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Entrevista com o Primeiro-Ministro: É PRECISO SABER DIALOGAR
O Chefe do Governo da República da Guiné-Bissau, Engº Domingos Simões Pereira, recebeu na Primatura uma representação da Unidade de Informação Pública e dos Assuntos Políticos do Gabinete Integrado das Nações de Apoio à Consolidação da Paz na Guiné-Bissau – UNIOGBIS. Nesta entrevista, da autoria de Luís Gomez-Orodea, realizada por Juelma Mendes e Enfamará Cassamá, o Primeiro-Ministro passou em revista os 100 dias do Governo e o Plano de Emergência, o Diálogo Nacional pela paz e reconciliação, a revisão constitucional, o papel da ONU e deixou a sua visão para além de 2015.
ONU – O seu governo completou 100 dias em funções. No ato de posse, afirmou que um programa de emergência seria lançado para resolver os problemas mais urgentes que afectam o país. Qual é o estado da implementação do programa? O que foi implementado até agora?
Domingos Simões Pereira (DSP) – Em primeiro lugar, obrigado pela iniciativa das Nações Unidas, que proporciona um elo de comunicação com a população guineense em particular e com a sociedade em geral. É um contributo importante para o processo de diálogo interno.
De facto, o governo tomou posse consciente de que havia a necessidade de atacar os assuntos mais prementes, porque temos a consciência clara de que o desenvolvimento tem que ser programado, deve resultar do investimento. Mas em relação às pessoas que têm fome, às que não têm educação e as que sentem problemas de saúde graves, se não formos capazes de aliar uma visão de médio e longo prazo com ações concretas no imediato, visando aliviar as carências, então poderemos ter dificuldade em gerar consensos internos. Portanto, delineámos um programa de emergência. Todos os setores da atividade pública foram convidados a participar e orientados para apresentarem prioridades para o programa de emergência, nomeadamente a regularização dos salários em atraso, o ano escolar, a saúde pública, com a prevenção das epidemias de cólera e do Ébola, a agricultura, num ano difícil pela escassez de chuva e a sua má distribuição no território.
E é com satisfação que faço uma avaliação positiva. Obviamente, sempre será possível fazer melhor, mas pensamos que, no essencial, fomos capazes de implementar a parte substancial dos grandes objetivos fixados.
Atualmente, não há salários em atraso referentes a 2014. Pensamos que as pessoas estão a acompanhar os esforços desenvolvidos pelo governo. Os outros, que remontam mais atrás, veremos, aos poucos, como os equacionar.
ONU – Um dos lemas orientadores do seu governo é o “virar de página” das antigas disputas fratricidas e fomentar o diálogo tendo como ponto central a consolidação da democracia na Guiné-Bissau. Neste sentido, pretende lançar o “Programa de Diálogo Nacional” para promover a paz e a reconciliação. Pode falar desse programa? Como está relacionado com a Comissão de Reconciliação liderada pela ANP?
DSP: A constatação que faço é a de que a sociedade precisa de diálogo. Não quero chamar a mim a competência de promover o diálogo. O que estou a afirmar é a disponibilidade para participar no diálogo e utilizar os espaços de contato que tenho com a comunidade internacional para pedir apoio. Para dialogar é muito importante ter a vontade, mas não é suficiente. É preciso saber dialogar. E quando falamos de diálogo nacional a favor da reconciliação é preciso que a facilitação do diálogo seja feita por pessoas neutrais. Devem ser pessoas com competência para promover o diálogo. No fundo, falamos da necessidade de diálogo porque reconhecemos poder haver interesses não conciliáveis, ou dificuldade em conciliar o nosso interesse. E, ao falar de interesses, podemos citar um exemplo: a distribuição da riqueza interna. Para distribuir a riqueza interna num contexto de escassez, quando não chega para toda a gente, a maior dificuldade é criar critérios que convençam todos os cidadãos de que cada um recebeu a sua parte. Depois de mais de uma década de instabilidade, transições, arranjos, partilhas, reconheço que o problema não se deverá exclusivamente à fragilidade das instituições democráticas, porque há muitos interesses instalados. Existem muitas situações de acomodação. Não podemos quebrar isso num dia, com leis, reformas administrativas. Garanto que não vou para casa dormir tranquilo só porque a lei me dá o direito de tomar decisões.
É importante sermos capazes de transmitir intenções, de ouvir a opinião de quem está do outro lado, de tentar, na medida do possível, enquadrar a sua preocupação na nossa lista de prioridades. Mas é mais fácil dizer do que fazer. Por isso, é preciso reconhecer que precisamos de ajuda de quem tem mais experiencia em promover o diálogo, precisamos do apoio de pessoas neutrais. Eu continuarei disponível para ser parte do diálogo e dar a minha contribuição no sentido de encontrar um ponto de equilíbrio. Se, nalgum momento, a definição de democracia faz sentido, é hoje na Guiné-Bissau. De facto, o que legitima o poder é a maioria, mas o que legitima a democracia é quando somos capazes de tomar em consideração o interesse da minoria. E, muitas das vezes, é aqui que está a dificuldade. Porque quem aprova os atos é a maioria. Mas, como conseguir, com a aprovação dos atos pela maioria, tomar em conta os interesses da minoria? Aí é que está a sensibilidade do exercício democrático.
ONU – A Constituição foi redigida no rescaldo da luta de libertação e praticamente não sofreu alteração desde a sua aprovação. O senhor disse que a reforma constitucional poderia ser implementada durante esta legislatura. Na sua opinião, quais são as questões que, na Constituição, exigiriam uma atualização?
DSP - Este é um assunto que também tem potencial para polémica. Sempre defini que a lei é um instrumento para orientar e disciplinar as relações. O que acaba por definir a qualidade das relações é a disponibilidade para chegar a compromissos. Ora, muitas das vezes, em sociedades como a nossa, quando surgem dificuldades as pessoas têm tendência a imputar responsabilidades à legislação. Se as coisas não correm bem, não são os homens culpados, mas sim a lei. Quer dizer, teríamos de fazer uma lei tão perfeita que dispensaria a necessidade de diálogo e compromisso.
Neste momento, muitas pessoas afirmam que na Guiné-Bissau o problema é a Constituição, que não cria condições para as pessoas se entenderem. E não vêem que esta mesma Constituição funciona noutros países em que as pessoas se entendem.
Os homens não podem esperar que seja a Constituição a resolver os seus problemas, têm que ser capazes de dialogar e chegar ao compromisso. O compromisso vai permitir que a sua relação seja boa, mesmo que o queiram expressar através da lei. Este é um aspeto importante. A elaboração das leis, ou mesmo a revisão constitucional, é tida como uma questão para juristas. Os juristas – dizem – devem analisar a lei fundamental e fazer a sua reformulação de forma a conseguir um documento melhor. Mas a minha interpretação é diferente. Na minha análise, a revisão de uma lei tão fundamental não é por aí que deve começar. Antes, deve começar por se perguntar o que queremos na verdade. Quais são as opções que realmente temos. Quando estamos perante grandes assuntos e decidirmos o que queremos, e somos capazes de criar consensos à volta do que queremos, a seguir chamamos os juristas e solicitamos que escrevam conforme a nossa escolha e não ao contrário, então iniciamos um processo de auscultação desde a base para a revisão de todos os instrumentos. Devemos ir à base ouvir a população, escutar o que tem a dizer e analisar tudo para estabelecer consensos. Se obtivermos consensos acerca do sistema político que pretendemos, sobre a lei eleitoral que desejamos, sobre a forma do poder e inclusão que queremos, será fácil depois juntar um grupo de juristas para redigirem o texto acordado. Mas, se pedirmos a essas pessoas para se sentarem e escreverem sem escutar o povo, descobriremos que a lei será sempre insuficiente.
ONU – As Nações Unidas, através do UNIOGBIS e das suas agências especializadas marcaram presença na Guiné-Bissau nos momentos mais difíceis da sua história recente. Como descreveria o seu engajamento com a organização? Como é que as Nações Unidas poderiam ajudar o seu governo e onde gostaria de ver um maior apoio da organização?
DSP - Eu sempre afirmei, tanto nas Nações Unidas, como em pronunciamentos públicos que, se por um lado a Guiné-Bissau é conhecida pela grande Luta de Libertação Nacional que foi capaz de desenvolver, por outro lado é preciso lembrar sempre que a nossa independência se consumou sobretudo por causa da vitória no campo diplomático. Foi nas Nações Unidas que Amílcar Cabral foi capaz de surpreender o mundo com uma visão bastante mais progressista, para a altura, do que a potencia colonial. Isso é que estabeleceu a vitória do movimento que ele liderava e que veio a dar lugar à independência. As Nações Unidas são o espaço internacional de maior dimensão e importância na resolução dos conflitos internacionais. Há muito tempo que os países investem na credibilidade junto das Nações Unidas para poderem fazerem valer os seus interesses nos planos interno e externo. Não existe nenhuma organização internacional de caráter bilateral, ou multilateral, que não valide a sua existência através das Nações Unidas.
Na Guiné-Bissau, as Nações Unidas sempre estiveram mobilizadas e nos acompanharam. Estive há pouco tempo em Nova Iorque e tive três momentos particularmente importantes: no Grupo Internacional de Contato, no Conselho de Segurança das Nações Unidas e no Comité de Consolidação da Paz.
E, em cada um desses momentos, encontrei amigos históricos da Guiné-Bissau, parceiros bilaterais e multilaterais. Penso que não há forma mais relevante para a comunidade internacional de demonstrar a sua solidariedade para com a Guiné-Bissau. E disse que as dificuldades que estamos a enfrentar me levam a pensar que seria bom reforçar a capacidade das nossas estruturas, dos órgãos de soberania. Quando afirmamos que se devem criar consensos, é bom termos estruturas que facilitem o processo de diálogo para se chegar a um consenso. Propus que seria bom as Nações Unidas colocarem à disposição dos nossos órgãos de soberania um conjunto de competências para ajudar a interpretar e promover o entendimento, por um lado, e por outro, o diálogo nacional.
O diálogo nacional não pode ser visto como uma conferência que vamos realizar e em que todos os problemas serão resolvidos. A expressão mais evidente do nosso conflito é quando desemboca nas armas. Mas não está aí a raiz dos problemas. Os problemas começam na justiça, ou na justa remuneração para o trabalho
As Nações Unidas estão muito bem posicionadas para congregar todos os atores e mostrar o que é importante, que de facto haja um entendimento em relação aos objetivos fixados, não conhecem apenas a teoria da paz e estabilidade, conhece a prática que implementa em vários países. E podem realmente ajudar. Eu afirmei isto mesmo no último encontro que tive na organização. A Guiné-Bissau deve evitar ser um fator de separação da comunidade internacional. Nós precisamos de toda a comunidade internacional, devemos fixar os nossos objetivos, defender os nossos interesses e procurar implementar essas metas através da unidade da comunidade internacional, e não o contrário.
ONU – Além dos encontros que teve em Nova Iorque, também viajou a outros países para explicar o plano do governo e preparar a mesa redonda com os parceiros internacionais. Que balanço faz dessas deslocações?
DSP: Extremamente positivo. Estivemos no Gana, onde apresentámos à Presidência da CEDEAO as grandes linhas da nossa Visão Estratégica. A forma como fomos recebidos, os encontros que mantivemos mostram que o Gana será o advogado da Guiné-Bissau em nome da CEDEAO, (para transmitir a nossa Visão Estratégica). O mesmo ocorreu na reunião do Grupo Internacional de Contato, em Nova Iorque. A ministra dos Negócios Estrangeiros do Gana e o ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, em representação respetivamente da CEDEAO e da CPLP, fizeram uma advocacia tão positiva em relação a Guiné-Bissau que, em alguns momentos, foi dispensável ser a própria Guiné-Bissau a fazê-lo.
Depois, os ministros dos Negócios Estrangeiros da CPLP tiveram uma reunião em Bissau e aprovaram uma resolução que demonstrou o alinhamento da comunidade com os apoios possíveis de mobilizar para o país. Em Portugal tivemos encontros não só com empresários, mas também com as autoridades, na presença do diretor-geral da Comissão Europeia. Ficou claro que, cada vez mais, as pessoas estão a compreender melhor onde é que queremos ir. Nós é que temos que dizer qual é a nossa visão do médio e longo prazo.
Dois outros momentos foram importantes: à margem da Cimeira da CPLP, em Díli, tivemos encontros não só com as autoridades de Timor-Leste, como estas nos facilitaram um encontro com o governo de Singapura. Foi um momento extraordinário de partilha. Finalmente, em Cuba, aproveitámos a estada para nos encontrarmos com todos os embaixadores dos países africanos acreditados em Havana. E o testemunho sobre a perceção que os seus respetivos países têm hoje da Guiné-Bissau convence de que a nossa mensagem está a passar. Esta tem de ser a nossa forma de estar na vida, temos que manter este clima de estabilidade, temos que dar sinais de que estamos a entender-nos. Eu, enquanto chefe do governo, gostaria de frisar que tudo farei para mostrar o quanto me esforço para nos entendermos uns aos outros.
CASO BOTCHÉ CANDÉ
O ministro da Administração Interna, Botché Candé, pediu a demissão. Foi a primeira remodelação do executivo e o caso teve amplo eco nos meios de comunicação social.
ONU – Pode explicar as circunstâncias desta demissão?
DSP: Sabe, a governação vive não só de factos, mas também da imagem. No momento da exoneração do ministro Botché Candé fizemos uma avaliação muito positiva do seu desempenho. Contudo, reconhecemos de que foi alvo de uma exposição que não beneficiou nem a sua imagem, nem a do país.
O fato de os órgãos de comunicação social terem retratado o seu encontro com uma força identificada com a rebelião foi interpretado como não abonatório para a nossa imagem enquanto país e para a nossa relação com o vizinho Senegal.
O ministro Botché Candé tomou parte na reunião do Conselho Superior de Defesa, convocada para o efeito pelo Presidente da República, que entendeu, face às circunstâncias, dever ser o lugar posto à disposição para, assim, facilitar a resolução do incidente e a normalização das relações com o Senegal.
Botché Candé era um membro muito importante do governo, mas o país está em primeiro lugar e era necessário tomar uma medida para mostrar a imagem da plena soberania, com seriedade e determinação, criando condições favoráveis a um relacionamento positivo não só ao nível interno, mas também com o vizinho Senegal
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