Mais de duas semanas depois de o Presidente, José Mário Vaz, ter demitido o Governo liderado por Domingos Simões Pereira, e mais de uma semana após ter nomeado um novo primeiro-ministro, a Guiné-Bissau permanecia este sábado num impasse político que preocupa quem conhece a história do país, pontuada por golpes de Estado e violência política. A hierarquia militar prometeu às Nações Unidas que se manterá à margem da crise, mas a incerteza permanece.
“É estranho que tenha sido nomeado um primeiro-ministro há uma semana e a isso não tenha sucedido a formação de um Governo. Significa que está a haver dificuldades em encontrar gente para isso”, considera Xavier Figueiredo, director do África Monitor, uma newsletter sobre países africanos lusófonos.
Os olhares estavam este sábado virados para o PRS (Partido da Renovação Social), segunda principal força política, que reuniu a sua comissão política. Um membro do órgão partidário disse à agência guineense ANG que seria decidido viabilizar, ou não, um executivo chefiado por Baciro Djá.
Dirigentes do partido, incluindo o presidente, Alberto Nambeia, e o secretário-geral, Florentino Mendes Pereira, regressaram na sexta-feira da Gâmbia, onde se deslocaram a convite do Presidente Yahya Jammeh, um “amigo próximo” de José Mário Vaz, segundo o jornal The Standard, que poderá ter tentado convencê-los a viabilizar uma solução de Governo.
A meio da semana, fontes da rádio Voz da América em Bissau indicavam que Florentino Pereira, ministro da Energia do executivo demitido, se manteria fiel aos compromissos com Simões Pereira e teria o apoio de uma clara maioria dos 41 deputados do PRS. Mas Nambeia teria dado o seu apoio à decisão de José Mário Vaz de demitir o Governo.
A emissora noticiou também movimentações de bastidores do campo presidencial junto de deputados do PAIGC, que tem 57, e da suposta dificuldades do primeiro-ministro demitido em manter unido à sua volta o partido de que também são militantes José Mário Vaz e Baciro Djá, e cujos órgãos dirigentes consideram estar em curso um “golpe constitucional”.
O executivo chefiado por Simões Pereira, líder do PAIGC (Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde, principal força política) foi demitido a 12 de Agosto. A decisão do Presidente de afastar um Governo com apoio parlamentar alargado e participação das principais forças políticas guineenses foi mal recebida pela generalidade dos partidos e das organizações da sociedade civil.
Com os votos do PAIGC e do PRS, o Parlamento recomendou no início da semana passada a exoneração de Baciro Djá, nomeado pelo Presidente a 21 de Agosto, e pediu ao Supremo Tribunal que se pronuncie sobre a constitucionalidade da nomeação.
Também organizações da sociedade civil agrupadas na Aliança Nacional para a Paz e Democracia entregaram na sexta-feira ao Procurador-Geral da República uma petição em que solicitam um pronunciamento sobre a constitucionalidade, de que duvidam, dos decretos presidenciais que demitiram o Governo e nomearam novo primeiro-ministro.
“Aversão” recíproca
Sem prejuízo de outras motivações, Xavier Figueiredo considera que o Presidente e o primeiro-ministro são “duas pessoas que têm uma aversão enorme um pelo outro” e que a sua “rivalidade” começou a ser notada “muito pouco tempo depois da normalização”. Entenda-se: após as eleições de 2014, que puseram fim ao período de transição após o golpe militar de 2012 e deram a vitória nas legislativas ao PAIGC e nas presidenciais a José Mário Vaz.
“Na Guiné-Bissau, o poder é partilhado, com clara preponderância do primeiro-ministro”, observa o director do África Monitor. “A Constituição atribui alguns poderes de acompanhamento da política do Governo ao Presidente e José Mário Vaz interpreta isso de forma muito lata”.
O actual Presidente, recorda também, não era o preferido por Simões Pereira para a corrida presidencial. O líder do PAIGC, diz, gostaria que o candidato do partido tivesse sido Mário Lopes Rosa, depois ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas no processo de escolha do candidato acabou por ser preponderante a ala que no congresso tinha estado com Braima Camará, então o principal adversário de Simões Pereira, e um dos principais apoiantes de Vaz.
No dia em que demitiu Simões Pereira, para além de atribuir ao Governo “preocupantes sinais” de querer obstruir a actuação da Justiça, José Mário Vaz não escondeu, e escreveu-o no decreto presidencial, as “incompatibilidades de relacionamento institucional” com o primeiro-ministro. Numa entrevista ao jornal cabo-verdiano Expresso das Ilhas, o líder do PAIGC disse que o Presidente não lhe explicou os motivos que o levaram a demiti-lo e atribuiu ao chefe de Estado “uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes”.
Simões Pereira tem dito que só um recuo do Presidente pode resolver de forma rápida a crise e admitiu que o PAIGC, que inicialmente insistiu no seu nome, pode propor outros políticos para a chefia do Governo. “Se o problema é o relacionamento entre o Presidente e Domingos Simões Pereira, o PAIGC, ouvidas as suas estruturas, tem outras soluções”, disse numa entrevista à Voz da América.
Na ausência de uma solução negociada, no plano das hipóteses, caso o Parlamento mantenha a firmeza que tem revelado na oposição às iniciativas presidenciais, um Governo de Baciro Djá chocaria com a rejeição dos deputados e poderia levar a novas eleições. José Mário Vaz poderia também dissolver a Assembleia Nacional Popular, precipitando novas eleições. Só que a comunidade internacional poderá não estar disposta a pagar nova ida às urnas, pouco mais de um ano após a última consulta.
Os apelos ao bom senso têm-se sucedido, interna e externamente. Uma delegação de chefes religiosos da Igreja Católica, das comunidades muçulmana e evangélica reuniu-se, separadamente, com Simões Pereira e com José Mário Vaz.
Na sexta-feira, as Nações Unidas apelaram às forças políticas para seguirem a via do diálogo de modo a pôr fim à escalada de luta pelo poder que ameaça a estabilidade do país. O Conselho de Segurança ouviu o representante do secretário-geral em Bissau, Miguel Trovoada, dizer que as Forças Armadas se comprometeram formalmente a manter a neutralidade na actual crise política.
Trovoada lembrou aos membros do Conselho de Segurança que o Governo demitido “era inclusivo e composto por representantes de quase todos os partidos da Assembleia Nacional Popular, o que lhe assegurava uma confortável base de apoio”. “Parecia que estavam criadas as principais condições para um quadro de estabilidade política favorável a um adequado funcionamento do Estado.” Menos diplomático tinha sido o Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, que quando soube da nomeação de Baciro Djá disse que apenas “piorou a situação política”.
“Aversão” recíproca
Sem prejuízo de outras motivações, Xavier Figueiredo considera que o Presidente e o primeiro-ministro são “duas pessoas que têm uma aversão enorme um pelo outro” e que a sua “rivalidade” começou a ser notada “muito pouco tempo depois da normalização”. Entenda-se: após as eleições de 2014, que puseram fim ao período de transição após o golpe militar de 2012 e deram a vitória nas legislativas ao PAIGC e nas presidenciais a José Mário Vaz.
“Na Guiné-Bissau, o poder é partilhado, com clara preponderância do primeiro-ministro”, observa o director do África Monitor. “A Constituição atribui alguns poderes de acompanhamento da política do Governo ao Presidente e José Mário Vaz interpreta isso de forma muito lata”.
O actual Presidente, recorda também, não era o preferido por Simões Pereira para a corrida presidencial. O líder do PAIGC, diz, gostaria que o candidato do partido tivesse sido Mário Lopes Rosa, depois ministro dos Negócios Estrangeiros. Mas no processo de escolha do candidato acabou por ser preponderante a ala que no congresso tinha estado com Braima Camará, então o principal adversário de Simões Pereira, e um dos principais apoiantes de Vaz.
No dia em que demitiu Simões Pereira, para além de atribuir ao Governo “preocupantes sinais” de querer obstruir a actuação da Justiça, José Mário Vaz não escondeu, e escreveu-o no decreto presidencial, as “incompatibilidades de relacionamento institucional” com o primeiro-ministro. Numa entrevista ao jornal cabo-verdiano Expresso das Ilhas, o líder do PAIGC disse que o Presidente não lhe explicou os motivos que o levaram a demiti-lo e atribuiu ao chefe de Estado “uma vontade desmedida de chamar a si todos os poderes”.
Simões Pereira tem dito que só um recuo do Presidente pode resolver de forma rápida a crise e admitiu que o PAIGC, que inicialmente insistiu no seu nome, pode propor outros políticos para a chefia do Governo. “Se o problema é o relacionamento entre o Presidente e Domingos Simões Pereira, o PAIGC, ouvidas as suas estruturas, tem outras soluções”, disse numa entrevista à Voz da América.
Na ausência de uma solução negociada, no plano das hipóteses, caso o Parlamento mantenha a firmeza que tem revelado na oposição às iniciativas presidenciais, um Governo de Baciro Djá chocaria com a rejeição dos deputados e poderia levar a novas eleições. José Mário Vaz poderia também dissolver a Assembleia Nacional Popular, precipitando novas eleições. Só que a comunidade internacional poderá não estar disposta a pagar nova ida às urnas, pouco mais de um ano após a última consulta.
Os apelos ao bom senso têm-se sucedido, interna e externamente. Uma delegação de chefes religiosos da Igreja Católica, das comunidades muçulmana e evangélica reuniu-se, separadamente, com Simões Pereira e com José Mário Vaz.
Na sexta-feira, as Nações Unidas apelaram às forças políticas para seguirem a via do diálogo de modo a pôr fim à escalada de luta pelo poder que ameaça a estabilidade do país. O Conselho de Segurança ouviu o representante do secretário-geral em Bissau, Miguel Trovoada, dizer que as Forças Armadas se comprometeram formalmente a manter a neutralidade na actual crise política.
Trovoada lembrou aos membros do Conselho de Segurança que o Governo demitido “era inclusivo e composto por representantes de quase todos os partidos da Assembleia Nacional Popular, o que lhe assegurava uma confortável base de apoio”. “Parecia que estavam criadas as principais condições para um quadro de estabilidade política favorável a um adequado funcionamento do Estado.” Menos diplomático tinha sido o Presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, que quando soube da nomeação de Baciro Djá disse que apenas “piorou a situação política”.
Fátima Proença, directora executiva da ACEP (Associação para a Cooperação entre os Povos), organização com programas e projectos na Guiné-Bissau, considera “incompreensível” o que tem ocorrido em Bissau. “Olho com enorme preocupação e com alguma revolta para o que está a acontecer: as pessoas que apostaram na construção de um futuro para o país não mereciam isto, as pessoas que agora tinham água e luz também não mereciam isto. Há uma esperança que é completamente torpedeada”.
“Não está em causa apoiar o Governo ou primeiro-ministro. As pessoas podiam ser críticas do Governo mas ninguém punha em causa que o país estava a mudar” ”, afirma a dirigente associativa, que tem uma relação muito próxima com a Guiné-Bissau desde os anos 1980.
Numa análise publicada pelo África Monitor, Guilherme Dias escreveu que “se a curto prazo esta nova crise mergulha novamente o país na incerteza, a sua resolução pode finalmente responder à pergunta que se impõe — quem é o chefe em Bissau?”
Numa análise publicada pelo África Monitor, Guilherme Dias escreveu que “se a curto prazo esta nova crise mergulha novamente o país na incerteza, a sua resolução pode finalmente responder à pergunta que se impõe — quem é o chefe em Bissau?”
(João Manuel Rocha)
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