O Secretário Executivo da Organização de Aproveitamento para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG), o guineense Justino Vieira, revelou à Grande Entrevista do semanário “O Democrata” que a “barragem hidroeléctrica de Kaleta entrará em funcionamento em Agosto de 2015”. Segundo o Secretário Executivo da OMVG contou igualmente que a construção da barragem é financiada a cem por cento pela República vizinha da Guiné-Conakry, que decidiu endividar-se junto do Exibin Bank da China.
Este responsável disse, durante a entrevista, que a dívida atrasada da Guiné-Bissau junto aquela organização se estima em mais de dois biliões de Francos CFA. Informou ainda que a sua organização leva a cabo um outro projecto de construção da barragem de Sambagalou (Senegal) que terá uma capacidade de produção avaliada em 128 megawatts.
Justino Vieira assegurou que a construção das barragens hidroeléctricas no Senegal e na Guiné-Bissau não põe em risco o futuro da barragem de Kaleta, mas sim vai ajudar os países membros da organização a beneficiarem, ou melhor, a colmatar as suas necessidades em termos de consumo de energia. O responsável da OMVG contou que a sua organização vai apoiar as autoridades guineenses na construção da barragem de Saltinho.
“O Democrata” (OD): A construção da barragem eléctrica de Kaleta na Guinée-Conakry é um projecto que envolve quatro países, designadamente a própria Guinée-Conakry, a Guiné-Bissau, a Gâmbia e o Senegal. O financiamento da construção da barragem é assegurado por esses quatro países ou existe um potencial financiador?
Justino Vieira (JV): A barragem de Kaleta está situada no rio Konkouré na República da Guinée-Conakry. Quero explicar aqui que essa barragem foi financiada exclusivamente pela República da Guinée-Conakry. E como se sabe, o rio Konkouré é um rio inteiramente daquele país vizinho. O rio nasce e desagua na Guinée-Conakry, mas pela vontade da cooperação sub-regional, esse sítio do rio esteve sob alçada da Organização para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG). A nossa organização tomou o engajamento de fazer todos os estudos detalhados de caderno de encargos, estudos ambientais e entre outros a fim de permitir que a Guinée-Conakry pudesse lançar a construção da barragem de Kaleta em 2012.
OD: A Guinée – Conakry financiou integralmente a construção da barragem. Isto quer dizer que em termos de ganhos e lucros, receberá cem por cento dos lucros provenientes da receita de fornecimento de energia?
JV: Não vai receber os cem por cento de lucros proveniente de venda da energia. Como se registou um grande atraso na construção da barragem devido a falta de financiamento, e tendo em conta a necessidade enorme de energia elétrica que se faz sentir ao nível da sub-região, fez com que a Guinée-Conakry decidisse endividar-se sozinha junto da Exibin Bank da China de forma a poder construir a barragem.
Conakry conseguiu endividar-se em 85 por cento do orçamento total da construção da barragem junto do banco chinês, como também decidiu financiar os restantes 15 por cento do custo da construção da barragem. Isto significa dizer que foi a Guinée-Conakry que financiou a cem por cento a construção da barragem de Kaleta.
OD: Qual é a estimativa do custo total da construção da barragem de Kaleta?
JV: O custo total da construção de barragem se estima em 500 milhões de dólares norte-americanos, dos quais 85 por cento são assegurados pelo banco chinês (Exibin Bank) e que deverá ser reembolsado com os lucros provenientes de venda da energia elétrica e o restante 15 por cento do orçamento é financiado pelas autoridades conakry-guineense.
OD: Há uma quota instaurada pela organização que cada país membro deve custear conforme o período acordado. Será que a Guiné-Bissau tem cumprido regularmente com o pagamento das suas quotas?
JV: Infelizmente o nosso país tem problemas sérios com o pagamento das quotas. Não estamos a cumprir com o pagamento das quotas regularmente em termos de contrapartidas do projeto e de funcionamento do mesmo, pelo que o atrasado da Guiné-Bissau em termos de pagamento das quotas se estima em um bilião e trezentos milhões de francos CFA.
O governo de transição, através de uma iniciativa do Presidente de Transição, Serifo Nhamadjo, desembolsou um valor de 200 milhões de Franco CFA para pagar a dívida do país. O actual governo liderado por Domingos Simões Pereira, pagou recentemente uma soma total de 427 milhões de Francos CFA. Isto tudo no sentido de liquidar a dívida da Guiné-Bissau, o que mostra o interesse do país em ultrapassar esse problema.
A OMVG tem muitos projectos, ou seja, várias actividades, pelo que o orçamento aprovado este ano obriga os países membros da organização à contribuírem com um montante de 356 milhões de francos CFA. Temos ainda outros projectos que serão desenvolvidos, pelo que os países membros serão obrigados a entrar com mais contribuições.
Para o ano 2015, a dívida da Guiné-Bissau vai ser estimado em mais de dois biliões de francos CFA (2.805.847.421 FCFA). Esse montante inclui todas as contribuições que o país deve avançar a semelhança de outros, em relação a diferentes projetos ou actividades levadas ao cabo pela organização.
OD: Qual é a medida aplicada pela organização aos países membros que não têm a quota em dia?
JV: A medida é sensibilizar os países pela pertinência dessas infrasestruturas implementadas pela organização e não só, como também a vantagem das suas contribuições que irão permitir a organização trabalhar afincadamente para o desenvolvimento do projecto. A organização tem ainda um outro projecto que é a construção da barragem de Sambagalou no Senegal e a criação de uma linha de Interconexão de energia, que terá a capacidade de trânsito de 800 mega watts.
OD: A barragem de Kaleta está na fase avançada de construção. Quando é que entrará em funcionamento para o fornecimento da energia eléctrica?
JV: A barragem de Kaleta deve entrar em funcionamento em Agosto de ano 2015. Mas vai fazer a evacuação apenas para a Guinée-Conakry, porque mesmo ao nível daquele país se regista o problema da rede interna de distribuição da energia. Todos os países membros da organização devem esforçar-se para regularizar a situação da linha interna de distribuição da corrente, mas particularmente a Guiné-Bissau que deve fazer o esforço no máximo para que a linha interna seja financiada e construída.
E quanto ao trânsito, ou seja, a linha de transporte é bom lembrar que o país conseguiu assinar em Março último um acordo com o Banco Mundial. O acordo que visa o financiamento de troço de 218 quilómetros que atravessa a fronteira da Guiné-Bissau até ao norte junto a fronteira com o Senegal.
O Banco Mundial decidiu financiar com um valor de 78 milhões de dólares norte-americanos para a construção da rede de interconexão, que permitirá a evacuação da energia produzida de Kaleta para a Guiné-Bissau no horizonte do fim de 2017 a 2018.
Além da linha de interconexão, o Banco Mundial também contempla o financiamento de duas subestações de transformação de corrente eléctrica de 225 a 230 kilowatts (kw). As duas subestações de transformação da energia permitirão que a distribuição da corrente seja feita na Guiné-Bissau com esse nível de tensão.
OD: Qual é a capacidade prevista de produção da barragem de Kaleta em megas?
JV: A capacidade de produção da barragem em termos da potência instalada é de 240 mega watts. O que interessa aqui é a energia que vai produzir. Essa energia é estimada em 946 gigawatts por hora. O primeiro grupo da barragem entrará em serviço a 31 de Maio do ano em curso e o último grupo vai começar a funcionar no mês de Agosto, com a capacidade de produzir 240 mega watts.
Desses 240 mega watts de energia, 70 por cento vai exclusivamente para o consumo da Guinée-Conakry. Os restantes 30 por cento são para os outros três países membros da organização, através de um formato de distribuição definido.
OD: Como será processada a distribuição da parte restante dos 30 porcento de energia hidroeléctrica da barragem de Kaleta ao nível dos três países restantes e membros da organização?
JV: As quotas de energia hidroeléctrica de Kaleta para cada um dos três países membros da organização é feita da seguinte forma: a Guinée-Conakry ficará com (168 megawatts – 662 gigawatts por hora); a Gâmbia receberá, (14,4 MW – 57 GWh); a Guiné-Bissau recebe (9,6 MW – 38 GWh) e o Senegal fica com o consumo de (61,4 MW – 194 GWh).
Também já fizemos a repartição da energia hidroeléctrica que será produzida pela barragem de Sambagalou (Senegal) que terá uma capacidade de produção avaliada em 128 megawatts. Senegal recebe (61,4 MW – 194 GWh); Gâmbia leva (23 MW – 72 GWh); Guinée-Conakry vai tomar (25,6 MW – 80 GWh) e a Guiné-Bissau fica com (18 MW – 56 GWh).
Quero aproveitar para informar que a energia hidroeléctrica das duas barragens permitirá a Guiné-Bissau satisfazer entre 36 a 37 por cento da sua demanda em electricidade a um preço muito competitivo, a partir do segundo semestre de 2017 e primeiro trimestre de 2018.
Aliás, como se sabe, está-se a trabalhar no projecto da linha de interconexão que terá a capacidade de trânsito de 800 mega watts. Portanto, essa linha permitirá importar ou exportar a corrente electrica que será produzida através da barragem de Kaleta e da barragem de Sambagalou no Senegal, no quadro da Organização de Aproveitamento para a Valorização do Rio Gâmbia (OMVG).
Então, se a Guiné-Bissau, a Gâmbia ou o Senegal implementarem uma barragem térmica nos respectivos territórios, a energia produzia naquela barragens poderá ser evacuada através dessa linha de interconexão.
Para além de ligação da linha feita para os quatro países membros da organização está-se a pensar ainda numa linha de conexão que fará a ligação com a sub-região, a fim de permitir que os países interessados beneficiem da energia.
OD: As autoridades da Guiné-Bissau estimaram um montante de mais de 100 milhões de dólares norte-americanos para a construção da rede de distribuição da energia. O custo da construção da rede interna de distribuição da energia será assumido integralmente por cada país ou haverá uma contribuição da organização no sentido de apoiar os países membros?
JV: Na verdade este é o custo estimado pelas autoridades da Guiné-Bissau para a construção da linha interna. No que diz respeito a OMVG é que nós temos a responsabilidade de construir 1.677 km (mil e seiscentos e setenta e sete quilómetros) de linha internacional que ligará os quatro países da organização que terá uma capacidade de trânsito de 800 mega watts.
Eu sei dos esforços que foram feitos pelas autoridades da Guiné-Bissau para a construção da rede interna de distribuição da energia. Tivemos reuniões com diferentes ministérios, portanto registamos os esforços que estão a ser empreendidos neste sentido. Então, respondendo a sua questão devo informar que o custo da linha interna é assumido integralmente por cada país membro.
Nós podemos fazer o lóbi junto dos doadores internacionais no sentido de apoiarem os projectos apresentados pelos países membros. Quero informar da disponibilidade do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e da União Europeia (UE) em apoiar a Guiné-Bissau na construção da rede interna de transporte e de distribuição de energia eléctrica.
OD: Quem vai gerir a barragem de Kaleta é a OMVG ou será criada uma empresa para o efeito?
JV: Em termos de gestão da linha de interconexão é uma empresa privada que será encarregada deste trabalho.
OD: Já se fez o concurso para a escolha da empresa?
JV: Sim. Já fizemos o concurso para a escolha da empresa gestora. Mas, primeiro há que fazer uma avaliação prévia. E neste momento estamos na fase de avaliação das empresas que vão construir a linha antes do gestor da linha propriamente dito. Quanto à avaliação da linha vão participar todas as empresas do mundo.
Neste momento temos por volta de trinta a quarenta consórcios de empresas interessadas em participar na construção dessa linha. Talvez daqui a meses de Maio e Junho próximos podemos estar em condições de começar a requalificação das empresas concorrentes antes do concurso propriamente dito, para permitir que os trabalhos se inicie em Novembro ou o mais tardar até Dezembro 2015 com a duração de dezoito meses.
Portanto, se fizermos os cálculos, podemos concluir que a entrada em serviço dessa linha de interconexão terá lugar em finais de 2017 e princípio de 2018.
OD: O concurso inclui também a participação dos países membros da organização?
JV: Não. Em detalhes talvez as empresas privadas dos países membros. Mas que eu saiba vários países incluindo os da sub-região estão interessados em participar com subempreiteiros ou mesmo com empresas de construção no projecto. O importante é que o concurso está aberto a todas as empresas que se sintam capacitadas para construções desta natureza.
OD: A energia produzida a partir da barragem Kaleta é apenas para os estados membros ou abre-se possibilidades a outros países?
JV: Primeiro, todos os países são deficitários. A prioridade vai com certeza para o consumo interno entre países membros da OMVG e depois para exportação. O potencial hidro-eléctrico da Guiné-Conacri dá para exportar. Contudo, reconhecemos que as duas barragens (Kaleta e Sambagalou 368 mega watts) não são suficientes para os países membros, mas graças a Deus há outros sítios potenciais. Entre estes pequenos sítios potenciais, podemos referir Saltinho na Guiné-Bissau e outros. Maiores sítios são: Suapitia Maria e Grankinkom na Guiné-Conacri, que podem, uma vez realizados os projetos, permitir aos países membros da OMVG, sobretudo a Guiné-Conacri, exportar energia e com a possibilidade de outros Estados como a Guiné-Bissau importar a energia de onde ela vier e se for mais barata.
OD: Já se fez uma avaliação sobre o impacto ambiental e social (dois elementos chaves) para a construção da linha de transporte da energia – O que é que o estudo recomenda por exemplo, neste sentido?
JV: O estudo ambiental por exemplo, foi um trabalho detalhado, bem feito e aprovado pelos países membros e pelas organizações da conservação da natureza inclusive UICN, WWF, WETLANDS, bem como outras organizações de proteção ambiental. A recomendação que sai depende de cada e dos impactos ambientais em cada país. O que significa dizer que houve recomendações precisas para cada país. No caso concreto da Guiné-Bissau, temos quatro postos de transformação: Saltinho, Bambadinca, Mansoa e Bissau mas, sobretudo o posto de Bissau. Já há uma indeminização a pagar ao proprietário deste poste de transformação de Antula. Uma das primeiras exigências é indemnizar essas pessoas antes do início dos trabalhos. Já temos um calendário de execução e o governo da Guiné-Bissau deve compensar essas pessoas o mais tardar até Junho a Julho deste ano para que os trabalhos possam começar em Novembro ou Dezembro de 2015.
OD: Neste momento se perspectiva a construção de mais barragens no Senegal e não só, como também na Guiné-Bissau, em Saltinho. Isso não põe em causa o futuro da barragem de Kaleta ou será que temem que depois a barragem de Kaleta não venha a ter a capacidade de corresponder as suas necessidades?
JV: Não, a barragem de Kaleta é apenas uma gota de água de 240 mega Watt, que durante a época seca não produz para além de 60 megas. Devem ser construídas outras barragens hidroeléctricas e térmicas. Neste momento alguns países da sub-região como Senegal e Guiné-Conacri, mas também a Guiné-Bissau, têm um plano conjunto para construir barragens e centrais térmicas. Uma vez construídas essas barragens, teremos uma linha que será linha facilitadora para o transporte de energia e colocá-la onde a população quiser. Portanto será uma vantagem, visto que, a nossa linha tem a capacidade para transportar 800 mega Watts.
OD: A construção da barragem de Saltinho contará com apoio de alguém?
JV: Sim. Estamos avançados nesse processo. O Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) foi informado e está a tomar as diligências necessárias para o financiamento do estudo. O estudo de que estou a falar foi feito nos anos 80 e deve ser atualizado, sobretudo a sua parte ambiental deve ser feita de novo de A a Z. Para que Saltinho seja rentável está prevista a construção de uma barragem a montante (nascente), na Guiné-Conacri, para regular o caudal do mesmo rio que na Guiné-Bissau chamamos de Rio Corubal e na Guiné-Conacri Coliba, que pode aumentar a capacidade de Saltinho em 25 por cento em termos da energia e também em termos de rentabilidade económica.
OD: Em termos de conclusão tem informação que pode avançadar em relação a essa matéria?
JV: Tenho várias informações. Por exemplo, não falamos da parte agrícola do vale de Geba. Toda uma visão de como podemos aproveitar a água de Geba.
OD: Então, a OMVG tem em mão um projecto sobre o aproveitamento do Vale do Rio Geba?
JV: Já temos projetos inclusive um caderno de encargos para o projecto da construção da barragem de Campossa em Bafatá (leste do país), a fim de aproveitar a água do Vale do rio Geba. Essa barragem multifuncional que se prespectiva construir em Campossa, terá a capacidade de acumular quatro milhões de metros cúbicos de água. Sendo uma barragem multifuncional torna-se salutar aproveitar essa água para a questão ambiental.
Como é de conhecimento de todos, o Rio Geba vem sendo ameaçado pela intrusão salina e a primeira preocupação é estancar esse avanço da água salgada. Fizemos todos os modelos táticos e a conclusão aponta que não vamos utilizar 94 milhões de metros cúbicos de água para irrigação e teremos que deixar pelo menos 30 a 40 milhões de metros cúbicos para estancar o avanço da água salgada e a outra parte vai beneficiar o país na recarga do lençol friático. Como se sabe a região leste é uma zona de concentração de animais. Temos que pensar na água de consumo humano e do gado. Temos igualmente de pensar no lençol friático bem como criar um microclima que possa ajudar nas diferentes intervenções que vão ser feitas na construção de barragens no país.
Para além de aproveitamento do vale de Geba, temos outros dezoito sítios sobre o afluente do Rio Geba, que vão ser feitos num período de 15 anos para a produção agrícola, abeberamento do gado, lençol friático de estanque de água salgada e outras produções agrícolas. Portanto é o país que assume o custo de tudo isso.
Por: Assana Sambú / Filomeno Sambú
Nenhum comentário:
Postar um comentário