Opinião: GESTÃO DOS SOLOS NAS ZONAS RURAIS E SEGURANÇA FUNDIÁRIA NA GUINÉ-BISSAU


 Representante da FAO,

Por: Joachim Laubhouet-Akadié/Representante da FAO na Guiné-Bissau
Para ajudar a pôr cobro aos problemas da propriedade da terra no mundo e para melhoramento dos mecanismos da governação fundiária ao nível global, a Comunidade internacional marcou, sob a égide da FAO, uma etapa importante, com adopção pelo Comité de Segurança Alimentar (CSA, Roma – maio de 2012), das Diretrizes Voluntárias para Governação responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas no contexto da segurança alimentar (http://www.fao.org/nr/tenure/voluntary-guidelines/fr/). Estas diretrizes tomam em consideração todas as formas de sistemas fundiárias: públicos, privados, comunitários, autóctones, costumeiros e informais. As Diretrizes podem aplicar-se na Guiné-Bissau.
Quais são os sistemas de posse da terra e de gestão de ordenamento do território existentes na Guiné-Bissau ?
O acesso à terra e aos recursos naturais é crucial para um desenvolvimento durável, uma segurança alimentar sustentável e uma boa governação de todos os países. A questão dos solos e dos sistemas fundiários existentes na Guiné-Bissau pode ajudar a esclarecer a forma como as populações, as comunidades e todas as partes interessadas dispõem de acesso à terra, à pesca, às florestas no país. Por isso a segurança fundiária constitui, cada vez mais, motivo de maior atenção pelos países em vias de desenvolvimento e os doadores. Esta atenção aumentou desde a crise de preços de produtos alimentares de 2008-2011, devido a pressão comercial crescente sobre as terras, e a problemática das mudanças climáticas na gestão das terras. Outrossim, como em todos os países, a erradicação da mal-nutrição, da insegurança alimentar e da pobreza na Guiné-Bissau depende do uso de recursos naturais e do ambiente. De uma forma geral, as políticas, as regras, ou as leis escritas, bem como as práticas e as tradições não escritas constituem as bases dos sistemas fundiários nos indivíduos, nos países. Os sistemas fundiários definem e regulamentam a forma como as pessoas, os indivíduos, as comunidades e outros atores acedem aos recursos naturais, através dos procedimentos Jurídicos formais ou acordos informais. A regulamentação fundiária determina quem pode utilizar estes recursos, durante quanto tempo e em que condições. Esta regulamentação é necessária para a realização dos objetivos de desenvolvimento econômico, social e ambiental dos países. Os estudos demonstram que a administração da governação fundiária enfrenta problemas em todas as regiões e em todos os países do mundo. Vários problemas fundiários surgem em consequência do fracasso da governação, mas o sucesso das tentativas feitas para os solucionar depende da qualidade da governação dos sistemas   fundiários.
O que é uma governação fundiária responsável A governação fundiária responsável :
■ confere um acesso mais equitativo para a terra, à pesca, e às florestas;
■ protege a população contra uma perda arbitrária de seus direitos fundiários , tratando-se designadamente de expropriações forçadas;
■ permite assegurar que a pessoa não é vítima da descriminação no quadro das leis, políticas e práticas;
■ confere uma maior transparência e maior participação nas decisões;
■ permite assegurar a igualdade de tratamento na aplicação das leis;
■ permite assegurar que os diferendos sejam resolvidos antes que se desembocam em conflitos;
■ simplifica a administração fundiária e a torna mais acessível e mais eficaz para todos.
Em que consistem as Diretrizes Voluntárias para uma Governação Responsável dos Sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas.
As Diretrizes Voluntárias para uma governação responsável dos sistemas de posse constituem uma referência e expõem princípios e normas internacionalmente reconhecidas com vista a instaurar práticas de gestão responsáveis aplicadas para a terra, à pesca, e às florestas. Propõem aos Estados um quadro geral que podem utilizar para elaborar suas próprias estratégias, políticas, legislações, programas e atividades em matéria de governação dos sistemas de posse. As Diretrizes permitem aos governos, à sociedade civil, ao setor privado e aos cidadãos verificar se as ações que eles mesmos ou outros atores propõem constituem práticas aceitáveis. As Diretrizes visam igualmente fazer com que as populações disponham de meios de subsistência duráveis e assegurar a estabilidade social, a segurança em matéria de alojamento, o desenvolvimento rural, a proteção do ambiente, assim como um desenvolvimento econômico e social sustentável, animando esforços que visam erradicar a fome e a pobreza no mundo. A sua finalidade é de garantir a segurança alimentar para todos e de promover a concretização progressiva do direito à alimentação adequada no marco da segurança alimentar nacional. As Diretrizes são destinadas a beneficiar o conjunto da população de todos os países; e aportam uma atenção particular às populações vulneráveis e marginalizadas.
Princípios fundadores das Diretrizes Voluntárias para uma governação responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas.
De acordo com os princípios gerais plasmados no centro das Diretrizes voluntárias, os Estados devem:
Reconhecer e respeitar todos os direitos fundiários legítimos e seus voluntários ;
Proteger os direitos fundiários legítimos contra ameaças;
Promover e facilitar o exercício dos direitos fundiários legítimos;
Dar acesso à justiça em caso de violação dos direitos fundiários legítimos;
Prevenir os diferendos fundiários , os conflitos violentos e a corrupção. Os atores não estatais incluindo as empresas, deveriam respeitar os direitos do homem e os direitos fundiários legítimos.
Os princípios da aplicação das Diretrizes voluntárias compreende:
– A dignidade humana;
– A não descriminação;
– A equidade e a justiça;
– A igualdade do género;
– Abordagens holísticas e duráveis;
– A constituição e participação;
– O estado de direito;
– A transparência;
– A obrigação de prestar contas.
As Diretrizes voluntárias, os direitos do homem e o direito internacional
As Diretrizes consideram os direitos fundiários no quadro dos direitos do homem. Atualmente não existe nenhum consenso internacional que institua os direitos  fundiários ao título dos direitos do homem. Todavia, os direitos fundiários, que aportam um acesso para a terra, à pesca e às florestas constituem elementos essenciais de aplicação dos direitos do homem, como o Direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, seu bem-estar e da sua família, nomeadamente para alimentação e alojamento (Declaração universal dos Direitos do Homem, artigo 25; Pacto internacional relativo aos direitos econômicos, sociais e culturais, Artigo 11). A governação fundiária pode afectar o gozo de diversos direitos humanos. As Diretrizes recomendam que os Estados se assegurem que todas as ações relativas ao fundiário e sua governação sejam conformes às obrigações existentes que lhe diz respeito em virtude da legislação nacional e do direito internacional levando em conta os engajamentos voluntários contratadas em virtude dos instrumentos regionais e internacionais aplicáveis. O conjunto dos programas, políticas e assistência técnica implementadas para melhorar a governação fundiária através da execução das Diretrizes deve estar conforme as obrigações existentes dos Estados, tais que emanam dos instrumentos internacionais. As Diretrizes são voluntárias. Não têm caráter juridicamente vinculativo. Não se substituem às legislações nacionais ou internacionais, nem aos engajamentos, tratados ou acordos. Não limitam nem comprometem alguma obrigação jurídica a qual um Estado assinou em virtude do direito internacional. Os «instrumentos jurídicos não vinculativos» visam procurar  os consensos no seio dos países, como a governação fundiária . A experiência da FAO em matéria de instrumentos não vinculativos demonstram seu impacto positivo sobre a orientação das políticas e legislações nacionais em vários países. Quando um país adopta todo ou parte de um instrumento jurídico internacional não vinculativo, torna-se, de facto, por este país, «um instrumento não vinculativo».
As Diretrizes voluntárias e a igualdade de género
As Diretrizes reconhecem as mulheres, que já são social e economicamente marginalizadas são particularmente vulneráveis quando a governação fundiária for deficiente. Um dos princípios dos quais se fundam as Diretrizes é o de igualdade de género. A melhoria da igualdade de género é importante na medida em que as mulheres dispõem de direitos fundiários aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas menos numerosos e mais fracos. Esta desigualdade deve-se a uma série de factores, e nomeadamente no direito formal, nos usos e costumes,na divisão do trabalho na sociedade e na família. As Diretrizes não dispõem de uma seção específica consagrada às questões de género. Estas estão integradas e abordadas dentro das Diretrizes. Esta abordagem para fazer com que as exigências e a situação das mulheres, como as dos homens, sejam tomadas em conta em todas as ações no sentido de melhorar a governação fundiária .
Quem são os utilizadores das Diretrizes Voluntárias?
Todos os atores jogam um papel importante na melhoria da governação fundiária. As Diretrizes podem ser utilizadas por diversas populações e organizações, de diferentes formas e em parceria com outras partes interessadas:
Os Estados jogam um papel único na elaboração, implementação e aplicação de políticas e leis, nomeadamente através da administração dos sistemas de posse, dos tribunais, do registro dos direitos fundiários, das estimações, da fiscalidade e do ordenamento do território.
Os Tribunais e agências governamentais encarregues de administrar  os sistemas de posse deveriam envidar esforços para fornecer serviços equitativos para todos, tratando-se, sobretudo  das populações isoladas. Estes serviços deveriam ser fornecidos rapidamente e de forma eficaz, sem suborno.
Os indivíduos e comunidades e as organizações detentores dos direitos fundiários devem ser informadas dos seus direitos e as formas de se protegerem face aos comportamentos corrompidos de outras partes. As organizações da Sociedade civil podem sensibilizar a população aportando-lhe uma assistência para o gozo  e a proteção dos seus direitos fundiários. Podem incentivar o público a participar no processo de tomada de decisão.
Os investidores deverão assegurar que as suas atividades não estejam na origem da expropriação dos direitos fundiários da população. Quando se pretende adquirir os direitos fundiários relativas à terra, pesca e florestas, os investidores deverão assegurar-se que todas as pessoas concernentes estão devidamente informadas e associadas nas negociações.
Os Profissionais fundiários (engenheiros urbanísticos, advogados, notários, avaliadores, expertos, ordenadores fundiários) devem respeitar as normas de conduta e de comportamento ético, tratando-se nomeadamente do bom exercício de suas tarefas em toda a honestidade.
Os Universitários podem incluir a governação fundiária nos seus conteúdos curriculares e reforçar sua colaboração mútua em termos de ensino e pesquisa a propósito.
Promover as Diretrizes Voluntárias para a Governação responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas no marco da segurança alimentar na Guiné-Bissau
O Programa Nacional do Investimento Agrícola (PNIA) e o Quadro de Programação do País Guiné-Bissau/FAO (CPP 2014 – 2017) assinado no dia 24 de Abril de 2014, constituem documentos estratégicos e programáticos de referência que visa a apoiar os esforços de desenvolvimento agrícola, da segurança alimentar e de luta contra a pobreza, e elevar a contribuição do setor agrícola na economia nacional da Guiné-Bissau. O Governo e a FAO definiram a governação responsável da posse da terra como um dos principais eixos do CPP, visto que a erradicação da mal-nutrição, da fome, da insegurança alimentar e da pobreza depende (essencialmente) da forma como as populações, as comunidades e todos os intervenientes dispõem e tiram proveito de um direito de aceso à terra. A governação fundiária é um elemento essencial para determinar se as populações, as comunidades e outros atores podem adquirir seus direitos – e cumprir-se com deveres inerentes – no uso e controlo da terra, da pescas e das florestas.  Paralelamente, a questão ambiental ganha uma dimensão cada vez mais relevante, e é importante considerar o impacto econômico e ecológico dele decorrente. Atualmente, na Guiné-Bissau, os sistemas fundiários são objetos de pressões cada vez mais fortes, ligadas nomeadamente a uma demografia crescente e a deflorestação generalizada. A cultura de caju passou de 10.000 hectares em 1993 a 68.000 hectares em 1998 (ano de adoção da lei fundiária atual), a 223.000 hectares hoje. Neste marco, revela-se necessário refletir sobre o quadro jurídico em vigor e avaliar sua aplicação. Por isso os direitos fundiários inadaptados e não securizados aumentam a vulnerabilidade, a fome e a pobreza em particular junto das mulheres e jovens e conduzem aos conflitos quando os utilizadores concorrentes disputam-se pelo controlo dos recursos naturais. Razão pela qual a governação fundiária é uma prioridade absoluta, e constitui uma etapa incontornável para a segurança alimentar e nutricional durável na Guiné-Bissau. Por conseguinte a FAO está engajada para facilitar um quadro jurídico atualizado, pertinente, responsável e durável; também em promover aplicação das Diretrizes Voluntárias para uma Governação Responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas no marco da segurança alimentar na Guinée Bissau. A questão de uma reforma  fundiária impôs-se às autoridades da Guiné-Bissau desde a independência do país. As reflexões iniciadas na altura resultaram na primeira lei, Lei N°. 4/1975 que considerara o solo, na sua totalidade, como propriedade do Estado. Esta lei provocou a suspensão de toda a concessão ou atribuição até 1981, coincidindo com o período da tentativa de socialização de meios de produção no país. Depois de 1981, o Governo de então decidiu reabrir o debate sobre a questão da atribuição de concessão de terras. Após grandes esforços, uma proposta de lei da terra, formulada com o apoio da FAO, fora aprovada em 1998 sob o número 5/98. Esta lei fixa três grandes objetivos: (i) garantir o acesso à terra para as comunidades rurais; (ii) incorporar o regime costumeiro da terra no direito, assim como as instituições que a representa; e (iii) incentivar o investimento na terra (solo) através da criação de um valor de mercado da terra. O Decreto de aplicação (Regulamento) desta lei, foi aprovado em Conselho de Ministros, mais ainda não foi adoptado pelo Parlamento. As dificuldades políticas internas e externas terá impedido a aplicação da lei da terra  e do seu regulamento até a data presente – 2014.
Ao pedido do Governo, a FAO aporta seus conhecimentos e experiência e seu apoio técnico e financeiro para a revisão de regulamentos de aplicação da lei da terra de 1998,  para (i) uma boa consideração da segurança dos direitos das mulheres e dos jovens nas zonas rurais; (ii) aumentar a perenidade dos investimentos agrícolas, e (iii) uma melhor gestão agrária na Guiné-Bissau. A colaboração com a FAO dá ao Governo da Guiné-Bissau, a oportunidade de beneficiar de vantagens comparativas da FAO que publicou em maio de 2012, as Diretrizes Voluntárias para uma Governação Responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas, uma ferramenta de referência colocada à disposição dos Estados, dos tribunais, dos investidores, da sociedade civil, etc., fornecendo indicadores que permite melhorar a gestão dos sistemas de posse da terra. Mais especificamente na Guiné-Bissau, a FAO se interessa, na melhoria de governação fundiária, particularmente sensível ao género, bem como a aplicação efetiva da lei da terra e do seu regulamento (2008/2014). Os apoios da  FAO incidem essencialmente sobre:
➔ A implementação e funcionamento da Comissão Nacional Fundiária, prevista na lei de 1998;
➔ A criação de um Observatório Nacional da  Terra;
➔ O reforço das capacidades das instituições governamentais, não-governamentais, líderes tradicionais da população (cooperação com a sociedade civil e as ONGs) em termos de governação fundiária e de direitos a propriedade da terra, com uma atenção particular ao aspecto  do género;
➔ A difusão das Diretrizes Voluntárias para uma Governação Responsável dos sistemas de posse aplicáveis para a terra, à pesca e às florestas no marco da segurança alimentar e aplicação das suas temáticas específicas na Guiné-Bissau.

A temática da propriedade da terra é de natureza multidimensional, plurisetorial  e transversal. É uma preocupação de TODOS. Para isso, solicito a colaboração das instituições nacionais (parlamento, governo, sociedade civil, setor privado, etc.), dos parceiros de desenvolvimento e doadores, das organizações de cooperação internacional e regional, e de todos os atores para se juntarem aos esforços da FAO, dos princípios da dignidade humana, da nao-descriminação, da equidade, da igualdade, de consulta e participação, de transparência e de melhoria progressiva da governação fundiária, para que «os guineenses possam assegurar de forma sustentável a sua segurança alimentar e nutricional» no horizonte 2025.

Por: Joachim Laubhouet-Akadié, Representante da FAO na Guiné-Bissau

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