ENTREVISTA COM O DR. ERNESTO DABO


Dr. Ernesto Dabo


1-Conosaba: Vive na Guiné-Bissau, mas está constantemente viajando pelo mundo. Que retratos tem do país, antes, agora e que perspectivas?
Ernesto Dabo: Se tivermos em conta que fomos uma colónia durante quase cinco seculos e que dessa colonização herdamos apenas um liceu e menos de um porcento da população inserido num sistema educativo (colonial), creio que hoje podemos assumir que evoluímos significativamente. O indicador principal disso no presente, é o facto de em menos de 50 anos de construção do nosso Estado, termos uma nova geração de dirigentes políticos formados no pós independência, com elevada qualidade e, no exterior, centenas de quadros oriundos dos nosso país brilham em diversos países mais desenvolvidos.
Quanto a perspectivas, estou convencido de que, tal como estamos a consolidar a estabilização do país, assim conseguiremos desenvolve-lo: com dialogo, trabalho, inclusão e patriotismo.
2-Conosaba: De sua infância em Bolama, adolescência e juventude em Portugal, aos tempos de hoje, que balaço faz do seu percurso como activista, intelectual, escritor? Sabe que é visto como uma referencia destacada e muito respeitada no mundo da cultura? Sente-se reconhecido pela Guiné-Bissau?
ED: Julgo que esta questão deve ser colocada de outro modo, porque a entendo como uma questão a responder pela sociedade, visto que, como cidadão que sou, cabe a sociedade avaliar o meu percurso e não eu autoavaliar-me. Mas no tocante a reconhecimento, lhe digo que da parte do poder se acontecer, aconteceu. Do lado da sociedade guineense, observo com desmedida felicidade o carinho com que recebem as minhas criações e, por consequência, a estima que os meus compatriotas me manifestam dentro e fora do país. Nenhum reconhecimento se pode igualar a esse.
Para mim, o mais justo, essencial e dignificante acto de reconhecimento a que o nosso Estado deve proceder, é o de criar o MUSEU DA LUTA DE LIBERTAÇÃO NACIOAL, o mais urgentemente possível. Acho que nem vale a pena fundamentar as razões desta razão. 
3-Conosaba: Ernesto Dabo consta que faz parte dos primeiros promotores da africanização da música moderna guineense, com José Carlos, Aliu Bari e outros. Importa-se de retratar-nos essa época, uma vez que, não era fácil?
ED: Essa era a época da Luta Armada de Libertação Nacional. Numa situação de guerra, municiar consciências com um repertorio e género musical que contrariava as intenções do inimigo, naturalmente implicava riscos de todo o tipo. Mas, o importante foi o termos conseguido fazer o que fizemos.
4-Conosaba: Sente-se mais jurista ou homem totalmente entregue à causa, designadamente da cultura?
ED: Estudei direito e como profissional trabalhei na função publica como jurista. O meu estatuto profissional é apenas mais um componente da minha identidade cultural, enquanto ser humano e cidadão.
5-Conosaba: qual a sua visão da importância para a conscientização da sociedade e a importância pro-activa da cultura como nossa identidade e para a construção de um “homem novo”?
ED: Segundo Amílcar Cabral, a luta de libertação “é um acto de cultura e um factor de cultura”. Sendo a libertação um complexo e infinito processo, me parece que todas as etapas de sua conquista assim devem ser entendidas. Poderes que não defendem e promovem a cultura nacional, podem conseguir o maior crescimento possível, mas jamais oferecerão desenvolvimento às respectivas sociedades, porque desenvolvimento “é um acto de cultura e factor de cultura”.
6-Conosaba: Será que os criadores culturais tiveram e têm alguma importância depois da nossa independência?
ED: Se friamente analisarmos estas quatro décadas de vida do nosso Estado, julgo que se poderá concluir que o sector artístico e literário do país, foi o mais determinado e consequente no combate a desvios, corrupção, assassinatos, golpes, impunidade e outros males que vivemos. Em todas as disciplinas artísticas e literárias, há registos de manifestações de repulsa e combate a esses dramas vividos pela sociedade guineense.
O mais seguro indicador da mediocridade de um regime, dirigente ou responsável, é o de subestimar a importância do papel dos homens da cultura para o avanço da sociedade.

7-Conosaba: Consta que o angolano Mário Pinto de Andrade, foi Ministro da Cultura na Guiné-Bissau. Que memórias tem dessa eminente figura da cultura mundial e do seu mandato?
ED: Depois do DR. Mário de Andrade, ninguém mais conseguiu dignificar, defender e promover a cultura nacional como ele o fez, na condição de dirigente político. Apesar de só termos a aprender com ele, instituiu um mecanismo de diálogo permanente com os agentes culturais, cujos frutos foram diversos e estruturantes para as actividades artísticas e literárias no país. Ensinou-nos a intercambiar com humildade, solidariedade e autoestima. 

8-Conosaba: Considera que hoje, nesta fase geracional do poder, haver uma nova visão, nova dinâmica e horizonte politico por parte deste governo? Merece o seu apoio?
ED: Acho que, só o facto de haver uma nova geração no poder, significa, naturalmente, nova visão, nova dinâmica e novo horizonte no comando político do país. Aqui, apraz-me saudar o primeiro e maior resultado da conjugação de todos esses atributos do presente Governo, que são os resultados, acima dos esperados, consequentes da realização da Mesa Redonda. E, também me merece saudação o acentuado caracter inclusivo que norteou a preparação da Mesa Redonda. 
Em menos de um ano de Governação, conseguir baixar significativamente a tensão no país, merecer tamanha confiança da comunidade internacional, expressa pelos apoios prometidos em Bruxelas, julgo serem fortes razões para apoiar o Governo. A meu ver, esse apoio deve implicar também, que cada cidadão se autoavalie para saber o que fez e pode fazer para que a governação seja cada vez melhor e preferir o sentido crítico na sua relação com os actos e ideias do Governo e governantes, porque estamos todos no mesmo barco. 
11-Conosaba: CPLP e a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental são parceiros incontornáveis da Guiné-Bissau?
ED: A pertença a essas organizações são mais-valias incomensuráveis, a explorar com competência e estrito respeito pelos princípios que os norteiam. 
Em ambas as organizações exercemos parcerias com os seus membros, que devem ser cada vez mais incentivadas e fraternas.
12-Conosaba: Para terminar, para si, Barack Obama é o novo messias?
ED: Para mim é um HOMEM para lá desta época.
Fim

BIOGRAFIA
Ernesto Dabó, nasceu em Bissau, onde iniciou os seus estudos primários. Cedo viajou para Portugal, a fim de prosseguir seus estudos. Faz parte de grupos de jovens artistas guineenses que fundaram um movimento artístico-cultural, do qual surgiu o primeiro agrupamento de música moderna da Guiné-Bissau, o “Cobiana Djazz” e o registo do primeiro disco pelo conjunto “Djorson”, onde faziam parte José Carlos Schwarz, Aliu Bary e Duko Castro Fernandes. Em 1971, foi o primeiro artista guineense a passar na Rádio Televisão Portuguesa (RTP). Formou-se em direito e é jurista; escritor e músico. Em 2013 fez a gravação do seu primeiro álbum discográfico “Lembrança”.


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