A Mesa Redonda com os Parceiros correu muito bem. Foram mobilizados mais de 1.5 mil milhões de euros. São números expressivos. A nossa dívida externa perdoada em 2011 andava a volta de mil milhão de dólares americanos. Portanto, a Delegação da Guiné-Bissau à Mesa Redonda, em particular o Governo e o seu Primeiro-ministro, estão de parabéns pelos resultados alcançados. Obrigado aos parceiros e aos Chefes de Estado, no caso o Presidente Macky Sall do Senegal, e amigos da Guiné-Bissau que nos apoiaram, se deslocando ou não a Bruxelas.
Não é a primeira Mesa Redonda que o país organiza, mas é aquela que teve mais impacto mediático e que mais expetativas, induzidas ou espontâneas, gerou na nossa população. Não adianta dominar a queda. No imaginário dos guineenses e residentes no país, incluindo o autor destas linhas, mesmos os mais informados ou reticentes, os resultados alcançados na Mesa Redonda são a única luz ao fundo do túnel a curto prazo.
Com efeito, organizamos e conseguimos bons resultados na Mesa Redonda. Isso é muito bom para o nosso ego colectivo de momento. Diga-se, no entanto, que a realização da Mesa Redonda é uma das etapas de um longo e complexo processo de diálogo com os parceiros no quadro da construção de parcerias diversas, com objetivos variados, nomeadamente o desenvolvimento económico e social, a segurança nacional e internacional, a promoção e protecção dos direitos humanos, o combate ao crime organizado e aos tráficos diversos.
Se mobilização geral houve em apoio ao Governo, com algum folclore incluído, mais ainda se exige e se espera para a fase de desembolso de fundos em que entramos, sobretudo dos donativos, que só por tradição guardam esse nome.
Diz-se que não há almoços gratuitos. E nas relações entre Estados muito menos ainda. Em assuntos de Mesa Redonda, os parceiros têm algumas semelhanças com os bancos. Quando pedimos um empréstimo, a resposta imediata do banco é normalmente positiva. Segue-se a fase de montagem do dossiê de crédito. Nesta fase, se não conseguirmos o crédito, a culpa não será do banco. Nós é que não fomos capazes de cumprir com as suas exigências, o banco até queria emprestar-nos muito dinheiro.
Com efeito, o nível de mobilização da Comunidade internacional, a logística montada pela União Europeia e os meios financeiros disponibilizados para pagar as contas da Mesa Redonda, prenunciam a “factura” a apresentar ao país, repito, ao país, e não ao Governo, para desembolsar os fundos prometidos.
Mais que nunca, o entendimento entre os partidos políticos para assegurar um clima de estabilidade política e governativa é necessário para a fase em que entramos. Condicionalismos não serão poucos e nem leves. Não é de excluir que nos peçam coisas que dificilmente podemos oferecer. A Mesa Redonda para reconstrução de Gaza ainda não deu praticamente em nada porque os parceiros estão a pedir o controlo do Hamas, coisa que Autoridade Palestiniana não pode dar.
Não tenhamos dúvidas. As reformas que o país terá de empreender na administração civil e militar, no sector privado, no sector da defesa e da segurança, na justiça, com destaque para certos pendentes, uns evidentes outros nem tanto, não serão um empreendimento que possa ser assumido por um só partido. Só uma ideia de partilha de responsabilidades e de riscos inerentes às reformas difíceis poderá confortar um passo nessa direcção.
A necessidade de mobilizar massivamente no curto prazo os fundos prometidos, para evitar que o sucesso da Mesa Redonda se transforme num fantasma para o Governo, implicará pôr a máquina reformista a funcionar a uma velocidade de cruzeiro. Ora, como todos nós sabemos, a pressa é inimiga da perfeição. As reformas em perspectiva são melindrosas e serão dolorosas como quaisquer reformas. Envolvem interesses diversos, muitos deles difusos. Ainda pairam algumas zonas de sombra em relação a certos assuntos ou dossiês. A Revisão constitucional não se anuncia pacífica. O processo de reconciliação nacional cuja Comissão Eventual foi reativada pela Assembleia Nacional Popular se apresentará longo e complexo.
Não deve ter sido difícil ao Governo organizar a Mesa Redonda praticamente sozinho, tendo contado na parte final com a mobilização emotiva dos outros órgãos da soberania e da sociedade civil em geral. Ainda estávamos na fase do Programa Menor, agora entramos na fase do Programa Maior, onde sozinho o Governo dificilmente conseguirá cumpri-lo.
As reformas não se farão sem o apoio inequívoco dos partidos, fora e dentro do parlamento; da Presidência da República e da sociedade civil em toda a sua dimensão. Será necessário o envolvimento sério de actores internacionais da sub-região, empreitada do Presidente da República; de alguns parceiros da CPLP, ainda não se sabe quem os mobilizará, se Portugal ou se Cabo Verde. A União africana, esta tem pouco peso no assunto de dinheiro, sobretudo quando o país não está sob sanções. O sistema das Nações Unidas é muito nebuloso e lento. Não estando igualmente o país sob sanções do Conselho de Segurança, tudo se processará a nível bilateral. As influências irão se jogar junto dos Administradores durante o processo de desbloqueamento de fundos do Banco Mundial (BM) e do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD). Com o Banco Oeste Africana de Desenvolvimento (BOAD), instituição autónoma da União Económica e Monetária Oeste Africana (UEMOA), será relativamente mais fácil. É um banco mais ao alcance da sub-região, ainda que tenha também capitais estrangeiros.
Por fim, e não menos importante, é a União Europeia, que está sob maior influência de Portugal. A Guiné-Bissau ainda não é suficientemente crescida e organizada para furar o respaldo persistente da divisão da áfrica de 1884/85.
No entanto, e apesar das dificuldades do processo, nada de criação de fantasmas. Nada de dizer que esta é a última oportunidade da Guiné-Bissau, porque não existem últimas oportunidades para Estados. Existimos há apenas 40 anos. Outros países têm 9 Séculos. Partimos praticamente do zero em termos de recursos humanos, a melhor riqueza que um país pode ter. Estamos a fazer paulatinamente o nosso caminho, e em muitos aspectos com ganhos importantes, apesar de acidentes de percurso, normais num país com as nossas características e que carrega um passado de guerras e conflitos diversos.
Portanto, se tudo isso não resultar, e não nos derem um tostão do prometido na Mesa Redonda, não será por causa disso que o mundo desabará sobre nós. Se for porque na montagem dos dossiês de desembolso, os condicionalismos impostos não correspondem aos nossos interesses como um povo, com uma história, tradição e cultura, as autoridades terão cumprido com dignidade o seu dever e não terão traído o seu povo. Que Deus nos abençoe e livre de mufunessa!
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