Os doadores congelaram a ajuda prometida à Guiné-Bissau para 2016. O analista guineense Carlos Vamain sugere que o Estado arrecade melhor as receitas. E "outras políticas" para compensar a ausência de apoios orçamentais.
Na semana passada (23.06), o Fundo Monetário Internacional (FMI) informou o novo Governo de Bissau que os principais parceiros financeiros do país congelaram a ajuda prometida para 2016.
O órgão internacional exige correções num contrato de resgate a bancos comerciais assinado pelo Governo demitido, no valor de cerca de 50 milhões de euros, que resulta numa derrapagem do crédito líquido do Estado.
Os parceiros internacionais alegam que a disponibilização dos fundos anunciados na mesa de doadores realizada em 2015, em Bruxelas – cerca de mil milhões de euros – vai depender da criação de condições de estabilidade na Guiné-Bissau, que no último ano já mudou de Governo quatro vezes.
O analista guineense Carlos Vamain considera que a decisão poderá agravar ainda mais a situação financeira do Estado guineense, caso este não enverede por "outras políticas". Em entrevista à DW África, o especialista também recomenda mudanças no setor das finanças públicas.
DW África: Quais são as consequências do congelamento da ajuda externa à Guiné-Bissau?
Carlos Vamain (CV): As consequências dessa decisão do FMI relacionam-se com a questão do grau de dependência relativamente ao exterior por parte da Guiné-Bissau. O Orçamento Geral do Estado acusa um défice de mais de 50% e isto tudo faz com que o país dependa de apoio orçamental de parceiros de desenvolvimento. Há uma taxa de pressão fiscal muito baixa na Guiné-Bissau, as pessoas pagam muito pouco impostos e dependem dos impostos pagos pelos países parceiros de desenvolvimento. Portanto, está numa situação bastante difícil. E as consequências dessa decisão poderão agravar a situação financeira do Estado se este não enveredar por outras políticas, que possam permitir que o Estado arrecade melhor as receitas e melhore a sua performance financeira.
DW África: E quais seriam essas políticas económicas para melhorar o Orçamento do Estado?
CV: Uma reforma fiscal de forma a cobrar receitas. Por exemplo, aqui na Guiné-Bissau não se paga impostos prediais. E o Imposto Geral sobre Vendas (IGV) é cobrado na Guiné-Bissau a montante, quer dizer, ad valorem [conforme o valor] das mercadorias importadas. Se fosse cobrado a jusante, teríamos triplicado as receitas fiscais na ordem dos 60 e tal ou 80 mil milhões de francos CFA, o que reduziria bastante o défice orçamental. Isso permitiria ao país viver ou sobreviver um pouco sem grandes sobressaltos. Há que haver uma mudança de políticas no setor das finanças públicas.
DW África: E o novo Governo formado dá sinais de que fará essas mudanças?
CV: Soube que o Governo disse que vai fazer cortes nas despesas públicas. Só isso não será suficiente. O corte nas despesas não poderá cobrir esse défice orçamental devido à suspensão de apoios orçamentais. Julgo que a única medida seria uma reforma fiscal pequena para poder compensar a ausência de apoios orçamentais. É claro que são medidas mais ou menos dolorosas, mas têm de ser tomadas.
DW África: Com essas medidas, seria então possível o Governo da Guiné-Bissau sobreviver sem a ajuda externa?
CV: Penso que sim, porque segundo o próprio FMI, temos um potencial de 20,69% do Produto Interno Bruto (PIB) para arrecadação de receitas. Portanto, basta fazermos um esforço de 50% para chegarmos lá.
DW África: Essa pressão adicional exercida pelo FMI e os doadores agrava ainda mais a instabilidade política na Guiné-Bissau?
CV: Pode contribuir para o seu agravamento, caso não haja medidas corretivas que surtam efeitos para amenizar o sofrimento das pessoas e o caos financeiro.
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