Mesa Redonda para Guiné-Bissau, oportunidades e riscos para o desenvolvimento

Por, Dr. Timóteo Saba M’bunde

Nas últimas semanas, para não dizer meses, tornou-se vulgar na Guiné-Bissau, particularmente nos mais variados orgãos da comunicação social ouvir e ver notícias relacionadas ao encontro que o governo da Guiné-Bissau terá com os doadores no próximo dia 25 de março de corrente ano, em Bruxelas, capital da União Europeia. 

Aliás, nos últimos meses a chamada mesa redonda de Bruxelas tornou-se o slogan do governo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), encabeçado pelo Domingos Simões Pereira. E não só, o eco da agendada reunião de Bruxelas podia ser ouvido também nas falas de autoridades de outros orgãos da soberania nacional. Tal fato ficou nítido durante a excursão de uma delegação de Assembleia Nacional Popular ao interior do país, representado ao mais alto nível pelo seu presidente, Cipriano Cassama. Nas suas intervenções em resposta às demandas das populações de zonas rurais visitadas, o número 1 do parlamento guineense condicionava a materialização de necessidades básicas de desenvolvimento dessas localidades ao sucesso da reunião de 25 de março. Aliás, convém salientar que a materialização do programa de desenvolvimento da Guiné-Bissau – como espelha o programa estratégico de desenvolvimento do executivo do PAIGC – está condicionada ao sucesso da reunião de Bruxelas.

Conforme o governo da Guiné-Bissau, a mesa redonda com os doadores tem por objetivo apresentar aos parceiros internacionais de desenvolvimento o seu programa estratégico de desenvolvimento dos próximos dez anos (2015-2025), e conseguir financiamento para sua execução. A fase inicial (“Terra Ranka”) estende-se de 2015 a 2020 e a segunda etapa, (“Sol na Iardi”), corresponde ao período que vai de 2021 a 2025. Os pontos de maior destaque são a infraestruturação e agroindustrialização da cadeia produtiva e econômica do país, além do desenvolvimento urbano e rural.

O governo da Guiné-Bissau espera obter junto dos seus parceiros um valor que gira em torno de US$ 2.2 mil milhões para implementar, até 2025, todos os projetos contemplados pelo programa. Em função da capacidade financeira dos atores financeiros multilaterais e bilaterais que estarão à mesa com a delegação do governo guineense (composta por 60 elementos), acreditamos que há possibilidades do governo conseguir atrair recursos, independentemente do fato do mundo, Europa em particular, estar a passar por uma de suas piores crises financeiras. O nosso otimismo baseia-se no fato de que a maior parte dos valores que serão disponibilizados para o governo da Guiné-Bissau será (tende a ser) a título de empréstimo (inclusive com juros). Teoricamente, a mesa redonda consiste em uma relação de ajuda entre doador e beneficiário, mas em termos práticos transforma-se (tende a transformar-se) em uma relação de negócios assentes nos princípios de mercado.

Denota-se que os discursos proferidos pelos governantes guineenses a propósito do encontro de 25 de março, em Bruxelas, induzem o cidadão comum a concluir que se o governo conseguir os US$ 2.2 mil milhões, logo a mesa redonda pode ser considerada um sucesso. Isso é uma grande ilusão. Há elementos imprescindíveis a levar em consideração na avaliação desse encontro de Bruxelas do dia 25, e é justamente isso que vamos examinar a partir do próximo parágrafo.

Primeiro, o sucesso ou não da mesa redonda deve ser avaliado a partir dos termos de aquisição dos empréstimos e dívidas do governo junto dos seus parceiros. A delegação governamental deve contrair dívidas e empréstimos de maneira racional, o que implica a negociação antecipada das taxas de juros e períodos de reembolso dos empréstimos. Uma vez que as taxas de juros são (tendem a ser) variáveis (não fixas), isso poderá gerar – se não forem muito bem negociadas – problemas macroeconômicos a longo prazo, acarretando dívidas externas expressivas ao país. Esse elemento é fundamental, espero que o governo se atenta a esse aspecto.

Se o governo do PAIGC conseguir persuadir os seus parceiros e mobilizar os recursos – que financiarão seu programa estratégico de desenvolvimento 2015-2025 – na base dos termos razoáveis que refletem as possibilidades da Guiné-Bissau, estaremos em condição de asseverar que a reunião de Bruxelas é parcialmente um sucesso. Digo parcialmente. O pleno sucesso da reunião de Bruxelas só é possível mensurar/avaliar no terreno prático, ou seja, no âmbito de execução concreta dos projetos constituintes do programa estratégico de desenvolvimento levado à Bruxelas. A não tradução prática dos valores embolsados em capacidades e fatores reais de crescimento econômico do país, de acordo com os projetos contidos no programa de desenvolvimento do governo do PAIGC, faria da mesa redonda um fracasso e um problema para a Guiné-Bissau.

Portanto, a caracterização da mesa redonda de Bruxelas como um sucesso está condicionada à efetiva e rigorosa materialização dos projetos que forem financiados, caso contrário, será um problema de longo prazo para o país, ao invés de uma “panaceia”, constituiria um fardo financeiro à Guiné-Bissau. Dito isso, o governo da Guiné-Bissau deve empreender muito rigor no combate à corrupção (desvio dos fundos, especialmente) – redobrando os esforços no sentido de gerir o cash que for desembolsado pelos parceiros de desenvolvimento – para que seja observada a efetiva aplicação desses recursos em acções concretas de geração de riquezas. Associado a isso, o executivo terá que engajar mais na cultivação de estabilidade político-institucional e militar no país, sobretudo a estabilidade política, pois é a instabilidade política fonte da maioria de crises e conflitos recentes na Guiné-Bissau. No nosso ponto de vista, a referida estabilidade deve ser buscada, primeiramente, dentro das estruturas do próprio PAIGC, especialmente entre a sua elite política, onde pairam (notavelmente) ventos de potencial fragmentação profunda, cuja materialização transbordaria (efeito spill over) e afetaria a governabilidade e a governação do país.

Desta feita, à luz dos expostos acima, a mesa redonda de Bruxelas do dia 25 de março de 2015 é uma oportunidade real do financiamento dos projetos de desenvolvimento da Guiné-Bissau, entretanto, apresenta-se concomitantemente como um risco ao país. Este paradoxo sustenta-se devido ao elevado índice histórico de corrupção no aparelho de Estado guineense. Sem sombras de dúvida, ao governo liderado pelo Simões Pereira se apresentará um grande desafio pós-Bruxelas, maior do que a reunião de persuasão e mobilização dos recursos propriamente dita. Além de aprovação de seu programa estratégico de desenvolvimento que apresentará aos seus parceiros e seu consequente financiamento, torna-se imperiosa a necessidade do governo gerir sabia e transparentemente – o que requererá um regular exercício de accountability – os fundos que forem disponibilizados. Pois, como já sustentei, a grande parte dos recursos será (tende a ser) contraída a título de empréstimo e a Guiné-Bissau arcará com o seu reembolso no futuro.

A aprovação e financiamento do programa estratégico de desenvolvimento do governo na reunião desta semana, em Bruxelas, será apenas o cumprimento da primeira etapa do desafio. Todavia, poderá ser um passo importante que dará abertura às oportunidades (fundos disponíveis) de criação de condições para o crescimento econômico e consequente desenvolvimento do país. Entretanto, a adjetivação cabal da mesa redonda como um sucesso ou não será a médio e longo prazos, e, como já assinalei, dependerá de condições estruturais internas do país. Portanto, apesar das oportunidades serem maiores, os riscos se fazem também presentes, ainda que de modo subjacente.

Como filho da pátria de Amílcar Cabral, desejo melhor sorte ao governo.


Nota: Os artigos assinados por amigos, colaboradores ou outros não vinculam a IBD, necessariamente, às opiniões neles expressas.

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