Da sombra de uma ponte em construção
Descem lentamente
As chamas sombrias de uma manhã orvalhada de concretos.
Janeiro entrou soberano, na noite do Révéillon, ou da Kambansa no nosso saboroso kriol, vi dois jovens já na idade de namoro. Um, o rapaz é claro, olhou ternamente para uma menina que girava a cabeça de um lado para outro ao ritmo da música, e ela, timidamente, lançava-lhe, em retribuição, olhares meigos, profundos, porém sedutores. Mas, o rapaz parecia tímido, mas a cada gesto de timidez, ela encarava-o com singular interesse.
Instantes nisso de troca de olhares, de gestos, de medir, porentura, se aproximavam um do outro, eis que uma multidão de jovens, aparentemente, encervejados (perdoem-me o neologismo), queria eu dizer cheiravam a cerveja, passam, num rompante, no meio deles, atrapalhando-os.
Nisso, a menina, fugiu em disparada, mas o rapaz manteve-se no mesmo lugar. Ficou ali a pensar em como “reencontrar” a menina cor de mampataz, aparentemente, simpática. Ora, não sendo ele lá muito galanteador, resolveu embrenhar-se no meio daquele multidão que lotou a Praça dos Heróis Nacionais para celebrar a passagem de ano. Afinal, isto vinha na sequência da Cerimónia da Gala Nacional 2014, mais precisamente, a Gala da Guine’n’dadi (Guineidade para os falantes da língua lusa), organizado pelo Executivo guineense.
De realçar que durante dias tivemos a honra de receber no país muitos guineenses de renome internacional da política à diplomacia, do desporto ao turismo, das artes à literatura, da música à moda, sem deixar de fora os que cá lutam com dureza quotidiana do ganha-pão. É verdade que se reconheceu e premiou muitas pessoas de diferentes quadrantes sociopolítica e cultural da nossa nação, contudo, como não se pode agradar a gregos e a troianos ao mesmo tempo, outras celebridades nacionais tiveram o infortúnio de não verem seus nomes na lista dos contemplados. Minha solidariedades a eles, pois os melhores dias virão. Nada melhor que um dia após o outro.
Quase ia me esquecendo da história iniciada há pouco. O rapaz, José Maria, de nome e a menina, Maria, sei lá do quê, engataram-se nas curvas labirínticas que se formaram ao redor do Show de fim de ano.
A menina encostou-se a ele para ver se ele esboçava alguma reação. Nada. Recostou-se mais atrevidamente. E nada de novo. Deve ser homem que não fabrica ovo.
Tentou outras vezes, mas resposta que fosse plausível, nenhuma.
Virou as costas sem pio no brio.
O rapaz correu sofregamente atrás dela; mas ela virou-se e fitou-o intensamente para ver o que, afinal este queria com ela. Para a sua surpresa, ele saiu com esta de poesia lunar. Ou lunática?
Gosto da tua bunda profunda
Que atiça minhas secreções, excreções e excrementos sexuais;
E que a minha máscula força celestial afunda.
A Maria encarou o Zé Maria, e parecia-lhe que o filho da mãe, não o filho da madrasta, pois só filho de madrasta é que podia comportar-se daquela maneira. E disparou:
– Seu estúpido é assim que conquistas uma menina?
– Achas isso estupidez? – perguntou – não gostas da poesia que te fiz?
– Poesia serve para elevar, e não para desnortear. Criaste-me transtorno emocional. Não vês que estou com raiva de ti? – afirmou a Maria.
– Então profiro-te outros versos.
E, assim, arrematou:
O sabor saboroso das tuas secreções e excreções vaginais
Embriagam-me de prazer quando tu os lanças a fundo de mim.
A Maria não se conteve. Desde quando ele o tinha possuído para tal declaração de amor, e ainda por sinal, estúpida, para dizer o mínimo. Disse tudo o que lhe vinha pela cabeça e lhe convinha.
Zé Maria, rindo sarcasticamente dela, disse-lhe que não tinha intenção de a ofender, apenas estava a exercitar uma nova forma de fazer declaração de amor. Mas que tinha vontade de consumar o ato, por isso a imaginava como sua, carnalmente falando. Deseja, por isso, possuí-la erótica e sexualmente.
No entanto, a Maria declamou-lhe a sua poesia:
Tocando-te no pepicho magro, não me sinto transportado para planeta nenhum.
Deixa-me apenas tocar, apalpar, massagear para que possa medir o tamanho do documento;
E, quiçá, se revolve à terra que de mim hás-de dispor.
Zé Maria ficou espantado com a tamanha poesia (des)necessária. Mas não se fez de rogado, e, em tom solene disse majestosamente os seguintes versos lapidais:
Deixam-me tremer de sussurros orgásticos
Metendo o paizinho nos interstícios das tuas pernas.
Pois, caindo-me em mim, levantar-me-ei em ti.
Assim, minh’alma nos teus lábios vulvais
Sorverá de prazeres incomensuráveis como águas dos mananciais
Que jorram das montanhas dos nossos corpo plurais.
Os versos desta crónica sobre a história de 24 horas de amor entre Zé Maria e Maria, sei lá do quê, retrata com coragem o novo panorama de escrita das nossas cosmogonias míticas que escondem o sentimento mais humanamente profundo que é o de amor. Entretanto, e talvez de um modo especial, do amor em trânsito nascido na noite de fim de ano, na Praça dos Heróis Nacionais.
É, sem dúvida, a nova Filosófica de amar (e de sentir-se amado). Crendo, no entanto, ser o amor um modelos de implicação causa e efeito. Pois é dando que se recebe. Não há outra hipótese.
O pensamento humano que funda a Ciência é, desde logo, a construção do novo paradigma conceitual da existência. Por isso, digo, neste canto de África, não devemos mudar de página para mantermos no mesmo livro, mas de dicionário (um novo livro). E, por isso, de novo método paradigmático de amarmos uns aos outros e à pátria que nos viu nascer. E a si leitor assíduo d’O Democrata.
Assim, o cronista deseja a todos um 2015 cheio de Saúde, com muito dinheiro no bolso (a engordar as nossas contas bancárias). Em suma, que o amor entre o novo casal de namorados Maria (Zé e Maria) termine com os versos do poema Empregada Boa:
Que neste lodaçal de amores
Que os destemperos e as intempéries
Aticem novos desejos augustos
Feitos de augustos sabores
Da nossa herança de bons gostos.
Que viva o amor sublime!
E que, as contas, enfim, possam ser pagas, apesar do nosso magro salário de funcionalismo público.
Caracol/Bissau, 05 de Janeiro de 2014.
Por: Jorge Otinta, ensaísta, escritor e docente-pesquisador.
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