente dizimadas e quase todo o espólio queimado pelos militares para fazer fogueiras. «Foi um crime de lesa-pátria», denuncia Tcheka.

Para inserir os leitores no contexto, Bissau tem apenas duas pequeníssimas livrarias (que funcionam simultaneamente como papelarias), e que têm índole religiosa; uma católica e outra evangelista. Só por isto pode-se avaliar a dificuldade que é encontrar livros no país.
Com fundos da UE, Tcheka publicou «Noites de insónia na terra adormecida» e a antologia poética «Guiné Sabura que Dói» (sabura quer dizer coisa boa), editados em vários países, e ainda a antologia brasileira «No Ritmo dos Tantãs». Tem também vários poemas seus incluídos em colectâneas no estrangeiro.
Fundador da União Nacional de Artistas e Escritores, na década de 1980, ministra na Corubal - Cooperativa de Produção, Divulgação Cultural e Científica oficinas de escrita e produção literária, com o objectivo de favorecer a promoção, uso e apropriação da língua portuguesa, enquanto um meio e um instrumento de produção literária na Guiné-Bissau. Em 2013, a iniciativa contou com a colaboração de José Luís Peixoto.
Mas a Corubal não se cinge à literatura; é muito mais abrangente - visa preservar e divulgar toda a arte que se faz no país, desde a música, à pintura, passando pelo teatro e o artesanato.
Sempre que há feiras de livros na capital, conta Tcheka, «a população fica louca. Os espaços enchem-se, especialmente de jovens, que fazem filas de quilómetros para comprar obras a preços mais baratas». Com o golpe de Estado, diz, «a cultura ficou reduzida ao folclore e ao Carnaval».
Os planos deste poeta e jornalista são ambiciosos. Através desta cooperativa, pretende criar uma biblioteca itinerante para levar a literatura às tabancas, que no crioulo da Guiné-Bissau significa aldeias. É sua intenção ainda, num país com uma baixíssima taxa de alfabetização, levar a cultura às escolas.
Tcheka gostaria de ver a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) a promover a atribuição de bolsas para os mais jovens, a reinserção das crianças nas escolas - por trimestre a propina custa 9.000 Franco CFA (XOF) - o equivalente a cerca de 14 euros -, um valor pouco comportável para muitas famílias, e combater o êxodo escolar.
Esta individualidade transpira um carácter missioneiro. De destacar que já colaborou com várias organizações humanitárias, entre elas a UNICEF. E foi no decorrer da conversa sobre a vontade de ver a CPLP a ajudar o país, que apelou à reinserção das raparigas na escola, uma vez que estas são relegadas em detrimento dos rapazes. Muitas delas, inclusive, salientou, são vítimas de abusos sexuais e, em várias partes do país ainda se pratica a mutilação genital.
Outra das suas vontades é ver implementado um programa de melhoria da dieta nas escolas, introduzindo frutas, legumes e proteínas nas refeições, e ensinar a técnica de conservar os alimentos para que possa haver víveres durante todo o ano. De ressaltar que na Guiné-Bissau é recorrente os adultos ficarem com o melhor da refeição; as crianças são alimentadas com os restos ou a inhame, daí padecerem de múltiplas doenças por subnutrição, nomeadamente anemia e tuberculose - um flagelo no país.
A conversa foi longa e fecunda. Ficamos ainda a saber que há uma elevada taxa de infanticídio. Ainda nos dias de hoje é frequente os bebés mais fracos serem deixados junto ao rio, abandonados à sua sorte. Numa sociedade maioritariamente animista, o povo acredita que os mais fortes terão a capacidade de resistir. 
Além de todos estes projectos em que está envolvido, Tony Tcheka prepara-se para publicar ainda em 2015 duas novas obras, uma de contos sobre os episódios vividos com o 25 de Abril e um romance sobre os tempos coloniais. 
O Diário Digital continuará a publicar ao longo dos dias várias reportagens sobre a realidade deste país.

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