João Ribeiro Butiam Có: “BOMBEIRO DE SALVAÇÃO PARA OS GUINEENSES SÃO OS PRÓPRIOS GUINEENSES”

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O sociólogo e investigador do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), João Ribeiro Butiam Có, disse na entrevista a’O Democrata que o “Bombeiro de salvação para os guineenses, são os próprios guineenses”. A entrevista com o sociólogo visou fazer uma análise sobre a perspectiva da mesa redonda entre as autoridades nacionais e os parceiros internacionais que decorre no próximo dia 25 do mês em curso, em Bruxelas (Bélgica).
O sociólogo considerou que a mesa redonda é um instrumento ao qual o Governo recorreu para relançar o país do ponto de vista económico e social na senda internacional. Na sua visão, são os países em vias de desenvolvimento que necessitam, em determinado período de tempo, de se juntar com os seus parceiros internacionais a mesma mesa e testemunharem os desafios que têm e auscultar dos parceiros as disponibilidades destes em apoiar de uma forma muito coordenada as suas estratégias de desenvolvimento. Todavia, acredita que o nosso país está em condições de acolher dos parceiros internacionais os apoios económicos e financeiros para os projectos de desenvolvimento que o Governo traçou.
O Democrata (D): Os guineenses e as autoridades em particular depositaram total esperança na Mesa Redonda. A mesa redonda de Bruxelas pode ser considerada como o Bombeiro de salvação do povo guineense, na sua opinião?
João Ribeiro Butiam Có (JRB): Não sou da opinião de designação ou de adjectivar a mesa redonda de Bombeiro de salvação. Bombeiro de salvação para os guineenses são os próprios guineenses. É preciso que cada um de nós tenha isso em mente e que cada um ao seu nível assuma a sua responsabilidade, e que cada um pense no país e em qual deverá ser o seu contributo e no que já tem feito para o desenvolvimento do país. Isto sim permitir-nos-á e far-nos-á todos “o bombeiro de salvação” para a Guiné-Bissau.
A mesa redonda é um instrumento que o Governo vai usar para relançar o país do ponto de vista económico e social. Naturalmente, são países em desenvolvimento ou países de terceiro mundo que precisam a uma dada altura, de se juntarem aos parceiros a mesma mesa e para lhes testemunhar os desafios que têm, como também ouvir dos parceiros as disponibilidades que têm de uma forma muito coordenada. No nosso contexto actual, penso que há alguma esperança tendo em conta o historial, ou seja, o que nos condicionou até a esta fase. Há esperanças do ponto de vista económico e que influenciam muito o campo social.
Penso que temos que ver a mesa redonda numa perspectiva holística tanto económico como social e política. Do ponto de vista económico, há um projecto que foi elaborado por diferentes eixos de desenvolvimento e diferentes projectos e prioridades destes projectos para o desenvolvimento. O chamado plano operacional já representa uma vantagem que o Governo tem para apresentar aos parceiros internacionais.
OD: Então, a situação política vivida no país neste momento favorece a realização da mesa redonda?
JRB: Penso que a situação política do país não impede a mesa redonda. Porque se analisamos o que tem sido o âmago da nossa instabilidade, são a questões políticas sim, mas com algumas causas sociais e económicas. A Guiné-Bissau é um país pobre em que o Estado é o único responsável pelo sustento da maior parte dos quadros e dos funcionários.

Se um partido acede o poder e ignora a outra franja política, é natural que se registe uma situação de instabilidade política. Porque são poucas as pessoas com condições privativas, ou seja, com as condições sociais e económicas para se sustentarem para além do Governo. Daí que assistimos a história de pactos governamentais que saem da própria Assembleia para derrubar o Governo eleito e assumir a governação.
Essa situação não testemunha apenas a nossa fragilidade política, mas também onde o fatores económicos condicionam a forma de pensar ou a forma de se posicionar politicamente. Esses fatores pesam fortemente. Desta vez temos um Governo formado na base de um acordo político que envolve várias formações políticas com e sem assento no parlamento.
Isso demonstra alguma inclusão, ou melhor, algum cuidado que os políticos tiveram em relação à situação da instabilidade política e governativa que poderia ser criada por divergências políticas. Tudo o que se fala neste momento não condiciona a realização da mesa redonda de Bruxelas.

D: O Plano Operacional de 2015 a 2020 conta com mais de 200 projectos e com um custo de financiamento estimado em 480 mil milhões de Francos CFA. Será que é possível conseguir essa verba para a execução de projectos do desenvolvimento traçados?
JRB: O plano operacional foi elaborado por sectores e felizmente fui um dos consultores para o eixo do desenvolvimento humano, onde nós elencamos aquelas que são as necessidades nas diferentes áreas, designadamente da educação, da saúde, da coesão e família, da juventude cultura e desportos. Também noutros eixos da governação foram elencados alguns projectos nomeadamente, a reforma nos sectores da defesa, segurança e da justiça e a reforma na própria função pública.
Relativamente ao eixo do desenvolvimento urbano foi desenhado que tipo de cidade que o país precisa. O que é verdade é que o plano operacional é um plano ambicioso que tem uma perspectiva de cinco anos e numa outra visão de mais anos. O que nós temos que acreditar ou fazer é estruturar os projectos em base de sustentabilidade que justifiquem o próprio desenvolvimento.
A nossa obrigatoriedade é fazer um marketing e ao mesmo tempo saber apresentar junto dos nossos parceiros as prioridades de entre os 200 projectos que foram mencionados no plano estratégico. O que não significa que esses 200 projectos irão ser considerados ou aceites pelos doadores, mas não deixa de ser uma vantagem saber o que queremos daqui a 5 e 10 anos.

O que a mesa redonda nos oferecer depois de quatro anos de mandato deste Governo será uma vantagem. Quiçá o próximo Governo terá um documento base muito importante para continuar o projecto de desenvolvimento. O plano operacional é um projecto bastante ambicioso e com a sua legitimação é que temos que vender os nossos produtos em diferentes fases, como na mesa redonda, com os nossos parceiros multilaterais e bilaterais e mesmo ao nível da nossa comunidade, tanto na CEDEAO como na UEMOA. Serão necessário micro mesas redondas depois de 25 de Março, para continuarmos a vender aquilo que achamos que são estratégias evidentes para o desenvolvimento do nosso país.
D: Regista-se neste momento uma situação do terrorismo internacional. Toda a comunidade internacional. As potências mundiais e os blocos mobilizaram-se para lutar contra o fenómeno. A situação da crise da zona Euro levou a União Europeia apertar mais o cerco em termos de controlo financeiro dos seus parceiros. Essa situação da conjuntura mundial não pode criar dificuldades às autoridades em termos de mobilização de fundos da parte dos parceiros internacionais?
JRB: Compreende-se o período em que estamos e as prioridades, tendo em conta a agenda internacional, mas devo dizer que não estamos fora da agenda internacional. Estamos dentro da agenda internacional. O que a Guiné está neste momento a fazer é mostrar que passou dificuldades e que neste momento está a criar condições para ser um país normal de ponto de vista da visão da própria comunidade internacional e penso também que é isto o que a comunidade internacional quer.
Apesar das dificuldades e grandes apertos financeiros, não podemos esquecer que a relação entre África e a Europa é uma relação histórica, cultural e antiga em que há um compromisso, digamos, de natureza cooperativa desde o acordo de Cotonou (Togo), em que uma percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) dos países europeus deverá ser destinada para o apoio, cooperação e desenvolvimento dos países africanos. Embora o acordado não esteja a ser cumprido.
A União Europeia já manifestou todo o interesse em apoiar a comitiva da Guiné-Bissau que irá deslocar-se para a Bruxelas. Isso demonstra alguma disponibilidade, pelo menos diplomática, que poderá ter uma influência também na diplomacia económica. Não podemos esquecer que a Europa está preocupada com a questão do futuro, sobretudo no que se refere à questão da segurança, da estabilidade e do terrorismo e a Guiné não pode ficar completamente fora. Caso contrário, poderemos também ser um país da estratégia para os terroristas a fim de poderem alcançar os seus objectivos.
Há alguns anos atrás assistimos a detenção de pessoas consideradas terroristas que conseguiram entrar aqui para se esconderem. Felizmente uma dessas pessoas foi descoberta e deportada para o seu país de origem. Penso que a comunidade internacional, sobretudo a Europa, vai ajudar de forma a livrarmo-nos desta situação.
Devo dizer também que a mesa redonda é um compromisso para o futuro e não é um compromisso de imediato. Quero dizer que não podemos pensar que depois de 25 de Março, vão começar a chover apoios financeiros como muita gente pensa.
Vamos passar meses ou anos para começar a registar os apoios financeiros da parte dos parceiros no âmbito da mesa redonda, mas vai ser de acordo com a nossa performance económica e política e adoptado às expectativas sociais legítimas. Temos igualmente que trabalhar na criação de uma sociedade organizada e estável para podermos convencer os doadores. Penso que isto é muito importante não só para a nossa estabilidade económica, política e social, mas também para a estabilidade política social da União Europeia e da comunidade internacional.
D: O que é que as autoridades do país podem fazer de concreto, a fim de conseguir apoios financeiros necessários da parte dos parceiros internacionais?
JRB: Existe um documente tecnicamente bem elaborado e que mostra muito bem a nossa ambição ou aquilo que nós queremos a médio e longo prazo, portanto isso servirá de ferramenta que as autoridades vão apresentar aos nossos parceiros. O plano estratégico tem outra componente que também é extremamente importante. Nós escolhemos a biodiversidade como um marketing daquilo que nós temos para vender lá fora. O plano estratégico mostra algumas potencialidades que o país tem.
Não vamos à mesa redonda de mãos a abanar. Também vamos mostrar os produtos que temos tal como o caju, os nossos peixes, as nossas ilhas e o nosso povo que é um povo civilizado. São elementos que temos que vender para mostrar que estamos em condições de receber e poder vir a pagar, mas também estamos em condições de convidar pessoas para virem visitar e contribuírem para o desenvolvimento económico do país.
D: Há quem diga que as autoridades ignoraram por completo o mundo árabe e a China, que podem estimular os nossos tradicionais parceiros a apoiar grandes projetos se estiverem presentes na mesa redonda?
JRB- Não acho que a Guiné-Bissau tenha ignorado os países árabes e a China. Repara que a mesa redonda realiza-se no quadro de um fórum dos países a nível global. Tem havido até contatos preliminares e diplomáticos com a China e outros países.
Falou-se inclusivo até da possibilidade de realização de um encontro com doadores em Macau que envolvia a própria China e os países da Comunidade dos Países da Língua portuguesa. Portanto, são as estratégias desenhadas pelo governo, respeitando as potencialidades que esses países têm. A China estará presente e é bom que se saiba que a mesa redonda não visa uma comunidade específica tudo está a ser feito de forma global.
Depois desses compromissos, aparentemente chamados de “compromissos abertos”, haverá encontros com algumas comunidades regionais estratégicas em que se fará um trabalho de diplomacia económica intenso para cativar e permitir com que os compromissos a serem assumidos pelos parceiros se transformem em atos efetivos no plano do desenvolvimento.
D: A Guiné-Bissau já organizou três mesas de doadores, esta é a quarta. Trará algo de concreto à vida dos guineenses?
JRB: Os momentos são diferentes. A primeira mesa realizada na era do Bartolomeu Simões Pereira tentou relançar a economia. A própria imagem que o país tinha, o compromisso e a visão da Comunidade Internacional em relação ao país era completamente diferente. O país realizou outra mesa redonda na era do Francisco José Fadul, que também não deu grandes frutos. Todavia, havia a necessidade de reconstruir o país.
A grande diferença que essa mesa redonda tem em relação às outras é que o país nunca tinha se preparado como desta vez se preparou em termos de documentação e em termos daquilo que se pretende.
Segundo, nunca se fez um trabalho preliminar com CEDEAO e a CPLP, blocos comunitários em que o país está inserido. Nunca se fez um trabalho diplomático como agora está-se a fazer com a União Europeia, Portugal, Estados Unidos da América, Senegal, Angola, China, Brasil e tantos outros países. Nota-se agora que a Comunidade Internacional está interiorizada das reais necessidades e daquilo que o país precisa para se salvaguardar.
Esses elementos podem trazer grande diferença nesta mesa redonda de Bruxelas, porque transmitem um sentimento de confiança da Comunidade Internacional em relação à Guiné-Bissau.
D: O que é que falhou nas três outras mesas redondas?
JRB: Falharam por não haver um documento base de orientação. O país foi a essas mesas apenas com a listagem das necessidades. Desta vez há esse instrumento base, que projeta o desenvolvimento. Uma segunda grande vantagem tem a ver com a preparação que a mesa tem.
Portanto a mesa redonda não começa a 25 de Março. Começou sim com os trabalhos desenvolvidos pelas diferentes comissões constituídas pelo governo para trabalhar as “promessas abertas”, que a Guiné-Bissau terá que receber a 25 e a partir daí continuar a fazer uma diplomacia económica séria com os nossos parceiros mutilarias e bilaterais bem como juntos dos países que aceitarem apoiar que se faça um trabalho sério e que consequentemente sejamos responsáveis na aplicação dos recursos. Só assim podemos todos contribuir para que social a politicamente haja estabilidade e o reforço da confiança da Comunidade Internacional em continuar a ajudar o país.
D: A mesa Redonda realizada por Bartolomeu Simões Pereira teve resultados concretos?
JRB: São momentos diferentes. Infelizmente tivemos o azar de perder o próprio ministro que estava a fazer todas as reestruturações económicas e estruturais, que eram extremamente importantes e o país não era também democrático. Vivia-se um período de liberalização económica. Vínhamos da chamada “ política de ajustamento estrutural” acompanhada por parceiros como Bretton Woods e o próprio Banco Mundial atentos em como essa liberalização económica teria efeitos em África e na Guiné.
A partir de 1989/91 lançamos um novo desafio de multipartidarismo. Saímos de uma agenda sem termos concluído e passávamos para outros desafios. Portanto são praticamente momentos de confusão em que não havia uma oposição, expressão da sociedade civil, a própria defesa dos direitos humanos (uma questão extremamente importante), ou seja não havia um conjunto de elementos que hoje em dia caraterizam a nossa sociedade, o mundo, a nossa sub-região e todo o continente africano. Não obstante tudo isso, devo dizer que há também experiências positivas como é o caso da mesa redonda de Timor-leste. Um país da CPLP, que também teve dificuldades como a Guiné-Bissau.
D: Qual seria a sua mensagem se estivesse a falar para o povo guineense?
JRB: A mensagem forte seria de encorajamento, persistência, mas também e acima de tudo, de muita responsabilidade, porquanto todos estamos ansiosos e esperançados nos frutos que a mesa vai trazer ao país. Depois da mesa redonda será necessário que se faça uma sensibilização para que o cidadão comum possa perceber o que é a mesa redonda e o que é que isso significa.
Não acredito que a mesa redonda falhe. O importante nesse momento é sermos persistentes em vender os nossos produtos. Se conseguirmos vender a trinta e quarenta por cento, temos que continuar a trabalhar mais depois da mesa redonda, numa estratégia dos planos B.

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